Entenda a encrenca por trás da Vila dos Atletas

As falhas cometidas pelas empresas que construíram a Vila Olímpica e que transformaram o Rio em motivo de vergonha internacional

Por Daniel Hessel Teich
Atualizado em 2 jun 2017, 12h02 - Publicado em 26 jul 2016, 17h49
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RC_Abertura-da-Vila-Olimpica-Rio-2016_010240716 (Roberto Castro/ME/Brasil2016/)
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Uma sucessão de erros, desentendimentos, atrasos e demonstrações de pura inépcia levou ao vexame da Vila dos Atletas. Confira abaixo as falhas cometidas por várias empresas que fizeram com que a entrega dos 3 600 apartamentos divididos em 31 torres às delegações estrangeiras se transformasse em motivo de vergonha internacional para os cariocas. 

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1) A Vila dos Atletas começou a ser erguida em 2013 e sempre esteve entre as obras mais adiantadas dos jogos. Para realizar a construção, foi fundada a empresa Ilha Pura Empreendimentos Imobiliários, em que 50% das ações pertencem à incorporadora carioca Carvalho Hosken, a dona do terreno de 820 000 metros quadrados onde foi construído o complexo, e 50% ao braço imobiliário da Odebrecht, a Odebrecht Realizações (OR). O acordo previa ainda que a prefeitura arcaria com toda as obras do entorno, como acesso e urbanização. Do valor estimado em 3 bilhões de reais para as obras, 2,3 bilhões de reais vieram de um financiamento da Caixa Econômica Federal, que hoje detém as hipotecas dos apartamentos.

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2) Mesmo com as obras em ritmo acelerado, as divergências entre as partes envolvidas no processo não tardaram a aparecer. No início de 2014, o comitê organizador da Rio 2016 começou a questionar o pagamento dos aluguéis dos apartamentos à Ilha Pura durante os meses de retirada dos móveis, quando os jogos acabassem, previsto para durar entre setembro de 2016 e junho de 2017. Pelo acordo inicial, a proposta era que a Rio 2016 pagasse pelo aluguel – na verdade repasses para quitação das parcelas do financiamento da Ilha Pura com a Caixa – até a entrega das chaves de volta à incorporadora. Depois de muita discussão e meses de impasse fechou-se um acordo em torno do assunto em maio de 2014, quando a presidente Dilma Rousseff ameaçou bloquear o repasse do banco estatal. 


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3) Com um estande de vendas pirotécnico, que custou mais de um milhão de reais, as metas da Ilha Pura Empreendimentos eram ambiciosas: colocar no mercado e vender pelo menos 600 unidades na etapa de lançamento. A operação, realizada no segundo semestre de 2014, foi um desastre. Surpreendida pelo início da crise no mercado imobiliário, a empresa só encontrou compradores para 200 unidades do complexo, propagandeado com uma obra de altíssimo padrão e preços entre 700 000 e 4,2 milhões de reais.

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4) Com o impacto da crise e da baixa captação de patrocínios, o comitê organizador dos jogos pediu o adiamento da entrega para economizar nos aluguéis dos apartamentos. O contrato previa a entrega em janeiro de 2016, prazo que foi posteriormente adiado para março e finalmente maio. Como o volume de apartamentos era muito grande, a entrega foi feita mediante laudos fotográficos e não vistorias presenciais, uma a uma, de todas as unidades, como acontece no mercado imobiliário. É nessa fase que os proprietários encontram problemas e reivindicam as soluções junto à construtora. O fato de as conexões com a rede de água ainda estarem em regime provisório e com a ligação elétrica desligada também dificultou a vistoria. As conexões de gás e a instalação de aquecedores ficaria a cargo de uma das fornecedoras dos jogos, a empresa Komeco, o que também dificultou a avaliação no momento da entrega. A Rio 2016 chegou a reclamar da situação precária de parte apartamentos posteriormente, mas a incorporadora considerou a entrega concluída e se recusou a fazer reparos.

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5) A conexão completa de todas as torres com a rede água só foi concluída no início de julho e a vazão total só foi atingida há uma semana. O fornecimento de energia também atrasou. Ambas as empresas responsáveis pela operação, a Cedae, pertencente ao governo do Estado, e a Light, enfrentam problemas financeiros. A primeira foi incluída em um plano de privatização e a segunda, privada, está a procura de novos donos.

6) A entrega e instalação de móveis ficou a cargo dos Correios. Sem fiscalização adequada por parte dos responsáveis pela Vila, a operação ocorreu de forma errática, com áreas bem-sucedidas e outras nem tanto. Como resultado, caixas de papelão, restos de plástico e embalagens foram abandonados nos apartamentos. Marcas de pés enlameados no chão de cerâmica clara eram rotina por todos os prédios. Roupas de cama e toalhas de banho, bem como artigos de cozinha, foram colocados em lugares que ainda estavam sujos com resíduos da fase de construção.

7) Itens fáceis de remover e carregar dos apartamentos, como torneiras, chuveiros, lâmpadas e até espelhos de banheiro foram furtados. Às vésperas da entrega, o administrador do complexo contratou 400 pessoas para a tarefa gigantesca de arrumar 3600 apartamentos e a área comum dos prédios. Um contingente, obviamente, insuficiente.

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8) Uma vez constatado que não haveria mais tempo para corrigir tudo, começou uma operação de emergência. Alguns representantes de delegações, entre elas Estados Unidos e Inglaterra, contrataram funcionários para arrumar seus apartamentos. O fato de parte dos imóveis estar em boa situação e outros em estado precário dificultou a administração da crise. A prefeitura mandou equipes da Comlurb ao local recolher as embalagens e restos da mudança que ficaram pela Vila, com a condição de que seus funcionários não entrassem nos prédios. A organização convoca equipes para trazer todo o entulho para o térreo de cada uma das torres de 17 andares. Muita coisa fica para trás no processo.

9)  A  Austrália, insatisfeita com a condição de seus apartamentos, joga pesado e torna-se a primeira delegação a protestar formalmente contra a confusão, apesar de, nessa altura, as críticas já serem comuns na Vila.

10) O prefeito Eduardo Paes faz uma brincadeira imprópria e caso vira crise ao dizer que colocaria um canguru na porta do prédio para agradar aos australianos. Mais de 600 homens são convocados pelas construtoras Odebrecht e Carvalho Hosken para fazer uma força tarefa e entregar o complexo pronto em dois dias. O estrago, entretanto, já estava feito.

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