Teatro, por Claudia Chaves: “Rita Lee — Uma autobiografia musical”
A atuação de Mel Lisboa vai além da representação: é uma incorporação da alma livre, irreverente e sensível de Rita

“Rita Lee foi passear, Rita Lee foi encontrar o amor…”. Assim dizia a canção.
Rita Lee encontrou o amor e nos fez amá-la. Esse amor é o que Mel Lisboa nos entrega como Rita Lee e consagra-se como a melhor atriz em musical biográfico. Sua atuação vai além da representação: é uma incorporação da alma livre, irreverente e sensível de Rita. Mel não imita, ela sente — e faz o público sentir. Sua voz delicada e segura embala canções que ganham nova vida no palco.

A direção de Débora Dubois e Márcio Macena acerta ao manter um ritmo dinâmico e envolvente. Não há tempo perdido: cada transição entre cenas é fluida e bem amarrada, construindo uma narrativa que cresce em intensidade. O elenco, afinado e coeso, entrega atuações marcantes. O tom paródico e irônico, sempre presente na obra de Rita, é preservado com inteligência. Um espetáculo que tem tudo a ver com Rita, pois consegue contar com coerência e leveza o Brasil musical, social e político na segunda metade do século passado.

O elenco, capitaneado por Mel Lisboa, tem a seu lado Bruno Fraga como Roberto de Carvalho, parceiro musical e amoroso. Fabiano Augusto dá vida a Ney Matogrosso, enquanto Carol Portes interpreta a irreverente Censora Solange. Débora Reis brilha como Hebe Camargo, com humor e precisão, e Flavia Strongolli representa Elis Regina. Yael Pecarovich encarna Gal Costa, Antonio Vanfill alterna entre Arnaldo Baptista e Charles Lee, Gustavo Rezende vive Raul Seixas, e Roquildes Junior interpreta Gilberto Gil. Completam o elenco Lui Vizotto e Priscila Esteves, como swings, garantindo a fluidez e a versatilidade da montagem.

A opção por não seguir uma ordem cronológica nas músicas revela-se um dos maiores acertos da encenação. As letras são utilizadas como extensão do texto, por Márcio Macena, dialogando com a dramaturgia e ilustrando o espírito e os dilemas de Rita em cada fase de sua vida. Esse recurso reforça a integração da personagem com o seu tempo e com a sociedade brasileira, que o roteiro e pesquisa de Guilherme Samora destacam.
A direção musical de Marco França e Márcio Guimarães é primorosa, trazendo arranjos que respeitam as versões originais, mas adicionam uma identidade cênica vibrante. Os figurinos de Carol Lobato e Giu Foti são adequados e criam um retrato visual autêntico de cada momento histórico. O sofá vermelho — peça central do cenário — funciona com mobilidade e simbolismo, sendo um elo entre os diferentes tempos da narrativa. A iluminação exuberante de Wagner Pinto e as projeções contribuem com imagens de altíssima qualidade, contextualizando a cena sem sobrecarregá-la.

Todos os pontos necessários a um excelente espetáculo estão presentes, com um conjunto técnico de excelência, um elenco que se entrega e uma protagonista, Mel Lisboa. O que vemos em Rita Lee, o Musical é o melhor da cultura e da arte. Como Rita, somos capazes de recriar e não desistir. Salve Rita e sua homenagem, que é um ato de paixão à arte, à liberdade — seu maior valor. Um ato de respeito à memória com total talento.
Serviço:
Até 3 de agosto, no Teatro Casa Grande, Leblon (Av. Afrânio de Melo Franco)
Quintas, sextas e sábados às 20h
Domingos às 18h
