Psiquiatra fala sobre “bloqueio de emoções” citado por Preta Gil
Numa conversa com Luciano Huck, a cantora disse que só conseguiu entrar no palco “porque eu estou usando um remédio que bloqueia as emoções"
Numa conversa com Luciano Huck, a cantora Preta Gil disse que só conseguiu entrar no palco “porque eu estou usando um remédio que bloqueia um pouco as minhas emoções; senão é duro de aguentar tudo que eu tô passando. Estou lutando. Só Deus e meus amigos íntimos sabem o que tem por baixo dessa roupa e por dentro dessa alma”.
Desde sua morte, nesse domingo (20/07), de câncer no intestino, causando uma comoção nacional, tem-se falado muito sobre o que seria esse controle das emoções. E, por Preta ter deixado memórias amorosas, o assunto ficou ainda mais palpitante.
Veja o que disse à coluna a psiquiatra Maria Francisca Mauro, palestrante em Saúde Mental, fundadora do Portal da Mente, sobre o assunto.
1 – Preta disse que usou “bloqueadores de emoção”. Sobre cuidados paliativos, o que uma doença pode fazer com o psicológico e o que fazer pra passar por um período difícil sem desmoronar?
O legado da Preta Gil ultrapassa sua música e talento artístico, pois sempre desafiou padrões para que pudesse ocupar seu lugar singular no cenário artístico. Quando falou sobre medicamentos “bloqueadores das emoções”, fez de forma sutil, em uma provável referência a medicamentos psiquiátricos. A exata prescrição de Preta não é de domínio público, nem deve ser. O que ela transmitiu naquela fala foi sua incrível resistência de se utilizar de um artifício químico para que pudesse estabilizar seu controle de emoções diante da dor de um quadro grave de câncer. Não é sobre “bloquear a vida”, mas se permitir viver independentemente da dor íntima que a cercava. Nesse cenário de quadros graves, de uma doença terminal ou sem uma programação de “cura”, a vida se apoia com maior força nos pequenos detalhes — não “desmoronar” diante do concreto exige uma força muito maior. A morte não se torna algo desconhecido, mas uma companheira contumaz que mostra sua proximidade diante das mudanças do corpo físico; a vida se desloca da amplitude externa para ganhar maior expressividade interna. Algumas pessoas, nesses momentos, transmutam sua dor em resignação e força, o que parece ter sido a presença de Preta nos palcos nesse período da sua vida. Na intimidade, utilizava-se do afeto e laços afetivos de base enquanto, na ribalta, fez da sua dor e diagnóstico de câncer grave uma forma de expressão de vida com potência.
2 – Quais são as indicações mais comuns para esses “bloqueadores de emoção”? Que tipos de pacientes: se para dores físicas ou mentais?
As indicações para “bloqueadores” dependem da natureza do sofrimento, ou seja, tanto para dor física como emocional, o que, na prática, podem ser medicamentos analgésicos mais potentes de ação central: opioides de baixa potência a alta, assim como medicamentos adjuvantes (antidepressivos e benzodiazepínicos), por exemplo. Por vezes, os medicamentos psiquiátricos, independentemente da classificação farmacológica, são utilizados nesse contexto do desamparo. De acordo com o quadro clínico, se estabelece uma prescrição que ofereça maior estabilidade emocional. Há uma busca por oferecer um “paraquedas” que auxilie naquele pouso doloroso, não muito mais que isso.
3 – Até que ponto uma dor física ou uma doença grave afetam o psicológico de uma pessoa e quais os protocolos?
O tratamento mental não é somente sobre medicamentos — também se apoia na reconstrução simbólica do que significa a vida que se experimenta dentro de si. Alguns indivíduos são mais resilientes; já outras pessoas são mais suscetíveis a internalizar o sofrimento de uma forma mais invasiva. Dentro de um quadro clínico grave, o suporte emocional deve ser considerado desde o início, como uma estratégia de ampliar o repertório daquela pessoa para a vida possível. As pequenas sutilezas da vida ganham uma dimensão que precisa ser validada. Nem sempre as pessoas estão acordadas para sentir o vento, a presença das pessoas que amam, ou mesmo, perceberem o seu valor dentro da sua história.
4 – Não sei se vocês citam os nomes dos remédios, mas quantos tipos existem e, se para se “desligar” de sentimentos negativos, também desligam alguns dos positivos?
O liga/desliga das emoções não é mágico. Na realidade, pensando no caso em reflexão da Preta Gil, utilizaria até o termo “passaporte da vida”; até sua partida, utilizou da vida como uma forma de mostrar o amor e cultivar seus laços. Diante do que compartilhou e resistiu, ela se manteve fiel a si mesma. As classes de medicamentos podem ser os antidepressivos, ansiolíticos, estabilizadores do humor, antipsicóticos, psicoestimulantes e adjuvantes, como os canabinoides. O papel do psiquiatra é proporcionar uma prescrição que habilite, dentro dos limites de cada um, uma circulação na vida com sentido. O uso dos medicamentos não deve ser uma forma de apagar as emoções como esconderijo de si próprio — essa forma de prática que nos diferencia dos “traficantes”, que entregam “medicamentos” ao gosto do freguês.
5 – Quais os efeitos em uma pessoa que está passando pelo que Preta passou, com uma doença grave, sabendo disso e tendo dores físicas e psicológicas?
Os pontos positivos são quando a pessoa alcança uma sublimação do seu martírio para dar um significado de existência nessa travessia. O que antes poderia ter maior valor, como algumas vaidades físicas ou de consumo, torna-se menor. Esse deslocamento de sentido pode produzir um encontro mais genuíno consigo mesmo. De negativo, é quando, diante desse impasse grave, a pessoa passa a experimentar uma revolta e raiva de si e dos outros, como se o mundo estivesse em dívida pelo seu sofrimento. Muito natural as pessoas atravessarem fases emocionais que representam a “perda” e outra de “restauração”; alguns ficam na perda, e outros trabalham para que se reintegre um novo significado no que está por vir.
6 – A Preta era uma pessoa feliz e alegre. De modo geral, essas características — de ter aberto tudo para o público, dividido o tratamento, suas dores, seus amores, tudo isso ajuda muito numa mentalidade menos sofrida?
Como uma figura pública, ela utilizou seu quadro como uma forma de proporcionar informação e esperança. Como ela mesmo citou, ninguém sabia o que ela realmente experimentava na sua mais íntima emoção. Cada um consegue passar por momentos difíceis da sua maneira; abrir-se ou fechar-se nada significam. A mentalidade que se compartilha não necessariamente é a que se experimenta. O fundamental é estar bem ancorado dentro de si mesmo, cercado de amor e por pessoas que estejam dispostas a bancar esse suporte emocional. Ter esse apoio genuíno é a maior riqueza que alguém pode experimentar.
7 – Aqui, suas considerações…
Foi uma mulher que viveu, fez sentido e produziu muito, em vários sentidos: desde ser uma pioneira no uso da sua imagem como forma de resistência, até agora, no seu adoecimento, como um representativo de persistência. Com certeza, tornou muito útil sua passagem de brilho por aqui.
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