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Rafael Mattoso

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Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Vinte anos da lei 10.639: ‘não há outra solução senão esperar melhoras’

Ela institui o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira; 'Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda'

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Atualizado em 18 jan 2023, 15h37 - Publicado em 18 jan 2023, 10h57
Foto da Colheita de café, Vale do Paraíba, 1882.
 (Marc Ferrez 1882/Instituto Moreira Salles)
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Começamos a coluna de hoje compondo um título com frases de dois ilustres intelectuais nordestinos: André Rebouças e Paulo Freire. As citações, mesmo temporalmente distantes, ajudam a entender melhor como a luta pela inclusão e transformação da nossa sociedade passa obrigatoriamente pela melhoria da educação.
A chegada de um novo ano costuma trazer ares de esperança e renovação, algo que se torna ainda mais significativo com o início de um governo recém-eleito, após um pleito bastante turbulento.
Porém, desde os últimos dias de 2022, era possível perceber sinais de tensões políticas que certamente trariam sérios riscos à manutenção da nossa democracia. Infelizmente, assistimos incrédulos a episódios recentes de bloqueios ilegais em estradas, uma tentativa frustrada de atentado a bomba no aeroporto de Brasília, invasão e depredação à sede dos três poderes da República, na capital do país, e até mesmo a apreensão, pela Polícia Federal, de um documento que previa um golpe contra o resultado das eleições presidenciais, encontrado na casa do próprio ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.
Acontecimentos tão impactantes que acabaram por ofuscar a comemoração de datas muito importante na luta pela igualdade de direitos.
Para falar sobre a importância dessas datas, dias 9 e 13 de janeiro, em que celebramos, respectivamente, os 20 anos da Lei 10.639, que estabeleceu a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, e o aniversário de 185 anos do grande engenheiro abolicionista André Rebouças, convidamos o amigo e PhD em História Antonio Carlos Higino da Silva.

“A última semana foi marcada por duas datas que não deviam passar despercebidas no cenário nacional. A primeira delas transcorreu na segunda-feira, 9 de janeiro, dia em que a lei 10.639 completou duas décadas de sua promulgação. Portanto, a partir de 2003, estabeleceu-se a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira como parte do conteúdo das disciplinas da Educação Básica. Essa disposição foi ampliada cinco anos mais tarde, incluindo a cultura dos povos indígenas sob a mesma determinação e conferindo a essa legislação um novo número, 11.645.
No entanto, essa inciativa legislativa ainda possui grandes desafios à sua implementação integral. Fato que nos remete à segunda data memorável decorrida nessa semana. Na última sexta-feira, 13 de janeiro, rememoramos os 185 anos do nascimento do engenheiro afrodescendente André Pinto Rebouças. Mas, infelizmente, a contribuição desse brasileiro ao nosso país ainda não atingiu a divulgação preconizada pela Lei 10.639 a fim de que sua relevância extrapole os meios acadêmicos. Tal constatação pode ser evidenciada pelo descuido com o maior patrimônio material legado a nós por Rebouças e que se encontra praticamente esquecido na região do Valongo. O armazém nº 5 da Doca Dom Pedro II, que reescreveu a história da Pequena África a partir da segunda metade do século XIX, precisa ocupar lugar de destaque em meio ao circuito cultural do Porto Maravilha e dentro da própria história da cidade.”

Foto de Marc Ferrez de Embarcações nas Docas D. Pedro II, em 1885
Embarcações Docas D. Pedro II, 1885 (Marc Ferrez/Internet)

Tal como disse André Rebouças, pouco antes de sua morte em 1898, “Não há outra solução senão esperar melhoras com paciência e resignação.”
Muitas das reflexões levantadas pelo pesquisador Antonio Carlos apontam para a necessidade de avançarmos mais significativamente, principalmente nos campos políticos e sociais, em relação à luta antirracista. Na semana passada, também tivemos um importante passo nesse sentido, pois a equiparação entre o crime de racismo e injúria racial foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Também precisamos destacar que pela primeira vez em nosso país, o novo governo eleito institui o Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sônia Guajajara. Assim como, Anielle Franco comandará o Ministério da Igualdade Racial, acompanhada de perto por Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Margareth Menezes, ministra da Cultura.
Esperamos que o trabalho dessas autoridades possa impedir o apagamento de personalidades fundamentais para nossa História.
Desta forma, aproveitamos para perguntar mais sobre aspectos da vida de André Rebouças. Antonio Carlos Higino da Silva nos falou:
“Nascido em 13 de janeiro de 1838, na cidade de Cachoeira, no estado da Bahia, filho do Conselheiro Antônio Pereira Rebouças e de dona Carolina Pinto Rebouças, André recebeu o mesmo nome do avô materno e veio ao mundo com precárias condições de saúde, não se acreditava que ele passaria dos primeiros dias de vida. Contrariando as expectativas, recuperou-se da enfermidade e seguiu com sua família para o Rio de Janeiro, em 1846. Alguns anos mais tarde, entre 1854 e 1860, frequentou a Escola Central, predecessora da Escola Polytechnica, tornando-se engenheiro militar.
Após concluir sua formação, especializou em Obras Hidráulicas, realizando estudos em vários países da Europa entre os anos de 1861 e 1862. Ao retornar ao Brasil, foi incumbido de supervisionar as fortificações brasileiras de Santos até Santa Catarina. Em 1864, voluntariou-se para a guerra contra o Paraguai e permaneceu no combate até adoecer com varíola, foi obrigado a voltar, em 1866. Após se recuperar, tornou-se professor da Escola Politécnica, assumindo a cadeira de Resistência de Materiais.
Sua trajetória exitosa seguiu-se nos anos posteriores, quando, em 1869, protagonizou a regulamentação de uma nova legislação para o serviço portuário brasileiro. Dois anos depois, fundamentado nessa nova lei, iniciou na região do Valongo o projeto da mais robusta doca da capital monárquica, a Doca Dom Pedro II.
Mas, indubitavelmente, foi em sua vivência abolicionista que Rebouças atingiu o auge de suas paixões. Após o dia 13 de maio de 1888, sua luta contra os resquícios da escravidão continuou através de vários projetos de inclusão dos libertos. O vigor de seu idealismo ficou registrado em estudos e publicações, em que ele sugeriu que fossem criadas associações territoriais para divisão das fazendas hipotecadas, que abolissem os latifúndios e que aproveitassem as terras dos conventos.”

Fica claro que essa era uma das maiores preocupações de Rebouças, sintetizada pelo próprio na seguinte frase: “Quem possui a terra, possui o homem.”

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Pintura do rosto negro de André Rebouças
André Rebouças (Internet/Arquivo pessoal)

No ano de 2015, a prefeitura divulgou a lista de personalidades contidas no Livro de Heróis e Heroínas do Rio de Janeiro, durante as comemorações do aniversário de 450 anos da cidade. André Rebouças está entre eles. Foi exatamente para homenagear esse grande e pioneiro engenheiro negro do Brasil que o Túnel Rebouças, no sentido Rio Comprido/Lagoa, foi batizado em sua homenagem. No fluxo contrário, o homenageado é seu irmão Antônio Pereira Rebouças Filho, também engenheiro e também responsável por obras importantes.

Antonio Carlos, que acaba de lançar o livro “André Rebouças no divã de Frantz Fanon”, já prepara a publicação da sua tese de doutorado, defendida no curso de História Comparada da UFRJ, entitulada “Portos de Commercio. Tecnologia, Associacionismo e Redes de Sociabilidade: os desafios e as propostas modernizadoras de André Pinto Rebouças para o Brasil do Segundo Reinado (1850-1890)”, conclui sobre Rebouças:
“Esvaziado em suas convicções acerca do futuro do Brasil, auto-exilou-se, partindo com a família imperial para a Europa, onde viveu até a morte de D. Pedro II. Entre março de 1892 e julho de 1893, Rebouças morou em diferentes países africanos e, após esse período, partiu para a Ilha da Madeira, onde viveria seus últimos anos falecendo no dia 9 de maio de 1898.
A luz de trajetórias como essas, é necessário ampliar a divulgação da contribuição de homens e mulheres afrodescendentes e indígenas à cultura nacional, avançando por meio de uma perspectiva decolonial na formação de nossas crianças e jovens. Dessa maneira, a semente plantada em 2003 durante o ministério de Cristovam Buarque, ampliada em 2008 com Fernando Haddad e que começa a florescer em gestos de imenso vigor e valor simbólico, como a cerimônia de posse do terceiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, poderá nos contemplar com a primavera de uma sociedade mais justa e igualitária.”
Aproveitando o gancho do aniversário do padroeiro da nossa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, santo guerreiro sincretizado aqui na figura de Oxóssi, Orixá caçador que provê o sustento, para rogar por dias melhores.

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Foto dos historiadores Antonio Carlos Higino da Silva e Rafael Mattoso
(Divulgação/Arquivo pessoal)

O livro de Antonio Carlos Higino da Silva encontra-se disponível pelo link: https://www.editoraappris.com.br/produto/6289-andr-rebouas-no-div-de-frantz-fanon#:~:text=Trata%2Dse%20de%20um%20verdadeiro,benef%C3%ADcios%20dos%20avan%C3%A7os%20da%20ci%C3%AAncia.

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