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Rita Fernandes

Por Rita Fernandes, jornalista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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Hipódromo, memórias de um Rio que se foi

Vítima da crise gerada pela pandemia, ícone da vida noturna carioca fecha as portas e desperta lembranças da efervescência dos “baixos” nos anos 80

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Atualizado em 29 jul 2020, 14h04 - Publicado em 28 jul 2020, 18h45
Cazuza, no palco, com o microfone na mão e uma faixa na cabela, suado
Cazuza: figura mais emblemática do Baixo Leblon nos anos 80 segue sendo homenageado 31 anos após sua morte (Reprodução/Internet)
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As notícias recentes do fechamento de restaurantes que se tornaram ícones do Rio de Janeiro, como o Hipódromo, na Gávea, trazem mais luto para os corações cariocas acostumados à boemia, nos quais me incluo. São símbolos de uma cidade cuja noite fervia e que ditava modismos, redutos de memórias afetivas de toda uma geração. A Pizzaria Guanabara, fundada em 1964, e o Hipódromo, em 1945, tornaram-se, nos anos 1980, o nosso lugar.

Sou dessa geração, em que o Baixo Leblon e o Baixo Gávea começaram a fazer parte da mitologia carioca. Era ali que todo mundo se encontrava e que tudo acontecia. Por aquele quadrilátero da Ataulfo de Paiva esquina com Aristides Espíndola, que reunia a Pizzaria Guanabara, o Real Astória (hoje um prédio comercial) e o Diagonal, passaram artistas, jornalistas, poetas, intelectuais, cineastas, enfim, todas as tribos da cultura carioca. Era o point do Rio.

A pizzaria que vira a noite funcionando foi acusada de racismo após incidente ocorrido na manhã de sábado
Pizzaria Guanabara, no Baixo Leblon: onde todo mundo se encontrava nos anos 1980 (Reprodução/Internet)

Os “baixos” podiam ser o começo ou o fim de uma aventura. Dali, a gente podia sair para uma festa não planejada, convite que surgia no boca a boca. Às vezes, o contrário, era o retorno da farra da madrugada que insistia em não terminar. Ou simplesmente ficar por ali mesmo, em intermináveis conversas e muita, muita paquera. Aqueles eram os melhores lugares do Rio de Janeiro para conversar e paquerar.

Tinha Caetano, Djavan, Marina Lima, Lobão, Ritchie, Pepeu e Baby, Herbert Viana e os Paralamas, Barão Vermelho. Outros, chegados de terras nordestinas, se encontravam ali onde todo mundo se via, onde se criavam redes de contatos e novos afetos. Alceu Valença, Elba Ramalho, Lenine, Robertinho do Recife, Fagner.
Tinha também a turma do teatro, com Evandro Mesquita, Regina Casé, Perfeito Fortuna e toda a galera do Asdrúbal Trouxe o Trombone, que fazia enorme sucesso com a temporada de Trate-me Leão, no Teatro Ipanema. E muita, muita poesia, com a rapaziada “marginal”, Chacal, Bernardo Vilhena, Tavinho Paes. Quanta efervescência, quanta vida, quanta loucura!

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Mas talvez a figura mais emblemática do Baixo Leblon daqueles anos 1980 tenha sido Cazuza, representante daquela cena do rock nacional que explodia em um sem número de bandas. Quase todos os roqueiros que ainda ouvimos hoje passaram pelo Baixo Leblon. E Cazuza era o comandante dos bondes para as festas mais incríveis que a cidade produzia, com Bebel Gilberto e seus mais chegados sempre ao lado. Não por acaso, o artista ganhou estátua, da artista Christina Motta, e praça com seu nome no bairro.

Cazuza: 65 anos do cantor terá cover oficial no Leblon
Cazuza ganhou estátua no bairro e virou nome de praça (Reprodução/Internet)

Uma cena do filme Dedé Mamata, de Dodô Brandão, em que Guilherme Fontes, personagem principal, e Marcos Palmeira passeiam pela noite, mostra como era o Baixo Leblon. Jovens reunidos na rua, encostados nos carros, bebidas na mão, um entra e sai dos bares e uma cidade acordada, pulsando em arte, música e loucura, com os primeiros movimentos da tão sonhada abertura política.

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Da Pizzaria Guanabara, a lembrança de Seu Mário, o garçom amigo de todos, que por detrás daquele balcão entregava as fatias de pizza, atento ao movimento e à loucura da noite. No Hipódromo, era o Lacerda, garçom que trabalhou por 34 anos no local.

Como aconteceu com o Hipódromo, até o momento temos notícias de pelo menos mais 13 estabelecimentos tradicionais que fecharam suas portas, como Fellini, Aconchego Carioca, Mosteiro e Navegador. São perdas enormes do ponto de vista econômico para a cidade, estabelecimentos que firmaram suas marcas na qualidade da comida, nos petiscos e no atendimento. Só isso já seria o suficiente para nos lamentarmos.

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Mas há perdas imensas no campo simbólico, das narrativas da cidade, das suas memórias. Uma cidade que, diante do atual abandono pela gestão pública, do conservadorismo que insiste em tentar regular comportamentos, e agora diante de uma pandemia, perde a cada dia o seu charme, o seu brilho.

Escrevo sobre esses lugares e sobre uma época incrível que tivemos no Rio, com o frisson cultural daqueles anos 1980. Mas talvez, ao fazer isso com tanta nostalgia, eu esteja com saudades dos meus 20 anos, quando o futuro me instigava à frente e com ele a certeza da felicidade.

Ainda há tempo de salvarmos nossos “baixos”, com seus Hipódromos, Braseiros, Jobís e tudo mais. Quanto à nossa juventude, é seguir em frente e torcer para que nossos filhos possam ter experiências tão incríveis quanto as nossas. Que a vida dê a eles o privilégio de memórias tão especiais. Axé!

Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.

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