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Rafael Mattoso

Por Rafael Mattoso, historiador Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Curiosidades sobre o subúrbio carioca

São Sebastião do Rio de Janeiro

Flechas que cruzam a história de caboclos, santos e orixás

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 jan 2023, 13h04 - Publicado em 20 jan 2022, 13h07
Foto da camisa de uma senhora negra com a imagem de São Sebateão
 (Fábio Caffé/Arquivo pessoal)
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O que São Sebastião, Estácio de Sá e Oxóssi podem ter em comum, principalmente quando tratamos da herança cultural da cidade do Rio de Janeiro?

Uma pista para entender essa relação está na data de hoje, 20 de janeiro, pois neste mesmo dia ocorreria a morte do mártir cristão e atual padroeiro da Cidade Maravilhosa, no ano de 288 d.C.

Concidentemente, também foi num dia 20 de janeiro que o fundador da nossa atual São Sebastião do Rio de Janeiro faleceu, em 1567, vítima de uma flechada certeira. Para tornar essa mística carioca ainda mais intrigante, São Sebastião, que teria nascido na Franca, na cidade de Narbona, foi homenageando pela primeira expedição colonial portuguesa, dando seu nome ao território recém-encontrado, em janeiro de 1502.

Outro forte simbolismo se deve ao fato de soldados portugueses, que lutavam para manter o controle das terras, terem relatado ver e sentir a presença de São Sebastião ao lado dos lusitanos na guerra contra os franceses aliados com os índios Tamoios.

Ainda mais curioso é que o futuro rei de Portugal, Dom Sebastião, nasceria num dia 20 de janeiro de 1557 e acabaria morrendo, com apenas 21 anos, enquanto lutava pela bandeira da expansão do cristianismo, em Marrocos.

Sem contar o fato de Oxóssi ser o rei das matas, caçador de uma flecha só. No Rio o orixá Oxóssi é representado como Chefe da Falange de Caboclos, sincretizado com a figura de São Sebastião. Muitas entidades das religiões afro-brasileiras carregam nomes indígenas ligados a essa tradição, tais como: Caboclo Pena Branca, Aimoré, Cacique das Matas, Cobra-coral, Cabocla Jurema, Cabocla Jacira, Ventania, Sete Flechas, entre outros.

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Aproveito para lembrar que São Sebastião e Oxóssi são padroeiros de três importantes escolas de samba suburbanas: Portela, Mangueira e Mocidade. Dia 20 de janeiro também calhou de ser aniversário do tradicional Cacique de Ramos, que neste ano completa de 61 anos de fundação.

Para falar mais sobre a importância do Dia de São Sebastião temos o prazer de convidar o jornalista e escritor Jeferson Pedro, autor dos livros “Dandara” e “Saída de Emergência”, além de ser o roteirista de Tião, filme maravilhoso que indicamos especialmente na data de hoje. Segue o link para quem puder assistir o curta-metragem de apenas 13 minutos: https://vimeo.com/182707517

Jeferson nos disse: “Hoje é dia de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, e desde que o curta metragem ‘Tião’ veio ao mundo, pelas mãos habilidosas de Clementino Junior, todo dia vinte de janeiro é dia de agradecer. É dia de abrir a janela, contemplar o céu azul de Oxóssi, o caçador de uma flecha só, e agradecer por todos os caminhos abertos, e por ser mais um filho deste chão cercados pelas águas da Guanabara de São Sebastião. Filho de pais nordestinos, quis o destino que eu viesse ao mundo aqui.

Tião foi o segundo curta-metragem que escrevi, e em cada cena, eu consigo ver o povo estampado na tela, do jeitinho que pensei: nossa cor está lá, nossa pele está lá, a nossa cara está lá é a nossa cidade que estamos vendo. No trem, na Central do Brasil, na Marquês de Sapucaí, na Av. Presidente Vargas, na dança do passinho, ou no bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira.

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A arte segue o destino de ser extremamente necessária para nos mantermos. É alívio, é respiro, é transformação, e, principalmente, a arte nos liberta dos grilhões que nos aprisionam e nos mantém reféns. Quantos de nós não somos “Tião”, tentando sobreviver ao caos da pandemia, numa cidade que sequer possui hospitais para atender a quem precisa? Quantos de nós não está adoecido, machucado, sem dinheiro, sem educação, sem dentes na boca, e até sem confete e sem serpentina?

Dia vinte de janeiro é dia de pedir a Oxóssi que nos cure, e nos dê a fartura sagrada que é viver! É dia de agradecer por sobrevivermos a tudo isso, pois o Rio conserva o espírito vanguardista, ousado, malandro que só quem é carioca tem. Para cada tiro que tomamos, Oxóssi está lá para tentar nos livrar. Para cada vez que caímos, Oxóssi está lá para nos levantar. Hoje é dia de abrir a janela e repetir os versos de Moacir Luz, na canção Saudades da Guanabara: ‘Brasil tira as flechas do peito do meu padroeiro, que São Sebastião do Rio de Janeiro, ainda pode se salvar’.

De hoje até dezembro, que cada carioca esteja revestido pelo axé de Oxóssi, e tenha a flecha certeira. É essencial alimentar o desejo de sobreviver, de resistir, e de voltar a sorrir por inteiro, com as bênçãos de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro.

Okê Arô, meu Pai, e que assim queira Oxalá!”

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Cena do filme Tião, foto com os atores Raphaela Caboclo, Feliciano Junior e Hugo Germano.
Cena do filme Tião, com Raphaela Caboclo, Feliciano Junior e Hugo Germano. (Clementino Junior/Arquivo pessoal)

Não podemos falar da história sem procurar entender melhor as relações que a nossa ancestralidade estabelece com os dias de hoje. Para ampliar este debate, também contamos com a ilustre participação do cineasta, professor e pesquisador Clementino Junior. Fundador do Cineclube Atlântico Negro e doutorando em Educação pela Unirio, Clementino nos traz importantes reflexões.

“Na véspera do feriado local do padroeiro da cidade, penúltima capital do Brasil, o braço armado do estado ocupa três favelas da cidade maravilhosa, seguindo a narrativa de um novo projeto de polícia pacificadora que até o momento não foi apresentado à população. Sebastião, do grego sebastós, o ‘divino’, ‘venerável’, foi um soldado romano das forças pretorianas, que por ser brando com a punição aos cristãos foi visto como traidor e punido com o vigor, sendo amarrado e flechado. Este não foi o momento de sua morte, como acreditavam os seus executores que o atiraram a um rio, mas as lendas que povoam o imaginário em torno do padroeiro do Rio de Janeiro tem um pouco a ver com a triste realidade dos telejornais mostrando as favelas ocupadas pela PM em meio as pré-campanhas eleitorais, e o universo ilustrado metaforicamente pelo curta-metragem Tião, de Clementino Junior e argumento original de Jeferson Pedro, que traz um São Sebastião preto, acordando na rua aos pés de sua estátua na Praça do Russel na Glória. Pegando o trem, ramal Gramacho da Central ao Alemão, segue tentando entender onde está e o que mudou na cidade que é a cara dele mas não o vê com os mesmos olhos, não se espelha no corpo preto e não tem qualquer sentimento narcísico com este.

A flecha é o elemento chave que une no sincretismo Oxóssi e São Sebastião, mas o Orixá em sua versão antropomorfizada está como quem caça com uma flecha só em benefício da comunidade, é São Sebastião punido por se preocupar com o próximo. Dizem que ele também é tido como Santo contra as epidemias pois no século VII Roma padecia com uma grande epidemia e atos públicos pedindo a intervenção do santo a teriam extinguido.”

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São Sebastião é visto até hoje como o santo protetor contra as doenças, calamidades e guerras. O filme Tião foi produzido em 2015, mesmo ano em que a polícia carioca executou cinco jovens negros disparando cento e onze tiros contra o carro em que os meninos estavam, em Costa Barros. Já o lançamento do curta ocorreu em 2016, próximo da condenação dos 12 policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), da Rocinha, culpados pelo desaparecimento e morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza.

Exemplos como esse tornam o filme extremamente atual. Infelizmente ainda precisamos amplificar muito os debates sobre o direito à cidade, segurança pública, cultura, educação, saúde, etc. É imprescindível que a grande maioria de moradores dessa cidade que ocupam os subúrbios, favelas e baixadas tenham acesso a esses direitos.

Foto de uma procissão São Sebastião em 2018 no Rio de Janeiro

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