O chá bate recorde de vendas, vira tema de cursos e invade os drinques
A bebida milenar vem conquistando a xícara do carioca e também está em alta nas taças, em criações para lá de inventivas
Conta a história que o tradicional chá das 5 foi invenção de Anna Maria Russell, uma aristocrata inglesa, dama de companhia da rainha Vitória. Até aquela altura, era costume entre os nobres do século XIX fazer apenas duas refeições por dia. Pois Anna Maria rompeu com a rotina no longevo reinado vitoriano e começou a servir no meio da tarde bolos e sanduíches junto a um bule com infusão de plantas em água quente.
A moda pegou e ficou – e não foi só no Reino Unido. O chá aportou com sucesso nestas bandas de cá do planeta e, consumido mesmo sob um calor escaldante, vem sendo empregado neste século XXI até na alta coquetelaria. Com a pandemia, ganhou mais lugar ainda à mesa, graças a suas propriedades imunizantes. “Vê-se o surgimento de várias marcas no mercado nacional e cada vez mais procura por cursos profissionalizantes. Agora, o chá também virou assunto dentro dos consultórios”, ressalta Raquel Magalhães, sommelière (isso mesmo) de chás.
O mercado já vinha avançando antes do vírus. De acordo com um estudo da consultoria Euromonitor, o consumo brasileiro subiu 25% entre 2013 e 2018 – quase o dobro da média mundial. No ano passado, o segmento movimentou 2,2 bilhões de reais no Brasil e, embora não se tenha ainda números consolidados, há sinais de que os chás seguem em ascensão. O impulso da pandemia é claro na rede Tea Shop, que acaba de lançar o kit “imunitea”, com um trio de ervas que promete trabalhar em prol da imunidade.
“Além dos benefícios comprovados que traz à saúde, muito mais pessoas estão descobrindo no chá uma fonte de prazer”, avalia Michel Bitencourt, responsável pela operação latino-americana da marca espanhola. No Rio, as cinco lojas da rede bateram o recorde de 3,8 toneladas vendidas em 2019, tendo como carro-chefe a infusão valeriana garden, um mix de flores e frutas com poder calmante e relaxante. Atualmente, estão em alta na xícara do carioca também gengibre, limão, cúrcuma e camu-camu, pela alta concentração de antioxidantes associados ao fortalecimento do sistema imunológico.
Pequenas marcas e produtores também estão se expandindo e atraindo os apreciadores da bebida. Criada no Rio, a Gan Tea oferece mais de vinte variedades, à venda em feiras, eventos e lojas de produtos naturais. A Chá Azul, do interior do estado, investe suas experimentações na flor de clitoria ternatea (cujo nome científico faz alusão a seu formato, que lembra o órgão sexual feminino).
Um post da apresentadora Bela Gil ajudou a colocar a espécie no mapa. Outros que desfrutam hoje de boa posição é o matcha (broto do chá verde em pó ou moído) e a cúrcuma (raiz da família do gengibre), além do kombucha – o fermentado feito a partir do chá preto adoçado ganhou, inclusive, como garoto-propaganda o cantor Caetano Veloso, que toma o líquido religiosamente depois do almoço e do jantar. “Hoje, a demanda de pacientes por chás e infusões para utilizar nas práticas mais saudáveis no dia a dia cresceu muito”, confirma a nutricionista Luna Azevedo, que atende famosos como Fabiula Nascimento e Fábio Porchat.
Como aconteceu com a gastronomia, a curiosidade sobre chás vem crescendo exponencialmente e já há um grupo razoável de entendedores na cidade. Eles esclarecem que chá mesmo é aquele que vem de uma planta chamada camellia sinensis. Trata-se de um arbusto descoberto na China muitos anos antes de Cristo, que dá origem aos chás preto, verde, branco, escuro, amarelo, roxo e oolong. Todos eles são feitos dessa mesma planta — o que muda é a forma como se dá o processo de oxidação e secagem.
“O restante das plantas utilizadas no preparo da bebida deve ser chamado de infusão”, explica a sommelière Raquel Magalhães. Desde que abandonou a carreira no mercado financeiro para abraçar de vez os trabalhos em torno do chá, a petropolitana já ministrou diversos cursos, com mais de dez temas sobre o assunto, e neste momento prepara outro, em parceria com a nutricionista Luna, voltado para a área médica. “Enfatizo que é uma bebida que merece ser degustada e pode ser explorada em diversas áreas, graças a seus benefícios e sua versatilidade”, diz Raquel.
Polivalente, o chá está presente no menu de restaurantes estrelados, sobretudo como ingrediente para sobremesas, e em drinques preparados pelos magos da coquetelaria. Premiado bartender italiano, Nicola Bara trouxe de Londres o traquejo com o insumo e hoje o acrescenta em cinco criações em cartaz no Micro Bar, no Leblon.
Em uma delas, o chá verde ganha a companhia de cachaça infusionada em jambu, mel e limão siciliano, finalizado com flores de jasmim, calêndula e hibisco desidratadas. “O perfil aromático que o chá agrega aos drinques abre muitas possibilidades para a experimentação”, explica o barman. Como se vê, o pendor do carioca para a bebida que se transformou em ritual na era vitoriana vai muito além do mate da praia.
Mil e uma utilidades
Ervas recomendadas para diferentes necessidades, segundo a especialista Raquel Magalhães
Digestão
Funcionam bem chás verde e escuro, camomila, cardamomo, erva-doce, capim-limão e hortelã
Energia
Como contêm cafeína, o matcha, o chá verde e o chá preto com especiarias quentes como cravo, canela e gengibre são boas sugestões
Imunidade
O tulsi, conhecido como manjericão santo no ayurveda, é ótima escolha, além de gengibre, limão, cúrcuma e camu-camu
Insônia
As melhores opções são as infusões, pois não contêm cafeína, entre elas camomila, lavanda, valeriana, passiflora e capim-limão
Relaxamento
Infusões de camomila, lavanda, capim-limão e rosas ajudam a acalmar e tranquilizar