Teatro, por Claudia Chaves: “Os Mambembes”
A resistência está lá, independentemente dos ventos que sopram contra
No palco, na praça, no circo, num banco de jardim. Correndo no escuro, pichado no muro. Você vai saber de mim: mambembe, cigano, debaixo da ponte, cantando. A menção é óbvia, porém absolutamente verdadeira.
Do final do século XIX até o início do século XX, as companhias andavam pelo país, apresentando peças — muitas vezes adaptadas de autores europeus ou brasileiros populares — em cidades pequenas e grandes, enfrentando condições precárias. Esse teatro era uma forma de resistência artística, levando cultura a lugares sem acesso a espaços culturais fixos e ajudando a popularizar o teatro.
É nessa herança que surge a peça “O Mambembe”, escrita por Artur Azevedo, encenada pela primeira vez em 1904 e considerada uma das obras mais icônicas do teatro brasileiro. Os Mambembes do século XXI retomam as questões que fazem do teatro… teatro. A incessante busca por patrocínio: as dificuldades de pauta, a corrida que, aparentemente insana, acaba por produzir uma comédia. Com desencontros e confusões, a plateia se diverte — o que se vê é uma verdadeira festa cênica.
A nova montagem da peça é uma celebração para quem ama o teatro brasileiro em sua forma mais pura e apaixonada, conduzida com elegância pelos diretores Emílio de Mello e Gustavo Guenzburger. Preciso e sensível, o trabalho da dupla equilibra habilidade com o humor e a emoção presentes na trama. Sem perder o original, mantém-se o elo entre o passado romântico do teatro e as tensões modernas da arte em tempos tão desafiadores.
A qualidade das atuações vai além de um elenco estelar: Cláudia Abreu, Deborah Evelyn, Julia Lemmertz, Leandro Santanna, Orã Figueiredo e Paulo Betti, após quatro meses efetivamente mambembando pelo Brasil — apresentando-se em um ônibus-palco —, continuam com a mesma luminosidade. Estão ali, experientes, com domínio técnico e o raro e difícil timing cômico. Embora pareça que lidam com estereótipos, todos os atores são capazes de imprimir elegância e profundidade em personagens multifacetados. Há energia, presença física e equilíbrio, mesmo com apenas seis atores dando vida a uma multiplicidade de papéis com performances afiadas.
“Os Mambembes” contam com um palco simples, mas rico em elementos cenográficos e figurinos que se transformam e que, mais do que mostrar, abrem a imaginação da plateia. A montagem tem ritmo, invenção e celebra a estética mambembe com um cenário em constante transformação, onde o lúdico provoca um dinamismo próprio do gênero.
Em tempos em que a metalinguagem — o teatro falando sobre si mesmo — ganha força, “Os Mambembes” reafirma a importância de espetáculos necessários. A resistência está lá, independentemente dos ventos que sopram contra. O sucesso, o final feliz, está na dedicação dos atores, diretores e criativos, que enfrentam tudo e todos pela necessidade apaixonada de fazer arte.
E, por isso, aplaudimos de pé.
Serviço:
Até 22 de junho
Teatro Casa Grande (Avenida Afrânio de Melo Franco, 290, Leblon)
Quinta a sábado, às 20h; domingos às 18h