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O crime do colarinho branco

Pesquisa revela que 97% dos bares não servem a quantidade de chope anunciada no cardápio

Por Rachel Sterman
Atualizado em 2 jun 2017, 13h10 - Publicado em 2 abr 2014, 22h21
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istockphoto (Redação Veja rio/)
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Sair para tomar um chope talvez seja um dos programas mais típicos que existem por aqui. Faça chuva ou faça sol, na companhia de algum bom petisco ou de uma feijoada completa, não importa. A bebida é reconhecidamente a preferida de 54% dos cariocas, segundo um levantamento do Ibope Inteligência. Ela também é alvo de uma polêmica que paira sobre as mesas dos bares da cidade e levanta discussões calorosas: o volume servido no copo é o mesmo indicado no cardápio? Com base nessa dúvida, a Proteste, uma associação que defende os direitos do consumidor, visitou trinta estabelecimentos do Rio e mediu o líquido restante depois que a espuma desaparecia. Assustador, o resultado comprova o que muita gente já desconfiava. Em 97% dos estabelecimentos, passando por endereços tradicionais como Amarelinho, Bar Brasil e Nova Capela até redes de pé-limpo, o consumidor paga por certa quantidade e recebe outra, sempre inferior, que pode chegar a uma diferença de até 33% a menos. Apenas um dos pontos visitados, o botequim Reza Forte, no Méier, cujas canecas trazem uma marcação para determinar onde o chope deve terminar e o colarinho começar, passou impune pelo teste. “Esperamos a espuma se dissipar, porque ela representa um porcentual ínfimo da bebida, e fizemos a medição com a ajuda de provetas calibradas de acordo com o que estava sendo anunciado nos cardápios”, justifica a analista Michele Marques, responsável por conduzir a pesquisa.

Realizado no mês de janeiro, o estudo avaliou o volume servido em diferentes tipos de copo, do garotinho (200 mililitros) ao canecão (500 mililitros), dependendo do que estava à venda em cada bar. No caso das tulipas, que são as mais comuns e podem variar de 280 a 330 mililitros, o Jobi, no Leblon, e o Belmonte, no Jardim Botânico, foram os botequins na Zona Sul que apresentaram as maiores divergências entre o prometido e o que, de fato, era entregue aos consumidores. No primeiro, dos 300 mililitros anunciados chegaram à mesa 220 mililitros, o equivalente a 73% do copo cheio de chope. O restante que veio, 27%, era só espuma. Já no segundo endereço, o saldo final foi ainda menor: a quantidade servida (200 mililitros) representava apenas 67% do que foi cobrado. Isso significa que, nesse último caso, a cada três chopes pagos, o cliente está consumindo apenas dois. A pesquisa verificou ainda a capacidade volumétrica das taças para conferir se elas comportavam o líquido estipulado pelos próprios estabelecimentos em seu cardápio. Na Pizzaria Guanabara, tradicional refúgio de fim de noite da boemia carioca, a caldeireta, vendida com 400 mililitros, mesmo cheia até a borda, não tinha capacidade para mais de 375.

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Parte essencial do chope, responsável por ajudar a preservar características importantes da bebida como o sabor e a temperatura, o colarinho está no centro da polêmica. As casas se defendem dizendo que a diferença no volume servido está diretamente ligada à quantidade de espuma. “Se o cliente pedir sem o creme, nós servimos sem problema”, diz Narciso Rocha, um dos sócios do Jobi. Caso o consumidor não esboce nenhuma preferência, os estabelecimentos seguem um padrão predeterminado. A média é de dois dedos, mas no caso da rede de pés-limpos Belmonte, que ficou no topo do ranking da pesquisa, chega-se a até três. Algo fundamental para a apreciação da bebida, pelo menos na opinião do proprietário Antônio Rodrigues. “Um bom bebedor sempre vai querer a espuma. Só quem não sabe apreciar é que pede sem”, dispara. A maneira de servir o creme, no entanto, pode variar. A forma mais usual é ti­­rá-lo junto com o chope, modo adotado por endereços como o Garota de Ipanema. A outra, em prática no Botequim Informal, é ter uma torneira apenas para o colarinho, que assim sai mais denso e cremoso ? e também se dissipa mais vagarosamente.

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Selmy Yassuda (esq.), Lisa Romerein/corbis (dir.)
Selmy Yassuda (esq.), Lisa Romerein/corbis (dir.) ()

Em países europeus de tradição cervejeira, como é o caso da Alemanha, Bélgica e Inglaterra, a solução adotada para servir a quantidade de bebida prometida no cardápio é bastante simples: os copos trazem uma marcação desenhada no topo da taça, designando até onde o líquido deve ir. A partir desse ponto, o restante pode ser completado com a dose desejada de colarinho. No Reino Unido, onde isso já é lei há décadas, os pints (medida de recipiente equivalente a 568 mililitros) ainda são submetidos a uma certificação do governo e recebem uma gravação da Coroa ? a marca é uma espécie de selo de qualidade oficial, utilizado para comprovar que os copos têm, de fato, a capacidade marcada ali. Nos moldes do que já acontece lá fora, a pesquisa da Proteste aponta essa como a melhor solução para acabar com o problema por aqui. “Sugerimos que a marca seja feita longe da borda, para que a espuma continue sendo uma opção, ao gosto do freguês”, conclui Michele. Enquanto isso não acontece, o Código de Defesa do Consumidor garante: ao obter uma medida inferior à informada, o cliente pode ? e deve ? exigir o volume pelo qual está pagando.

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