Carioca na Tailândia: ‘Tudo mudou muito rápido, prateleiras estão vazias’

Julia Martins é professora e está em quarentena por conta da covid-19: 'No aeroporto, sentia olhares me condenando por não usar máscara'

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 20 mar 2020, 12h05 - Publicado em 20 mar 2020, 11h56
Júlia Martins: carioca vive na Tailândia e fala sobre os desafios da quarentena na Ásia (Julia Martins/Arquivo pessoal)
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“O Covid-19 chegou à Tailândia próximo à época em que surgiu na China. Em janeiro, eu e meus amigos fizemos uma viagem de fim de semana para Kanchanaburi, uma cidade perto de Bangkok, onde, durante a conexão, já começamos a sentir que alguma coisa estava diferente. Na Ásia, as pessoas têm o costume de usar máscaras de proteção, mas as poucas horas que passamos em Bangkok foram assustadoras. Não eram alguns: todos usavam máscara! Nós, ocidentais, sem elas, nos sentimos praticamente condenados pelos olhares dos demais. Passamos o sábado e o domingo tranquilos e, quando voltamos para Bangkok, o que parecia impossível se tornou realidade: eram ainda mais pessoas usando máscaras! No aeroporto, acabamos cedendo e vestimos máscaras também. Os embarques e desembarques passaram a contar com uma espécie de máquina fotográfica para medir a temperatura das pessoas, além de funcionários borrifando álcool gel nas mãos das pessoas, inclusive nas nossas.

Eu e meu marido moramos em Ubon Ratchathani, uma província pequena na região Nordeste da Tailândia. Por aqui, as coisas estavam relativamente tranquilas. Somos professores em um colégio internacional, e vários pais de alunos viajam com frequência para China, Japão e Coreia por conta de trabalho. Esses três países já registravam milhares de casos, e saber que tinha gente indo e vindo de lá trouxe um alerta para a escola, que resolveu mudar o procedimento de saída e entrada: mães e pais não entrariam mais! Além disso, caso a criança tivesse viajado para um país de risco, teria de fazer quarentena antes de voltar para a escola. O colégio ao lado chegou a ter duas crianças com suspeita depois de voltarem do Japão e fechou as portas.

Escola na Tailândia
Pais não entram: antes de decretar quarentena, escola na Tailândia proibiu entrada de pais e mães (Julia Martins/Arquivo pessoal)

Por aqui, tudo seguia funcionando, mas com álcool gel e portões fechados. Mas, nesta semana, um caso de covid-19 foi registrado em Ubon. No dia seguinte, as portas da instituição se fecharam para as crianças. No mesmo dia, os casos confirmados na Tailândia pularam para cinquenta e, em 3 dias, passamos de 240. O que parecia sob controle, mudou os rumos rapidamente. Na última quarta (18), o ministro da educação assinou um decreto ordenando que todas as escolas entrassem em quarentena e permanecessem fechadas sem previsão de retorno.

Eu sou professora de Educação Infantil, o que torna complicada a prática de aulas on-line para crianças de 2/3 anos, mas temos compartilhado com os pais dicas de atividades que eles podem fazer com os filhos. As crianças do Ensino Fundamental estão recebendo vídeos e conteúdos digitalmente, e algumas escolas têm feito vídeo conferência com seus alunos. A Tailândia vive de turismo, logo não ter turistas no país é um grande desafio. Por isso, não fecharam as fronteiras externas definitivamente. Na tentativa de controlar a situação, voos provenientes de países de risco estão sendo cancelados e algumas províncias tiveram suas divisas fechadas. No meu caso, tenho visto e documento de trabalho daqui, então estou proibida, por lei, de sair da minha província por 15 dias.

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Julia Martins Tailândia
Professora em home office: a carioca Júlia Martins dá aulas para crianças na Tailândia, mas está em ‘home office’ (Julia Martins/Arquivo pessoal)

Os tailandeses têm uma vida muito semelhante à dos cariocas: gostam muito de circular pelas ruas. Então essa quarentena é bem difícil para eles. Apesar disso, o Governo percebeu que agora
é a hora de tomar medidas mais severas para sanar esse problema o quanto antes. Saímos no dia anterior ao decreto para comprar alguns mantimentos e fomos a um mercado menos popular, porque os outros já estavam com produtos em falta. No dia seguinte, alguns amigos foram ao mercado e só encontraram prateleiras vazias. Ficamos muito impressionados porque os tailandeses nem costumam cozinhar! Foi aí que percebemos que estão levando a situação mais a sério.

Nossa vizinhança já é bem tranquila, mas agora está ainda mais! Vários restaurantes e lojas estão fechadas, porém as barraquinhas de rua, marca registrada da Tailândia, seguem funcionando mesmo com um número de fregueses menor do que o habitual. Eu, que fiz pedagogia e me especializei em educação infantil, nunca achei que trabalharia pelo computador, mas cá estou, no silêncio da casa fazendo “home office”. Os brasileiros turistas que estão por aqui ainda estão conseguindo voltar para o Brasil, mas não sei como serão os próximos dias. Tudo tem se transformado muito rápido. Só espero que a mudança boa chegue logo. Enquanto isso, fiquemos todos em casa!”

* Júlia Martins é pedagoga e professora de Educação Infantil em Ubon Ratchathani, na Tailândia. Em depoimento a Marcela Capobianco.

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