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Blog do novelista Manoel Carlos

Retiro espiritual

Carnaval é brincar, pular, se divertir ou então encarar um retiro espiritual. Já fiz, quando jovem, o retiro de praxe. Eu e alguns amigos nos fechávamos num convento e ficávamos lá, meditando, falando sobre o que nos afligia e nos contentava — e sempre ouvindo boa música: Bach, Corelli, Vivaldi… Entre os muitos grupos de […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 18h46 - Publicado em 28 fev 2014, 00h01

Carnaval é brincar, pular, se divertir ou então encarar um retiro espiritual. Já fiz, quando jovem, o retiro de praxe. Eu e alguns amigos nos fechávamos num convento e ficávamos lá, meditando, falando sobre o que nos afligia e nos contentava — e sempre ouvindo boa música: Bach, Corelli, Vivaldi… Entre os muitos grupos de amizade a que pertenci, alguns eram de jovens com vocação religiosa.

Eu mesmo, em algum momento da minha vida, sonhei com o convento, o que seria a alegria e a felicidade da minha mãe. Mas me casei cedo, com 19 anos, e as minhas irmãs mexiam comigo:

— Você preferiu ser padre de uma freira só.

Passou o tempo desses sonhos, mas guardo certa reserva no Carnaval. Fui algumas poucas vezes ver os desfiles, achei muito bonitos, mas a minha preferência para esses dias de Carnaval ainda é o retiro espiritual. Não mais o do convento, mas um outro refúgio. Para dentro. Uma viagem a bordo de mim mesmo. Um livro. E neste ano elegi os Diários do grande e inesgotável Lúcio Cardoso, que venho lendo durante todo o ano. São quase 800 páginas. Uma aventura espiritual. E deixo aqui, neste Carnaval, algumas reflexões extraídas desses diários, que tenho certeza de que gostarão de ler:

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Envelheço como as tempestades — encaminhando-me sem ressentimento para as cores alvas da bonança. Perco os meus relâmpagos e as minhas violências — entrego-me à luz que nasce, humilde e de cabeça baixa. Mas, dos céus revoltos por onde andei, conservo o segredo de uma melodia que não é feita somente de paz, mas que, na sua última aquiescência, relembra ainda o amontoado negro das paisagens devastadas.

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Ao contrário do que disse o romancista, ser homem é que é perigoso. Viver é um simples acontecimento.

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Sim, viver acontece. Mas não é importante. O certo é crescer: feito de galhos, de quinas, de erosões. Sobretudo o clássico conselho: crescer para o lado de lá. É no quintal vizinho que se morre bem — sem ter raízes.

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Não se sabe ao certo o que é o sonho, se bem que muita gente tenha tentado defini-lo. Explicação erudita ou pura demonstração de poesia, a verdade é que ele escapa a todas as definições. E convenhamos: sua qualidade específica é exatamente a de ser indefinível.

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Viagens, prêmios de Deus. Estradas, caminhos e descampados — quantos, para mim, são testemunhos de mim mesmo e do meu sangue. Ouço a mata como quem escuta uma música. Aqui o tempo fica — e se abre em flor.

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O homem de maior espírito não é o de uma única resposta, nem o da resposta mais constante, mas o de várias respostas ao mesmo tempo, e o mais mutável quanto à certeza delas.

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O corpo de Cristo, sua presença, seu sangue e suas chagas. Ele é o próprio centro do mistério e da razão da fé, o que nos demonstra insofismavelmente, a unidade existente entre Deus e o homem, pois, sendo Deus, é na forma de homem que se apresenta aos nossos olhos.

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Bom Carnaval para todos que gostam de Carnaval.

E bons livros para quem prefere o retiro espiritual.

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