Rio 2016 terá a maior transmissão de TV da história

Um arsenal de câmeras e equipamentos de última geração promete expor o Rio e os cariocas de uma maneira inédita durante a Olimpíada

Por Pedro Moraes
Atualizado em 2 jun 2017, 12h04 - Publicado em 9 jul 2016, 01h00
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A meninada do passinho ainda nem pisou no gramado do Maracanã com sua dança contagiante e a pira nem sequer começou a ser montada para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em 5 de agosto, e o Rio já é protagonista nas notícias de jornais, revistas, sites de internet e redes de TV de todo o mundo. Com os preparativos para os Jogos na reta final, a cidade ganhou visibilidade global — quase sempre de forma pouco lisonjeira, levando-se em conta os sucessivos problemas que temos enfrentado. Ainda que avassaladora para os padrões habituais, tal exposição é ínfima frente ao que acontecerá a partir do mês que vem. Ao todo, um público acumulado de 5 bilhões de espectadores receberá por dezessete dias consecutivos uma avalanche de imagens provenientes das arenas olímpicas e também do Corcovado, do Pão de Açúcar e das praias cariocas. Mais de 7 000 horas de programação produzidas aqui por cerca de 21 000 profissionais de mais de uma centena de nacionalidades abastecerão emissoras de 200 países. Apenas o conteúdo voltado para redes sociais deve ultrapassar meio milhão de horas — um volume que levaria 57 anos para ser totalmente visto por uma pessoa. Todo o processo será controlado a partir de um prédio do Parque Olímpico da Barra, batizado como Centro de Transmissão Internacional (ou IBC, na sigla em inglês). Ali fica o QG da Olympic Broadcasting Services (OBS), empresa ligada ao Comitê Olímpico Internacional (COI), responsável pela cobertura oficial dos Jogos e que transmitirá todas as competições para o resto do mundo. Nas gravações serão usadas mais de 5 000 câmeras, contando as da OBS e as das emissoras parceiras — quinze ao todo, entre elas a TV Globo. Dessas, mais de cinquenta capturarão detalhes das provas quadro a quadro, em imagens de altíssima qualidade. Para conectar todas as arenas de competição à central de transmissão, uma complexa rede de fibra óptica com mais de 7 000 quilômetros foi instalada por toda a cidade — emendada em um único fio, seria o suficiente para ligar o Rio a Nova York. “Essa será a maior operação já feita em qualquer lugar do mundo, em qualquer evento”, explica o grego Yiannis Exarchos, presidente da OBS.

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Yianni Exarchos
Yianni Exarchos ()

Se o volume dessa massa de informação é por si só espantoso, os equipamentos que começam a chegar à cidade provocam admiração no mais antenado especialista em telecomunicações. Como acontece a cada quatro anos, a Olimpíada transforma-se em uma grande vitrine em que gigantes da tecnologia de imagem testam suas inovações e lançam as bases para o futuro da televisão. Historicamente, outras edições dos Jogos têm cumprido esse papel, como a de Barcelona, há 24 anos. Enquanto do lado de cá do vídeo espectadores assistiam às imagens analógicas geradas na capital da Catalunha, nos bastidores já se captavam as primeiras imagens digitais. Neste ano, a OBS começa a utilizar, em parceria com a rede de TV japonesa NHK, a chamada resolução 8K, com uma qualidade de imagem riquíssima em detalhes e na captação de cores, dezesseis vezes superior ao melhor padrão disponível hoje, o HD. A cada dia dos Jogos, pelo menos uma prova será gravada nesse novo modo. O uso da realidade virtual é outra novidade que promete eletrizar a experiência do público. A cerimônia de abertura será registrada ao vivo de forma que as pessoas, de casa, possam ter a sensação de estar no Maracanã, imersas nas imagens, como acontece com os vídeos 360 graus recentemente lançados no Facebook. Outra inovação, a multiplataforma Olympic Video Player funcionará como um gigantesco banco de dados, com todas as cenas gravadas durante os Jogos guardadas em um grande servidor com capacidade para mais de 16 000 horas de programação, o equivalente a uma videoteca formada por 17 000 discos de Blu‑ray. “Acreditamos numa explosão no número de horas de conteúdo que será consumido na mídia digital. Um volume quatro vezes maior comparado aos Jogos de Londres. Será um grande impacto para o Brasil e para o Rio, especialmente entre os jovens espectadores”, prevê Exarchos.

Quadro1 Tecnologia
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Para que toda essa operação funcione a contento, o complexo do IBC concentra doze estúdios, cada um com uma área de cerca de 5 000 metros quadrados. A estrutura conta com um sistema de ar-condicionado tão grande que pode climatizar 4 800 residências de dois quartos. O consumo total de energia do complexo será o equivalente ao de uma cidade de 100 000 habitantes. Como medida de segurança, todos os sistemas têm duas opções de fornecimento, além do backup. A energia elétrica que chega ao parque é proveniente de duas usinas hidrelétricas. Se elas falharem, há vários geradores prontos para entrar em ação. “Tudo foi criado em padrões específicos, seguindo o rigor pedido pelo COI. A estrutura interna utilizou divisórias que serão reaproveitadas nos próximos Jogos e resistem ao fogo por duas horas”, detalha Michele Naili, gerente-geral do IBC. Essa construção se tornará o maior estúdio de TV do mundo e terá equipamentos capazes de receber a cobertura de todas as competições e transmiti-la para os satélites em mais de 120 sinais. Algumas dessas imagens serão captadas de ângulos inusitados, como as gravadas pelas três cablecams instaladas pela cidade. O equipamento consiste em uma câmera potente movida por controle remoto e que se desloca em um cabo estendido entre duas torres de 110 metros de altura. A mais extensa delas, no Parque Olímpico da Barra, cruzará um percurso de 2 quilômetros sobre as principais arenas. Outras duas menores foram erguidas sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, local das provas de remo, e sobre o Centro Hípico, em Deodoro.

Estrututa cablecam Lagoa
Estrututa cablecam Lagoa ()
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Nesta edição dos Jogos, estrelas do esporte como o nadador americano Michael Phelps, o corredor jamaicano Usain Bolt e o tenista suíço Roger Federer ocuparão o foco das lentes de câmeras especialmente calibradas para registrar suas performances o máximo de plasticidade possível. O mesmo acontecerá com o Rio. Graças à exuberante geografia, o cenário carioca será devidamente explorado pelos cinegrafistas da OBS. Aqui, a empresa decidiu apostar pesado em um dispositivo conhecido como beautycam, que capta vistas de impacto das atrações locais para ajudar as TVs de todo o mundo a compor suas transmissões com tomadas ao vivo da cidade, 24 horas por dia. Enquanto em Londres foram utilizadas três dessas câmeras, por aqui serão doze a transmitir a partir de pontos como o Cristo Redentor, a Praia de Copacabana, o Pão de Açúcar e o Museu do Amanhã. “Buscamos os ângulos conhecidos e também outras tomadas inusitadas para os estrangeiros, como, por exemplo, a vista do Rio a partir da região do Museu de Arte Contemporânea, em Niterói. Isso só será possível porque os Jogos acontecerão aqui, nesta cidade tão bonita”, adianta Exarchos, um entusiasta do Rio. Ainda com a paisagem como cenário, duas grandes estruturas foram criadas para atender as emissoras estrangeiras. São dois prédios, um instalado no Parque Olímpico, com dezesseis estúdios, e o outro na Praia de Copacabana, entre as ruas Xavier da Silveira e Bolívar, com outros dez. Ambos serão utilizados para ancorar os noticiários ao vivo.

Estudios de Copacabana
Estudios de Copacabana ()

Tamanha exposição, se bem aproveitada, pode projetar a imagem da cidade no exterior a patamares sem precedentes. Em edições anteriores dos Jogos, as cidades-sede tiveram um acréscimo de 25% no número de turistas nos cinco anos seguintes à realização do evento. “Esse poderá ser o melhor legado para o Rio. As duas semanas de competição vão equivaler a pelos menos trinta anos de trabalho de instituições de promoção turística, como a Embratur”, afirma Alfredo Lopes, presidente executivo do Rio Convention & Visitors Bureau. As emissoras estrangeiras, por sua vez, estão apostando firme na cobertura e desembarcam na cidade com grande entourage. A americana NBC chega com uma estrutura compatível com o peso da delegação esportiva dos Estados Unidos, a maior devoradora de medalhas dos Jogos. O time da emissora será composto de 4 000 profissionais, que ocuparão dois estúdios no prédio do IBC, um terceiro no centro do Parque Olímpico e outro instalado na Praia do Leme. Da orla da Zona Sul serão feitas entradas ao vivo no programa matinal Today Show, um dos mais longevos e bem-sucedidos noticiários do país. A preparação das equipes de técnicos e jornalistas consiste num profundo processo de pesquisa sobre os locais, a cultura e a rotina da cidade. Duas redes de TV japonesas, por exemplo, procuraram uma consultoria brasileira a fim de preparar seus profissionais para os perigos das ruas do Rio. Em outros casos, a própria realidade se encarrega de lançar os estrangeiros nas agruras cariocas. Foi o que aconteceu com as emissoras alemãs ARD e ZDF, que no último dia 1º tiveram dois contêineres de equipamentos roubados quando eram transportados para o Rio de caminhão, na Avenida Brasil. Felizmente, horas depois, a polícia encontrou a carga, orçada em 1,5 milhão de reais, intacta. Mesmo diante de tais mazelas, os estrangeiros, de maneira geral, estão otimistas com o que registrarão dentro e ao redor das arenas. É o caso dos ingleses da BBC, últimos anfitriões dos Jogos, que em 2012 viram a audiência subir 90%, com picos na cerimônia de abertura. “Transmitiremos um total de 550 horas. Não temos a expectativa de registrar uma audiência avassaladora durante toda a Olimpíada, mas acreditamos que haverá momentos em que chegaremos às maiores do ano”, avalia Ron Chakraborty, executivo responsável pelo setor de grandes eventos na emissora britânica.

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Quadro tecnologia
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Entre as numerosas peculiaridades dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro está o fato de que nunca as competições aconteceram em uma cidade marcada de forma tão aguda pela desigualdade social. Ao mesmo tempo em que as beautycams exibirão cenários impecáveis, será impossível para os recém-chegados desviar os olhos (e possivelmente as câmeras) das favelas, da pobreza e da poluição da Baía de Guanabara. Problemas recentes como a epidemia de zika, a queda da ciclovia na Avenida Niemeyer e o recrudescimento da violência, além da excruciante penúria financeira do estado, ganharam repercussão em todo o mundo. O jogador de golfe Jason Day, considerado o melhor do planeta, cancelou sua participação como representante dos Estados Unidos alegando ter receio de contrair a infecção viral disseminada pelo mosquito Aedes aegypti. Obviamente, nenhum desses problemas desaparecerá de uma hora para a outra graças às beautycams. Entretanto, a demonstração de atributos como seriedade, comprometimento, profissionalismo e simpatia por parte dos cariocas pode compensar as deficiências e originar uma experiência única para os visitantes. “Nós não temos controle sobre a cidade e tudo que nos cerca. Aliás, temos por aqui o hábito masoquista de achar que os Jogos têm a obrigação de expor um Brasil impecável, que não existe. Na verdade, a Olimpíada oferece a possibilidade de ajudar a melhorar a visão do mundo sobre nós, mesmo com nossos problemas. É nesse sentido que deveríamos nos esforçar”, defende Mário Andrada, diretor executivo de comunicação da Rio 2016. Assim, as imagens de alta definição geradas por um batalhão de câmeras ultratecnológicas serviriam apenas de moldura para a essência do que de fato é ser brasileiro e, acima de tudo, carioca. ■

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