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Manual de Sobrevivência no século XXI

Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Psiquiatria

Homofobia: um outro tipo de vírus letal

Em meio ao aturdimento da pandemia, é preciso quebrar o silêncio que cerca a discriminação

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 21 Maio 2020, 10h44 - Publicado em 18 Maio 2020, 15h55
Cidadãos LGBTQ continuam a enfrentar recorrente discriminação em casa, na rua e no ambiente de trabalho. (Pixabay/Reprodução)
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No dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) removeu a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças, até então alocada na subcategoria de “Desvios e Transtornos Sexuais”. Embora tardio, esse reconhecimento aos homossexuais, tão marginalizados à época pelo vírus da AIDS, escancarou aos heterossexuais e à toda a sociedade a crueldade da homofobia, discriminação antes legitimada pelo discurso médico.

Trinta anos depois, apesar de todas as conquistas nas últimas décadas, os cidadãos LGBTQ continuam a enfrentar recorrente discriminação em casa, na rua e no ambiente de trabalho. É uma data para celebrar, mas também para estar vigilante. Entre janeiro e 15 de maio de 2019, o Brasil registrou 126 homicídios e 15 suicídios por homofobia, uma média de uma morte a cada 23 horas, de acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB). Não estão computados nestes dados as centenas de casos de violência que não chegaram à óbito.

Diante da atual tragédia sanitária, que nos restringe a todos e obriga a viver em caráter de excepcionalidade, pode soar despropositado tratar de homofobia. No entanto, em meio ao aturdimento que a pandemia acarreta, é preciso quebrar o silêncio que cerca a discriminação, o assédio e o tratamento desigual com os indivíduos que fogem do padrão dominante. Fala-se recorrentemente que esta é uma epidemia que nos iguala a todos. Será? Será que negros tem o mesmo tratamento que brancos? Será que pobres tem as mesmas oportunidades de enfrentamento ao vírus que os ricos? E finalmente: será que o tratamento será igualitário para os LGBTQ nos quatro cantos do país?

Dados preliminares da pesquisa realizada pelo coletivo #VoteLGBT com mais de 10 mil pessoas de todo o Brasil confirmam estudos americanos que indicam que LGBTQs tem 2,5 vezes mais chances de experimentar depressão, ansiedade e abuso de substâncias.

A pesquisa brasileira, apresentada ontem, mostrou que o impacto negativo do isolamento social é maior entre a população LGBTQ. Os problemas de saúde mental durante o isolamento social são a maior preocupação dos entrevistados, afirmaram 44% das lésbicas; 34% dos gays; 47% dos bissexuais e pansexuais; e 42% das transexuais. Segundo a pesquisa, 28% dos entrevistados afirmaram já ter recebido diagnóstico prévio de depressão em algum momento de suas vidas. Dados da OMS mostram que 5,8% dos brasileiros (cerca de 12 milhões de pessoas) sofrem de depressão. Neste contexto de confinamento, o agravante do convívio familiar forçado tende a tornar a violência doméstica contra indivíduos LGBTQs ainda mais frequente.

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O desemprego, uma das maiores preocupações durante e após a pandemia, é uma realidade entre os LGBTQs no Brasil: cerca de 21% informaram estar desempregado no primeiro trimestre de 2020, face aos 12,2% do total da população, segundo o IBGE. A informação escancara o preconceito em se oferecer vagas a este público no mercado de trabalho.

Ano passado, o Supremo Tribunal Federal enquadrou a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero na Lei do Racismo, crime inafiançável e imprescritível segundo o texto constitucional e pode ser punido com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa. Pode não ser o ideal, mas é um começo.

A homofobia, assim como o coronavírus, tem alto potencial de transmissão pela ignorância e falta de punição aos crimes cometidos. Neste caso, a vacina já está disponível: a melhor forma de imunização é a informação e a justiça.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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