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Rita Fernandes

Por Rita Fernandes, jornalista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca

Carnaval numa hora dessas?

Lei publicada pelo governador Claudio Castro pega blocos de surpresa, que mantêm decisão de só irem para rua quando houver segurança para a população

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Atualizado em 14 jan 2021, 16h22 - Publicado em 14 jan 2021, 15h59
Carnaval de rua só pode ser feito com a vacina e imunização da população.
Carnaval de rua só pode ser feito com a vacina e imunização da população. (Publius Vergilius - Sebastiana/Divulgação)
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O governador em exercício do Rio, Claudio Castro, publicou ontem no Diário Oficial uma lei que decreta a realização do carnaval fora de época anualmente no mês de julho, com o nome de CarnaRio. A notícia pegou todo mundo de surpresa e da forma como veio foi muita mal recebida pelos blocos de rua e associações, como a Sebastiana (Zona Sul, Santa Teresa e Centro), a Zé Pereira (Zona Sul e Centro), a Sambare (Liga de Blocos da Barra), a João Nogueira (Meier) e a Portuária (Região Portuária).

Existem algumas razões. A primeira e principal delas é a inadequação do momento para se decretar qualquer coisa em relação ao tema. A curva de contágio e mortes pela Covid-19 está alta, com possibilidades de aumento ainda na próxima semana, segundo as autoridades sanitárias e especialistas médicos. Não há nenhuma definição realista em termos de início de vacinação, com uma infinidade de dúvidas não apenas em relação às vacinas propriamente ditas, mas também em relação a um plano que atinja a população de forma a alcançar sua imunização. Diante de cenário tão grave, como falar em carnaval e decretar que a data deverá ser em tal ocasião?

Outra coisa que chama a atenção é a forma como a tal lei foi anunciada. Criada pelo deputado Dionisio Lins (PP), a lei 9.174/20 fala genericamente que o CarnaRio tem por finalidade “a estimulação do turismo, lazer e, principalmente, o aquecimento da economia com a criação de postos de empregos e venda de produtos e serviços”. Não houve qualquer diálogo com os agentes realizadores do carnaval para se checar a viabilidade e o interesse de fazer se carnaval no meio do ano. Com uma cidade com tantos problemas a serem resolvidos, de saúde a moradias, empregos e salários atrasados, não dá para imaginar de onde vai sair dinheiro para financiar a mega estrutura que o carnaval necessita. Operação de trânsito, mobilidade, limpeza urbana, saúde (imaginem gastar dinheiro numa altura dessas com postos de saúde para o carnaval!), além de vários outros. Sem contar a falta total de apoio aos blocos e toda a sua cadeia produtiva, que ficaram de fora inclusive no edital de fomento da Lei Aldir Blanc da secretaria de cultura do estado.

Carnaval é coisa séria e precisa ser pensado como tal. Não é decreto ou lei que vai fazer com que haja um carnaval fora de época, e tampouco siginica que ajudará qualquer cadeia produtiva. Essa é uma decisão complexa que só pode ser tomada diante de muita conversa, envolvendo agentes e representantes do processo, desde os organizadores dos blocos, das escolas de samba, a todas as esferas de prefeitura e estado. Não é simples.

Blocos de rua não apoiam decreto que define carnaval fora de época.
Blocos de rua não apoiam decreto que define carnaval fora de época. (Publius Vergilius/Divulgação)
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Outro fato a ser observado é a relação direta que se coloca entre o carnaval fora de época e a geração de mais turismo para a cidade, como se isso consequentemente significasse mais arrecadação de impostos e geração de postos de trabalho. Quem disse que isso acontecerá de fato? Por que, tradicionalmente, o Rio de Janeiro nunca respondeu de forma favorável a um carnaval fora de fevereiro. Já se tentaram micaretas e outras folias com nomes diferentes, nunca nada disso emplacou. Então, no mínimo, uma decisão como esta carece de estudo de viabilidade econômica e de resultados do investimento. Claro que todos torcemos pela recuperação financeira, econômica e social do Rio, mas não pode ser feito de forma leviana. É preciso que a cadeia do Turismo também venha para o diálogo com o carnaval, fato que nunca aconteceu até hoje, sendo a área de negócios que mais se beneficia com a festa! Falta na política pública do Rio a interseção de várias áreas, a democratização de decisões públicas, o compartilhamento de interesses e a generosidade de ajudar um ao outro.

E ainda temos que considerar que junho e julho são meses de festas juninas, tradicionais em todo o país. Fazem parte da cultura e do calendário das festas populares, então não tem sentido o carnaval trabalhar na competição de outro marco cultural, de forma antropofágica. É preciso respeitar os ciclos, e o ciclo junino deve ser soberano nessa época do ano.

Ao se decretar dessa forma o carnaval, parece que basta colocar a fantasia, pegar o tamborim, ocupar a rua e sair por aí. Não é assim. Volto a dizer: carnaval é coisa séria, muito séria para uma cidade como o Rio de Janeiro. E deve ser pensado com muita conversa, diálogos abertos, estudos que ajudem a identificar os riscos e com a envolvimento de quem de fato faz o carnaval. Com democracia e generosidade de todos.

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Mantemos a nossa decisão, independente da vontade de qualquer governante: carnaval de rua, no Rio, só com a vacina e com a imunização da população. Faremos transmissões, lives, conteúdos, oficinas virtuais, o que for preciso e seguro para manter alguma atividade e a importância da data. Qualquer outra coisa fora disso é irresponsabilidade total.

Rita Fernandes é jornalista, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.

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