Os chatos do Instagram

Eles não se tocam e entopem o celular alheio com uma profusão de imagens banais, egocêntricas, monotemáticas e com frases pseudofilosóficas

Por Louise Peres
Atualizado em 2 jun 2017, 13h20 - Publicado em 24 out 2013, 19h35
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comportamento-1400.jpg (Veja Rio/)
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Na última terça-feira, dia 15, a modelo e ex-rainha de bateria da Mangueira Gracyanne Barbosa publicou doze fotos e filmetes em seu perfil no Instagram, aplicativo de compartilhamento de imagens pelo celular. Em dez, a mulher do pagodeiro Belo aparece na academia malhando os glúteos, as pernas, a musculatura do abdômen e os braços ? as outras duas exibem Gracyanne doando brinquedos em um orfanato e uma refeição composta de uma fritada com cinco claras, um ovo inteiro e 70 gramas de aipim. Na mesma rede social, o ator Caio Castro, o médico Michel da novela Amor à Vida, aparece em nove de cada dez fotos de seu perfil fazendo caretas e exibindo os peitorais. O maquiador Fernando Torquatto vai por um caminho diferente e mistura muitos registros dele próprio com frases motivacionais em inglês e português. Além do evidente egocentrismo e do exibicionismo desavergonhado, os três personagens citados têm outro traço em comum. Eles se enquadram na categoria que os usuários da rede batizaram de instachatos, grupo que aposta em imagens monotemáticas, narcisistas, exageradas ou pseudofilosóficas em busca de visibilidade ou aprovação. “O usuário de redes sociais basicamente quer o reconhecimento dentro do meio digital, e as fotos do Instagram exacerbam esse impulso”, explica o americano Allen Gannett, da consultoria TrackMaven, especializada em análises de perfis no aplicativo. “As pessoas postam imagens já pensando nas reações que elas vão provocar. E muitas erram a mão.”

Lançado há apenas três anos, o Instagram é um dos aplicativos mais bem-sucedidos do universo virtual. Com 150 milhões de usuários, a rede tem cerca de 16 bilhões de imagens em seus servidores e ganha 270?000 participantes a cada dia. Com vocação natural para tudo o que é social e compartilhado on-line, o Brasil está entre os países onde o dispositivo se expande com vigor, ao lado da Rússia e da Sué­cia, e o Rio ocupa lugar de destaque no volume de imagens postadas, seja pelos turistas, seja pelos moradores que não se cansam de registrar as paisagens espetaculares, a natureza exuberante e os corpos femininos em permanente exibição nas praias. Só para efeito de comparação, uma busca pelas palavras-chave #rio, #riodejaneiro e #rj aponta 4,4 milhões de referências, enquanto as relativas a São Paulo, catalogadas com as denominações #saopaulo e #sp, ficam em 3,4 milhões. “O Rio é uma cidade de forte apelo visual, e o Instagram é a rede perfeita para explorar esse potencial estético”, avalia Bia Granja, criadora do site youPIX e pesquisadora do comportamento dos jovens no ambiente digital. “Basta sair à rua e olhar ao redor”, diz ela.

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Com uma quantidade tão avassaladora de imagens, com tanta gente postando ao mesmo tempo, é natural que, em meio às boas fotos, comecem a aparecer exageros de todo tipo. No caso específico do Rio, contribui para isso também a gigantesca concentração de subcelebridades que povoam a cidade. Longe de ser apenas um brinquedinho para compartilhar cenas ou momentos, o Instagram se torna para esse pessoal uma plataforma de busca pela projeção. A cantora Anitta, por exemplo, procura registrar cada passo da sua dançante existência, da hora em que acorda até o momento em que fecha os olhinhos. Seu 1,1 milhão de seguidores é bombardeado com inúmeros registros de sua rotina: shows, ensaios, olhadas no espelho, festas, lanches, compras e deitada na cama. Acaba virando referência para essa turma, que, em um ciclo nada virtuoso, repete esse comportamento. “É comum as pessoas transformarem seus perfis em uma realidade paralela, como se criassem uma vida perfeita, sustentada por postagens constantes e cuidadosamente escolhidas. Cada sinal de aprovação que recebem de volta é uma recompensa, uma massagem no ego. A coisa fica séria quando se estabelece uma relação de vício”, explica o médico paulista Cristiano Nabuco, coor­denador do Grupo de Dependência Tecnológica do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), especialista em distúrbios relacionados à atividade on-line.

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Cada vez que saca seu celular, aciona a câmera e publica uma imagem na rede, o usuário do Instagram, seja ele famoso ou anônimo, busca causar uma boa impressão em quem o segue. Até aí, tudo normal. O leitor provavelmente faz isso e a autora desta reportagem também. O problema é quando a obsessão por ser notado fica fora de controle. Tem gente que chega a publicar vinte fotos seguidas de algum evento ou viagem com pequenas e, às vezes, imperceptíveis alterações entre as imagens. “Abria o meu perfil e as mesmas caras, todos os dias, entupiam a timeline. Não conseguia saber o que os outros amigos estavam fazendo. Parti para uma solução radical: deixei de seguir a pessoa”, confessa a atriz Giovanna Ewbank, que não conta de jeito nenhum o nome da excluída. Os comportamentos extremos não se restringem apenas às fotos publicadas, mas também aos comentários feitos na rede social. Alguns usuários chegam a postar em perfis muito visitados mensagens em que pedem para ser seguidos ou propõem a troca de curtidas para alavancar o próprio perfil. Trata-se de uma categoria de instachatos definidos como “carentes”, dada a necessidade que têm de respaldo alheio.

Como a maioria das grandes inovações digitais, o Instagram nasceu de forma despretensiosa da cabeça de jovens universi­tários, quase como uma brincadeira de ­nerds. A ideia do americano Kevin Systrom, e de seu parceiro brasileiro Mike Krieger, era desenvolver uma plataforma de compartilhamento de fotos por meio de smart­phones. Para isso, montaram um programa que permita a qualquer pessoa criar imagens de grande impacto, com recursos divertidos como filtros eletrônicos e que não exija mais do que cinco cliques durante todo o processo. A inclusão de dois indicadores foi crucial para o charme que ele exerce sobre os jovens: a rápida identificação do número de seguidores de uma pessoa e a quantidade de curtidas que suas imagens recebem. Evidentemente, a chatice de alguns dos nossos conterrâneos não ofusca o brilho que o Rio tem. Há cariocas considerados destaques mundiais na rede social. A psicanalista Ticiana Porto, de 36 anos e 225?000 seguidores, foi incluída pela equipe do aplicativo na lista de usuários-referência no mundo. “Escolhi a cidade como objeto das minhas fotos e levei isso para o celular. Acho que é muito mais interessante do que qualquer pedaço da minha vida pessoal”, alfineta ela.

Paulo Vitale (mark), peter da silva/new york times (krieger e systrom)
Paulo Vitale (mark), peter da silva/new york times (krieger e systrom) ()
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Desde que as primeiras redes sociais de grande escala despontaram, em meados da década passada, os criadores desse tipo de plataforma enfrentam um dilema: como crescer e obter lucro sem se desvirtuar dos princípios originais? Criado por Mark Zuckerberg, o Facebook tornou-se um depositório de lugares-comuns e banalidades, mas são os exageros comerciais que mais geram reclamações. Apesar de ainda não ter anúncios, o Instagram também é utilizado, de maneira muitas vezes disfarçada, como ferramenta de marketing digital ? e corre o sério risco de repetir o enfado que a maior rede social do planeta provoca. No caso do aplicativo de fotos, comprado pela rival por 1 bilhão de dólares, os seguidores funcionam como uma audiência qualificada e o dono do perfil publica imagens como se fosse um garoto-propaganda informal. A socialite e empresária Carol Buffara, de 28 anos e quase 200 000 seguidores, usa seu perfil voltado à malhação para promover sua loja de roupas, sugerir produtos saudáveis e até divulgar uma rede de lojas especializadas em cosméticos. “Acho normal mostrar aquilo em que eu acredito. Já recusei umas quatro propostas porque não tinham nada a ver com o que eu penso ou eram coisas cujo uso eu não achei bacana incentivar”, defende-se Carol.

Uma das grandes qualidades da internet é seu caráter libertário e democrático, que permite a publicação de qualquer tipo de conteúdo. Assim como os malas sem alça podem entupir os celulares alheios com suas imagens abusivas, qualquer pessoa pode simplesmente desconectá-los e não vê-los nunca mais. A questão é que, muitas vezes, retirar alguém da lista de pessoas seguidas pode causar um incidente diplomático, caso o chato perceba a exclusão. Há também quem ache interessante partilhar por algum tempo da intimidade de uma celebridade. Isso até o momento em que a paciência se esgota diante da profusão de fotos banais. “As pes­soas usam pouquíssimo o critério da edição, seguem qualquer coisa mesmo que não acrescente nada a elas e acabam contribuindo para a montanha de bobagens que se vê por aí”, diz Roberto Cassano, diretor de estratégias da Frog, agência carioca especializada em mídias digitais. A quem interessar possa: o mesmo botão que você clicou quando escolheu seguir determinado perfil serve para desfazer a ação. O dia em que você quiser se ver livre para sempre de um instachato, é só clicar ali.

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