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Rita Fernandes

Por Rita Fernandes, jornalista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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De Exu a Oxalá, as mitologias africanas nos Carnavais de Leandro Vieira

Em 2025, o carnavalesco vai jogar luz nos mitos de Seu Sete, o Rei das Quatro Coroas, na Umbanda, e na visita de Oxalá a Xangô na mitologia iorubá

Por Rita Fernandes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 Maio 2024, 13h52 - Publicado em 3 Maio 2024, 13h25
Carioca do subúrbio da Penha, o carnavalesco Leandro Vieira diz: "tô nessa ‘encruzilhada’ brasileiríssima e quero exuberância com festa".
Carioca do subúrbio da Penha, o carnavalesco Leandro Vieira diz: "tô nessa ‘encruzilhada’ brasileiríssima e quero exuberância com festa".  (Leonardo Queiroz/Divulgação)
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Fui tomada de surpresa quando li sobre o enredo para o carnaval de 2025 de uma escola pouco conhecida, a Unidos de Maricá: “O cavalo de Santíssimo e a coroa do Seu 7”. Já vinha admirada com “Ómi TúTu ao Olúfon – Água fresca para o senhor de Ifón”, que é o enredo da Imperatriz Leopoldinense para o próximo carnaval. O primeiro fala de Exu, a partir da entidade Seu 7, Rei da Lira, que se popularizou nas décadas de 1970 e 1980. O segundo vai contar a visita de Oxalá ao Reino de Xangô na mitologia iorubá. Por trás dos dois enredos, ambos ligados a religiões de matrizes africanas, o premiado, competente e criativo carnavalesco Leandro Vieira.

Um carioca do subúrbio que vive a rua e as encruzilhadas, como ele mesmo se define, Leandro é um dos mais importantes carnavalescos da nova geração. Com três títulos no Grupo Especial e dois no Grupo de Acesso – Mangueira (2016, 2029) e Imperatriz (2023), e Imperatriz (2020) e Império Serrano (2022), ambas retornando ao Grupo Especial por suas mãos – ele fez escola com Rosa Magalhães e Renato Lage, suas referências.

Leandro tem 40 anos, cresceu no bairro da Penha e estudou Belas Artes na UFRJ. Para o enredo da União de Maricá, escola em que trabalha pela primeira vez, ele escolheu exaltar uma rara entidade que fez história na umbanda carioca, Seu 7, Rei da Lira, e lança luz sobre a mãe de santo Cacilda de Assis e em sua mais famosa entidade, “um Exu festeiro que marcou época no Rio de Janeiro”, escreveu o carnavalesco.

Seu Sete se popularizou e virou atração em programas de tevê como o do Chacrinha e Flávio Cavalcanti, compôs álbum musical, fundou bloco carnavalesco e reuniu uma legião de seguidores no terreiro da médium que lhe servia de “cavalo”, localizado em Santíssimo, na Zona Oeste.

“Com o enredo ‘O cavalo de Santíssimo e a coroa do Seu sete’ mergulho com vocês e a União de Maricá numa curimba suburbana regada de boa música e marafo. Com a bênção da saudosa Mãe de Santo Cacilda de Assis e com a permissão de ‘Sete’ boto mais um enredo autoral na conta de meus carnavais!”, publicou em sua rede social.

Mãe Cacilda, que era filha de Xangô e Iansã, ficou muito famosa com sua entidade, Seu Sete, o Rei das Quatro Coroas (do carnaval, do jogo de búzios, da lira e da palha da cana) e seu terreiro no bairro de Santíssimo era frequentado por artistas, jogadores de futebol e outras personalidades. Havia ocasiões em que a gira, que começava na tarde sábado e ia até o domingo, reunia mais de 20 mil pessoas.

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“Pra 2025, tô nessa ‘encruzilhada’ brasileiríssima e quero exuberância com festa. ‘Seu Sete’ e Mãe Cacilda carregam o samba, a curimba carioca, o subúrbio e o carnaval, na história particular que junta (pra sempre) a entidade e seu ‘cavalo de santo'”, diz Leandro. E foi movida pela curiosidade do que leva um homem de fé, mas não necessariamente religioso, a mergulhar no universo dessas duas entidades aparentemente antagônicas – Exu e Oxalá –, que liguei para Leandro.

 

De Exu, na figura de Seu Sete, à visita de Oxalá a Xangô. Seus dois enredos para o carnaval de 2025 abordam entidades da Umbanda e do Candomblé. Foi coincidência ou teve algum motivo especial essas escolhas?

Acho que é uma escolha mesmo. Uma escolha que passa pela ideia de reafirmar a diversidade e as particularidades do que é, ao meu ver, erradamente tratado de forma genérica quando o assunto é a menção a aspectos religiosos das matrizes afro-brasileiras.

Você é uma pessoa de religião? Como você chegou a esses dois enredos?

Sou um homem de fé. Ponho fé nas coisas sagradas e considero sagrado tudo aquilo a que, de alguma forma, o homem atribuiu divindade.  Gosto das coisas que envolvem a fé e o sagrado. Mas não ponho fé nenhuma nas coisas em que o homem se envolve com a expectativa de ser uma liderança ou um intermediário do divino. A fé é divina e a religião é humana.

Qual o teu processo de construção de um enredo, Leandro? Um dia você acorda e tem a ideia ou você primeiro faz uma pesquisa?

Enredos são ideias, e minhas ideias resultam daquilo que me cerca. Sou um Carioca do subúrbio que vive a rua, a turma das esquinas, os bares e as encruzilhadas dessa cidade plural diariamente. Meus enredos nascem daquilo que bebo, vejo, como e escuto da boca das crianças, dos mais velhos e dos bêbados contadores de história. Gosto da ideia de olhar para os meus enredos como uma espécie de inventário de um país onde a capital é o subúrbio e as histórias da periferia que me alimentam.

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Recentemente você esteve na Bahia visitando alguns dos mais importantes terreiros de Candomblé. Foi em busca de referências? Como essas visitas vão te ajudar a contar a história de Oxalá e Xangó Ayrá?

O enredo que apresento na Imperatriz para 2025 se debruça num mito iorubá que é resguardado pela oralidade. Embora existam pesquisadores que se debruçaram sobre o registro disso formalmente, penso que, ouvir das bocas das ialorixás, das ekedes, dos babalorixás e ogãs aquilo que vou apresentar seja mais interessante e rico do material humano que alimenta a visualidade daquilo que oferto como visualidade para a contação de histórias brasileiras.

Como te chegou a história de Mãe Cacilda (filha de Xangô e Iansã) e Seu Sete, o rei das quatro coroas?

Como disse, sou um homem do subúrbio. Quando criança, lembro de fuscas, chevettes e opalas com o adesivo do “Seu 7” transitando pelas ruas do bairro que me viu criança. Com a maioridade, o interesse pelos encantados das religiões brasileiras e suas encruzilhadas de fé popular passaram a fazer parte do material literário sobre o qual gostei, e gosto, de me debruçar. Mãe Cacilda e Seu Sete da Lira são o Brasil em que eu acredito. Musical, extravagante, suburbano, farto, macumbeiro, do sincretismo que não quer realizar apagamento, do samba e do carnaval. Isso é o que vivo. É aquilo que como. É  por onde ando. Chegar em Mãe Cacilda e Seu Sete foi natural. Eles estavam no meu caminho. No meu prato. No meu copo.

Diametralmente opostos na natureza das entidades, que pontos de convergência você destacaria entre os dois enredos?

Exu e Oxalá são complementares. Na mitologia africana vivem se encontrando em acordos e desacordos. Como diz meu camarada Luiz Antônio Simas, a energia “exusíaca” e a energia “oxalufânica” podem ser apreciadas nas múltiplas facetas que o carnaval carioca revela. Na rua e na Avenida. Na festa mundana e no que é sagrado. Na regra e naquilo que é a brecha para romper com a regra.

Já morrendo de curiosidade, o que podemos esperar desses dois desfiles?

O retrato de um Brasil. Uma esquina que une o subúrbio do Rio e a África. O Rio e a Bahia. O acaçá de milho branco de Oxalá e a garrafa de Marafo de um Exu sete encruzilhadas.

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Rita Fernandes é jornalista, escritora, pesquisadora de cultura e carnaval.

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