Marie Bèndelac: “A Comunicação Não Violenta salva vidas”
No Brasil, são cerca de 14 mil mortes anuais, sendo o suicídio a 2ª principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos
Setembro amarelo, para mim, é sempre um convite à reflexão, em memória ao meu irmão, que tirou a própria vida com apenas 16 anos de idade. Eu tinha 12 anos. Até hoje, não sei quais foram os motivos dele.
Neste mês, em que a cor amarela ilumina a causa da prevenção ao suicídio, fica impossível ignorar a urgência do tema. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos no mundo – o que representa uma em cada 100 mortes.
No Brasil, são cerca de 14 mil mortes anuais, sendo o suicídio a segunda principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos e a quarta entre jovens adultos, de 20 a 29 anos.
Os números assustam. E mais do que isso, eles revelam o tamanho da nossa responsabilidade como líderes, pais, mães, colegas de trabalho ou simplesmente seres humanos que convivem uns com os outros todos os dias.
Como ex-executiva e hoje mentora de líderes e empresários, sei o quanto o ambiente de trabalho pode ser tanto gatilho quanto proteção. Um líder que humilha, que não ouve ou que só enxerga números pode acentuar a dor silenciosa de quem já está em sofrimento. Mas um líder que escuta de forma empática, demonstrando interesse genuíno, abre espaço para a vulnerabilidade e pode ser a diferença entre alguém se calar de vez ou encontrar coragem para pedir ajuda.
Em qualquer empresa, a Comunicação Não Violenta (CNV) – criada pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg – pode ser ensinada e se tornar uma forma de prevenção. Na prática, ela ajuda a:
transformar feedbacks em conversas construtivas, sem humilhar;
reconhecer necessidades em vez de apenas cobrar entregas;
criar segurança psicológica para que as pessoas se sintam à vontade para dizer “não estou bem”;
cultivar uma cultura em que vulnerabilidade não é vista como fraqueza, mas como parte da humanidade.
Dentro das famílias, se os números de suicídio entre crianças e adolescentes crescem, precisamos olhar para dentro de casa. Muitos jovens não têm vocabulário emocional para expressar o que sentem, e acabam sufocados por pressão escolar, redes sociais e expectativas externas.
A CNV pode ajudar pais e mães a:
nomear sentimentos em vez de minimizar dores (“percebo que você está triste” em vez de “para de chorar” ou “que drama!”);
reduzir o peso da cobrança, transformando críticas em escuta empática e diálogos construtivos;
fortalecer vínculos de confiança, para que filhos saibam que podem falar sem medo de punição;
modelar pelo exemplo uma forma saudável de lidar com frustrações e raiva.
Quero deixar aqui meu apoio e minha compaixão a líderes, empresários e empreendedores. Sei o peso que carregam nas costas – as metas, as famílias que sustentam, as cobranças internas que muitas vezes são maiores que as externas. Não é fácil. Mas acreditem: abrir espaço para diálogo e praticar a escuta empática pode aliviar esse peso, não só para você, mas para todos ao seu redor.
Setembro Amarelo nos lembra que comunicar-se é também cuidar da vida. A CNV não substitui tratamento médico ou psicológico, mas cria no dia a dia o espaço de confiança e humanidade que muitas vezes pode ser o primeiro passo para evitar uma tragédia.
Você sabe qual é a maior queixa das pessoas em minhas entrevistas e mentorias? A maioria me diz: “não me sinto ouvido nem compreendido”.
Ouvir, de verdade, é contra-intuitivo e exige esforço. O impulso natural da maioria das pessoas é interromper, aconselhar, rebater ou já pensar na resposta enquanto o outro fala. A escuta empática pede justamente o contrário: silenciar o próprio julgamento, suspender a pressa e se abrir para compreender antes de responder. Parece simples, mas exige presença, paciência e inteligência emocional.
E por isso precisa ser ensinada e treinada: escutar com qualidade para a maioria das pessoas, é uma questão de prática. E quando alguém se sente verdadeiramente ouvido, a experiência é transformadora: cria confiança, alívio e conexão.
Depois de muitos anos apoiando e desenvolvendo líderes, desenvolvi o Método CONECTA a fim de facilitar a aplicação dos conceitos da CNV: um passo a passo simples em 7 etapas que ensina a trocar julgamentos automáticos por curiosidade genuína, e críticas duras por escuta empática, de forma instantânea.
No fundo, o que mais precisamos – no trabalho e em casa – não são respostas prontas e críticas, mas perguntas que nos aproximem. Porque é na curiosidade sincera e no espaço seguro de diálogo que vidas podem ser preservadas e relações fortalecidas.
E na prática, como acolher alguém que chega desesperado ou no limite? Trago aqui três exemplos simples de escuta empática que podem fazer toda a diferença:
Acolher e ouvir sem tentar minimizar a situação ou a dor do seu interlocutor.
Quando alguém diz: “Eu não aguento mais, está tudo pesado demais”, em vez de cortar com “vai dar tudo certo”, respire e responda: “Estou aqui com você. Quer me contar um pouco mais sobre o que está acontecendo?”
Nomear sentimentos
Se a pessoa desabafa: “Ninguém me entende, estou cansado de tentar”, evite conselhos prontos e acolhe: “Imagino que você esteja se sentindo muito sozinho e exausto agora. Estou aqui para te ouvir. Gostaria de falar a respeito?”
Demonstrar curiosidade genuína e tentar identificar a necessidade do seu interlocutor.
Diante de um “Acho que não tenho saída”, não minimize dizendo “não fala besteira”. Pergunte: “O que você gostaria nesse momento para se sentir um pouco melhor?”
Gestos simples como esses mostram presença, reduzem o isolamento e podem abrir espaço para que alguém peça ajuda. Muitas vezes, não precisamos oferecer soluções — só a coragem de estar ali, escutando de verdade.
Por esse motivo, gostaria de terminar esse artigo com um convite: seja em casa ou no trabalho, que tal experimentar fazer mais perguntas, ouvir mais, tentar compreender — antes de julgar ou responder qualquer coisa – principalmente durante conversas difíceis?
Boa semana, com mais empatia e mais escuta!