Entre quatro paredes: cresce a procura pelo vinho em salas de degustação
Bares, restaurantes e lojas investem em eventos privados como encontros com produtores e jantares harmonizados

Bem que avisou o microbiólogo escocês Alexander Fleming (1881-1955), que salvou inúmeras vidas ao descobrir o primeiro antibiótico, em 1928: “A penicilina cura, mas o vinho faz as pessoas felizes”. E as melhores garrafas, reza a sabedoria enófila, são aquelas consumidas em boa companhia. Uma prova disso é a multiplicação das salas e espaços reservados em bares e restaurantes dedicados a encontros nos quais a bebida é a protagonista. O aprendizado sobre um assunto vasto, cercado de detalhes, traz autonomia para a escolha nas prateleiras e ainda impulsiona a vida social. “As amizades proporcionadas são diferentes e ricas. É um mundo de descobertas, envolvendo todos os sentidos”, opina Ana Maria Magalhães, 69 anos, funcionária pública aposentada que bate ponto em eventos deste tipo toda semana. “Não tem ninguém sozinho, são sempre grupos, amigos ou casais”, concorda Ettore Amêndola, 54 anos, dono do Sabrage, animado bar em Copacabana que promove encontros quinzenais.
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A pandemia — sempre ela — fez o interesse pelos vinhos saltar no país. Entre 2019 e 2022, o crescimento do consumo foi de 50%. Agora, o barato parece estar não mais na busca de uma uva ou estilo específico, mas na exploração do que há de novo. De preferência ao lado de quem fabricou a bebida. “É praticamente uma aula quando há a presença de um representante da vinícola”, diz a produtora de eventos Adriana Costa, 49 anos, que frequenta os jantares com amigas. O advogado aposentado Luis Spalding, 69, já participou de mais de dez reuniões na Vinho S’il Vous Plaît, loja em Ipanema dedicada aos brasileiros de pequenos produtores. “Cada encontro traz novas conversas e histórias, mas o importante é que ficamos por dentro das novidades”, afirma. Os encontros didáticos e divertidos oferecem um novo caminho de faturamento para os empreendedores. Na Mercearia da Praça, também em Ipanema, as vagas para degustações com rótulos portugueses se esgotam em 48 horas. “Vendemos de vinte a trinta garrafas ao final de cada jantar. Todos querem levar para casa o que ex perimentaram”, comemora o sócio Fábio Bastos.
A arte de celebrar entre taças é milenar, vide a passagem bíblica em que Jesus Cristo transforma a água em vinho ou os simpósios da Grécia Antiga, regados ao líquido dionisíaco. Quem se aventura em uma dessas salas fechadas nota que o público é formado, em maioria, por mulheres acima dos 50 anos, mas os organizadores garantem que o público vem rejuvenescendo. Atrair quem bebe em cadeiras de praia é um desafio comprado pelos adeptos dos chamados naturais. “Vamos conseguir trazê-los porque são curiosos e interessados. As salas estão mais abertas a falar, por exemplo, dos orgânicos e dos laranjas”, atesta a sommelière Maíra Freire, sócia do Libô, com charmosa cave subterrânea no casarão do século XIX, em Botafogo. Há 18 anos vivendo entre garrafas, a sommelière Elaine de Oliveira diz que os restaurantes já entenderam que se trata de um filão, tanto que criou uma confraria na Casa Horto. “Podemos viajar pelo mundo sem sair do lugar”, opina. Para todos os envolvidos, vale a máxima bem-humorada que subverte uma frase famosa: “Com o passar dos vinhos, os anos ficam melhores.”