Claudia Calirman (curadora): “Coletivas intermináveis me tiravam o sono”
No novo livro, a escritora analisa a produção de mais de 18 artistas visuais brasileiras — entre nomes consagrados e emergentes
Comecei cedo no jornalismo: aos 19 anos, já empunhava o microfone da extinta TV Manchete, sem imaginar que aquela rotina de coberturas de última hora logo despertaria em mim um desejo de mudança. Vivi momentos marcantes: cobri ao vivo a internação de Tancredo Neves, acompanhei de perto a transição da ditadura para a democracia e me emocionei nos carnavais da Sapucaí. No entanto, nem tudo era euforia. O que realmente me tirava o sono eram as coletivas intermináveis no BNDES, na Caixa Econômica, nos corredores frios da economia. Meu coração batia em outro ritmo: queria mesmo era ouvir artistas, cobrir dança, música, exposições. Só que, na TV, o mantra era claro: repórter bom cobria política e economia. E lá ia eu, microfone em punho, contrariada.
Percebi aí que, se quisesse escrever sobre arte e cultura, teria que mudar de rota. Fiz as malas, mudei de país. Fui para Nova York fazer mestrado na New School. Em seguida, mergulhei no doutorado em História da Arte. Ao concluir minha tese, fui convidada pelo MoMA para dar cursos e fazer visitas guiadas sobre arte moderna e latino-americana. Sorte? Talvez. Mas também aposta, risco e reinvenção. Nova York virou casa — e também plataforma para o meu trabalho com arte latino-americana, especialmente brasileira. Publiquei livros, fiz curadoria de exposições, tornei-me professora da City University of New York e estudei artistas que desafiam sistemas.
Meu primeiro livro, “Arte na Ditadura Militar: Artur Barrio, Antônio Manuel e Cildo Meireles”, se aprofundou nas práticas radicais desses artistas na década de 1970. Logo depois, recebi apoio da Andy Warhol/Creative Time Foundation para minha pesquisa seguinte. O resultado foi “Práticas Dissidentes – Artistas Contemporâneas Brasileiras”, publicado em 2023 pela Duke University Press, e agora, com alegria, lançado no Brasil pela Editora Pinakotheke.
Nesse novo livro, analiso a produção de mais de 18 artistas visuais brasileiras — entre nomes consagrados e vozes emergentes — que, desde os anos 1960 até hoje, afirmam suas diferenças e enfrentam resistências de gênero, raça e classe. Suas práticas não cabem em rótulos — são atos de resistência, são potência, são faróis. A estrutura do livro segue as rupturas históricas do Brasil — da ditadura militar à redemocratização, da virada do século à ascensão da extrema direita e ao surgimento de uma nova geração diversa, que luta por inclusão, representatividade e justiça social. Ao longo dessas seis décadas, muita coisa mudou — inclusive o perfil dessas artistas. Hoje, elas vêm de diferentes classes sociais, incorporam novas tecnologias, circulam por redes digitais e, acima de tudo, exigem visibilidade e espaço em um sistema ainda marcado por profundas desigualdades.
Três décadas depois, com Nova York ainda como minha residência, volto ao Brasil para lançar “Práticas Dissidentes” em português. Publicar esse livro aqui é mais que uma alegria — é um ciclo que se fecha, um reencontro com a jovem repórter que um dia sonhou em escrever sobre arte e cultura. Hoje, ela retorna com novas histórias para contar — e muitas outras vozes para amplificar.
Claudia Calirman é carioca. Casada com americano, vive em Nova York desde 1989. É escritora, curadora e professora titular do John Jay College of Criminal Justice, CUNY, NY. Lançará “Práticas Dissidentes: Artistas Brasileiras (Edições Pinakotheke) dia 02/09, 19h, na Janela Livraria, Jardim Botânico, onde conversará com Katia Maciel e Camila Perlingeiro, e dia 11, às 16h, na ArtRio [Lounge Editorial] — Marina da Glória.
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