Miniatura de miss
A vaidade é dos pais, mas o sacrifício é delas, que não medem esforços para brilhar em concurso mirim de beleza
Vinte concorrentes impecavelmente vestidas com traje de gala, todas elas com penteado e maquiagem irretocáveis. Algumas ainda completam o visual com unhas e cílios postiços e salto alto. Antes do desfile que vai apontar a grande vencedora da noite, o clima é de muita apreensão e ansiedade. A cena, que ocorreu no último sábado (17) no salão nobre do Consulado Italiano, no Centro, pode descrever um concurso de beleza qualquer, salvo por uma peculiaridade que faz toda a diferença: a candidata caçula tinha apenas 4 anos e a mais velha, 11. Entre apresentações de covers de Beyoncé, Rihanna e Anitta (artistas que de inocente não têm nada), as meninas encaram a passarela com trajes casuais, de banho e de luxo, diante da bancada de jurados, formada basicamente por atores e modelos desconhecidos. Ao final da maratona de troca de roupas, sorrisos automáticos e números musicais repetitivos, a representante de Alagoas, Livia Monteiro, de 8 anos, é anunciada como a vencedora do Mini Miss Brasil 2014, recebendo a faixa e a coroa aos prantos. “Estou muito feliz, acho que vai ser bom para a minha carreira”, diz ela, em agradecimento, com retórica de gente grande.
É inevitável a comparação com o comovente Pequena Miss Sunshine, filme americano lançado em 2006. Na trama, uma família desajustada se junta numa viagem de três dias dentro de uma Kombi para que a caçula, Olive, participe de um concurso do gênero na Califórnia. Na versão nacional do evento, as pequenas também viveram uma saga. Assim que chegaram ao Rio, na quinta-feira anterior (15), começaram a cumprir uma pesada agenda de compromissos. Enfileiraram ensaios para a festa, sessões de fotos e presença em coquetel. A programação oficial incluiu também um passeio pela orla, onde posaram em frente ao Copacabana Palace de biquíni rosa e canga do Brasil entrelaçada ao corpo. Foram ainda sabatinadas por um grupo de pessoas da organização, para que se avaliassem a simpatia e o poder de comunicação de cada uma delas. Certas perguntas eram incoerentes para a idade da entrevistada. Quando quiseram saber, por exemplo, qual o seu livro preferido, a representante de Mato Grosso, Isabella Vaz, de 4 anos, emudeceu (até porque, nessa fase da vida, ninguém ainda leu O Pequeno Príncipe). Mas qualquer esforço era válido para não frustrar as expectativas. Numa rotina de sacrifícios em nome da estética que qualquer quarentona botocada conhece bem, houve quem abusasse dos recursos na preparação. Num caso extremo, Isadora Felisbino, de 7 anos, candidata de Goiás, fez hidratação, aparou as sobrancelhas e até depilou o buço (veja o quadro ao lado).
Decerto, a vaidade não vem da mentalidade das pequenas, mas, sim, passa pelo capricho dos pais, que desembolsam 3?000 reais de taxa de inscrição para que elas entrem no concurso. “Decidi inscrever minha filha porque sempre gostei desse universo”, confessa Adrieli Rosa, mãe da miss São Paulo, Isabella, de 5 anos. “É ironia dizer que uma criança dessa idade tem o sonho de ser modelo, porque ela nem sabe o que é isso.” Além do orgulho de ver sua miúda brilhar precocemente, os pais enxergam na prova uma possibilidade de alavancar a carreira de modelo mirim das meninas, que, em sua maioria, já têm no currículo participação em desfiles de moda e campanhas publicitárias nas cidades em que moram.
Apesar do aparente glamour que envolve a competição, muitos pais saíram decepcionados com a organização do evento. Uma das principais queixas foi com relação à hospedagem. Todos os participantes foram alocados num albergue em Santa Teresa, onde dividiram quartos e banheiros coletivos e dormiram em beliches. “Ficamos muito mal instalados”, reclama a advogada Carina Ardito, mãe de Eduarda, a representante do Rio Grande do Sul. “Mas valeu como experiência, para ela ter contato com outra realidade. Quando a gente vem ao Rio, fica sempre no Copacabana Palace.” Outra frustração foi o cancelamento de um prometido passeio de limusine. Pelo visto, descumprir acordo parece não ser um problema específico desta edição. A família de Vitória Brun, menina que ganhou o mesmo título em 2012, está processando a organização do concurso, idealizado pelo produtor Bruno Jobb, por se dizer enganada. “Até hoje minha filha não recebeu a premiação, que incluía book fotográfico, viagem e curso de idioma”, diz a mãe da menina, Sindi Brun. Se prometeu para a criança, pode estar certo de que ela não vai esquecer jamais.
Vestido de princesa
Representante do Rio Grande do Sul, Eduarda Ardito, a mais velha das concorrentes, do alto de seus 11 anos, mostra o traje de gala que sua mãe alugou para o desfile na noite de sábado (17), realizado no Consulado Italiano. No total, a família teve de desembolsar 5?000 reais, entre passagens de avião e taxa de inscrição do concurso
Tratamento de gente grande
Candidata pelo Estado de Goiás, Isadora Felisbino, de 7 anos, passou por uma série de procedimentos estéticos, que incluíram esmalte nas unhas, hidratação no cabelo e depilação de sobrancelhas e buço. “Foi rapidinho. Quando ela pensou em chorar, já tinha acabado tudo”, conta a mãe, Vanilda, sua grande incentivadora na competição infantil