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Rafael Mattoso

Por Rafael Mattoso, historiador Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Curiosidades sobre o subúrbio carioca

Reflexões sobre a história do racismo no futebol suburbano

A luta antirracista tem que começar a dar o exemplo dentro das casas, escolas ruas e campos brasileiros

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Atualizado em 27 Maio 2023, 13h22 - Publicado em 26 Maio 2023, 19h33
Foto dos jogadores do Vasco em 1919
Partida entre o Vaco da Gama e Combinado Engenho de Dentro-Mackenzie, 1919. (Acervo do Centro de Memória Vasco da Gama/Arquivo pessoal)
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 Na última quarta-feira (24), véspera do Dia Mundial da África, conversava com o amigo André Gabeh durante as comemorações do aniversário de 410 anos de Madureira, quando o papo nos levou a falar sobre as repercussões de mais um ataque racista contra o jogador Vinicius Junior. Poucos minutos depois, enquanto ouvia a roda de samba que alegrava o público do Mercadão de Madureira, uma das músicas me fez refletir ainda mais. A famosa letra começa assim: “Como toda bola é de Pelé…”

A composição intitulada “Nossa Escola”, é uma parceria entre Luciano Bom Cabelo, Alex Primitude, Gabi, Pipa Vieira, Ronaldo Camargo e Vinicius Maia, que reverencia diversos nomes extremamente importantes para a cultura preta suburbana, entre eles: Almir Guineto, Roberto Ribeiro, Cartola, Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra e até Pelé. Em pleno mês de maio, passado apenas duas semanas do Dia dos Pretos Velhos, 13 de maio, ouvindo o som dos tambores e olhando para as lojas de artigos religiosos afro-brasileiras não pude deixar de pensar o quanto é incoerente a manutenção do racismo em pleno século 21.

Sabemos que o futebol reflete a sociedade racista e preconceituosa que vivemos, casos de violência iguais ou até piores ao ataque feito contra Vini Jr. infelizmente são frequentes. Um dado alarmante que comprova o atraso civilizatório que precisamos enfrentar urgentemente é dado pelo Ministério do trabalho, que somente até março desta ano de 2023 resgatou mais de 900 vítimas de trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
O jornalista Mario Filho, que atualmente dá nome ao estádio do Maracanã, foi um dos pioneiros na tentativa de investigar as origens  do racismo no futebol nacional. Quando publicou seu livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, inicialmente em 1947.

Para nos ajudar a entender melhor as complexas relações que envolvem o racismo e o futebol, partindo dos subúrbios cariocas, convidamos o Doutor em História Comparada pela UFRJ Ricardo Pinto dos Santos. Ele acaba de publicar um importante artigo intitulado “Brasil ‘redescobriu’ o racismo no futebol. O que faremos dessa vez?” https://ludopedio.org.br/arquibancada/brasil-redescobriu-o-racismo-no-futebol-o-que-faremos-dessa-vez/

Ricardo nos explicou que: “Quando nos debruçamos sobre a história do negro no futebol, muitas vezes cometemos dois erros básicos: o primeiro é acreditar que essa história começa apenas a ser escrita quando jogadores negros passam a atuar nos chamados grandes clubes do Rio de Janeiro, então capital federal. Muitos ainda não percebem que o processo de desenvolvimento do futebol passou obrigatoriamente pelos subúrbios cariocas, gerando importantes celeiros de craques, bem como possibilitando as camadas populares vivenciarem o futebol em toda a sua estrutura.
O segundo erro, talvez o mais grave, seja reconhecer nesse processo de inserção do negro no futebol dos ‘grandes’ clubes a inauguração de uma espécie de movimento pela luta antirracista que mudaria a cara do futebol brasileiro. Nesse contexto, a história contada, despreza a motivação econômica dos times em formar equipes fortes e competitivas que, a partir disso, beneficiariam financeira e simbolicamente seus clubes.
Vale destacar que nenhum clube, se preocupou em deixar oficialmente registrado o racismo ou a questão negra em seus documentos institucionais (atas de Assembleia/livros de diretoria), tampouco se manifestavam diante das violências raciais comuns tanto na época, como infelizmente ainda presente nos dias de hoje.
Não há dúvidas de que a entrada de jogadores negros nos chamados clubes de grande porte gerou, para eles, certa mobilidade social. No entanto, esse deslocamento não produzia, na mesma medida, uma nova representação social para o homem preto. Para se ter ideia, clubes de fábrica como o Bangu e o Andarahy, ainda que integrantes da Liga principal no início do século XX, e que já possuíam atletas negros em seus quadros, nos jornais tinham seus membros reconhecidos pelos comportamentos inadequados ao perfil geral da primeira divisão do futebol.

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Matéria do jornal O Paiz, do dia 7 de maio de 1916, elogiando a Liga Suburbana de Futerbol.
(O Paiz/Internet)

Nesse sentido, precisamos glorificar a história do futebol suburbano. Assim como em 22 de março de 1919, no O Imparcial, importante jornal do período, um cronista declara que eram escandalosos os casos de suborno, vantajosas promessas de bons empregos e de gorjetas para tirarem os jogadores do subúrbio para a principal Liga do Futebol Carioca, ele também ressalta que a Liga Suburbana acabou se tornando o celeiro da Liga Metropolitana.

Nesse período, devemos destacar o caso do Engenho de Dentro. Uma das equipes mais importantes do futebol suburbano do Rio de Janeiro, berço de muitos craques. Campeão em 1916, 1917 e 1918, O Clube se tornou referência quando o assunto era bom futebol e estratégia para formar boas equipes. Afinal, desde a sua formação já buscava grandes jogadores para levar para o seu time. Prática que se tornaria comum aos clubes da Liga Metropolitana para fortalecer seus times.
Por tudo isso, um cronista da Gazeta Suburbana, em 5 de abril de 1919, chamava atenção dizendo “que só tem bom jogo na Liga Suburbana, pois, entre o pessoal da Metro (Principal Liga), não anda”. Toda essa representação, da qualidade e vivacidade do subúrbio, em geral, ficou esquecida na história do futebol do Rio de Janeiro. O jornalismo esportivo e os historiadores, por muito tempo, priorizaram os “grandes” clubes, mesmo sabendo que parte importante dessa memória tenha os seus caminhos fincados no subúrbio carioca.
Ainda que os desígnios do capitalismo esteja presente no cenário esportivo desde o século XIX, foi nas primeiras décadas do XX e, sobremaneira, no futebol, especialmente a partir do Sul-Americano de 1919, que ele atinge uma proporção ainda não vivenciada. O futebol, nesse sentido, potencializou a relação comercial com o esporte de forma nunca vista.
Foi nesse período que as diretorias dos clubes, majoritariamente formadas por homens brancos, resolvem mudar a lógica do futebol. Sem se importar com a cor da pele ou condição social os clubes passam a contratar os melhores jogadores dos times do subúrbio carioca. Para se ter ideia da importância do Engenho de Dentro nesse processo, na ocasião, o clube acaba perdendo vários jogadores do seu time tricampeão.”

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Foto de um Jogo da Liga suburbana de Futebol, 1916.
Jogo da Liga suburbana de Futebol, 1916. (Site História do Futebol/Internet)

Tal como sugere o historiador Ricardo Pinto dos Santos, autor de livros como: “História, Conceitos e Futebol” e “Entre ‘rivais’: futebol, racismo e modernidade”, em geral, os clubes se aproveitam do fato de terem contratados negros para se apropriarem desse discurso de luta antirracista, muitos até chegaram a obter vantagens econômicas através dessa pratica. Porém, a luta antirracista no esporte nunca ocorreu verdadeiramente no Brasil.

Uma dica para dar continuidade a estes importantes debates fica por conta de um encontro de pesquisadores de times considerados ‘pequenos’ ou extintos. O evento está programado para acontecer entre os dias 5 e 8 de junho, no Tijuca Tênis Clube. Interessados podem obter mais informações através do link: https://forms.gle/ZLY2AT1KfNRHoveB9

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