Crônica, por Eduardo Affonso: Café com a Lu
Até o “Café com Deus Pai” tem edições diárias, enquanto eu espero há quatro anos por um “Café com a Lu”
Supostos experts garantem que os cafés mais raros do mundo são o Kopi Luwak, da Indonésia (produzido a partir de grãos escolhidos, ingeridos, fermentados e finalmente expelidos por um mamífero chamado civeta) ou o Jacu Coffee (troque a Indonésia pelo Brasil, a civeta pelo jacu, e o processo escatológico-seletivo é o mesmo).
Outros entendidos em barismo dirão que é o Ospina Dynasty, cultivado em solo vulcânico, na Colômbia, ou o Black Ivory, da Tailândia (esqueça a civeta e o jacu: aqui quem faz a curadoria dos grãos – em escala muito maior – são os elefantes).
Essa gente não sabe de nada: o café mais raro que existe é aquele tomado com a Lu Lacerda. Por um motivo bastante simples: jamais consegui tal façanha.
É mais fácil reunir um elefante, um jacu e uma civeta no sopé de um vulcão para colher, deglutir e purgar duas cápsulas de um Nespresso Poop Plus do que conseguir uma vaga na agenda da colunista.
Até o “Café com Deus Pai” tem edições diárias, enquanto eu espero há quatro anos por um “Café com a Lu”.
Claro que já nos encontramos, mas de forma descafeinada – que não é exatamente o jeito mais interessante de se encontrar alguém.
Uma vez, no lançamento do seu livro, “Saudade não viaja bem”, na Argumento do Leblon. Foram cerca de duas horas na fila (minto: duas horas e meia) num evento que reuniu o “quem é quem” do Rio de Janeiro. Rolou foto, abraço, autógrafo. Café, que é bom, nada.
A outra foi no lançamento da coletânea de crônicas da minha oficina literária, num boteco no Leme. Com muito mais gente do que o espaço comportava e sem ar condicionado, a Lu aguentou bravamente o meu abraço encharcado de suor e partiu para um compromisso mais civilizado. De novo, do café, nem cheiro.
Entra ano, sai ano, ela sugere, cariocamente: “Vamos marcar um café!”. E até marcamos – mas sem data, hora ou local.
E olha que eu não sou chato pra café. Ao contrário: quanto menos firula, melhor. Pode ser de cápsula, de coador, de filtro de papel, ristretto, lungo, macchiato ou à moda turca. Pode ser em pé no balcão, servido em copo americano, ou na xicrinha de porcelana, acompanhado de petit fours, mignardises ou macaronzinhos. Não sendo ralo (café ralo, ninguém merece), o que vier eu traço.
Café mantém a mente alerta e potencializa conexões neurais. É a bebida ideal para uma boa prosa – melhor que o chá (que distrai), que o vinho (que abduz), que o gin tônica (que nos deixa condescendentes a partir da terceira dose) e que o chope (que obriga a pedir licença para ir ao reservado justamente quando o rumo da conversa começa a ficar mais instigante).
Café tem antioxidante. Atua no hipocampo, área associada à memória. Ajuda a queimar caloria. Combate os radicais livres. Previne a obstrução arterial. Combate as cáries. Quer desculpa melhor para encontrar alguém – numa livraria em Botafogo, numa daquelas casas de tortas do Leblon, num bunda-de-fora em Copacabana?
Já vi que o “Vamos marcar um café!” de 2025 vai ficar – como a volta à academia, a leitura das 1398 páginas de “O mundo”, o desapego da coleção de CDs, a mudança da muvuca da Barra para um lugar habitável, a viagem à Armênia e à Geórgia – para 2026.
Até lá, vamos de Pilão mesmo. Caseiro, no coador de pano e com um tiquinho de açúcar (menos que isso, é sinal de psicopatia). Três canecas (das grandes) ao dia. Sozinho. Desperdiçando as sinapses que poderiam ser potencializadas na companhia da Lu.





