Os animais do Zoológico do Rio pedem socorro

Com estruturas mal conservadas, áreas de confinamento inadequadas e sinalização precária, o zoo é um símbolo do descaso com os animais e com os visitantes

Por Luna Vale e Daniela Pessoa
Atualizado em 2 jun 2017, 12h42 - Publicado em 14 mar 2015, 01h00
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felipe-fittipaldi-e-lipe-borges (Felipe Fittipaldi/)
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Instalado nos fundos da Quinta da Boa Vista, antiga residência da família real, o Jardim Zoológico do Rio reúne uma combinação única de história e natureza. São cerca de 2 700 animais, entre aves, peixes, répteis e mamíferos, em uma área de 138 000 metros quadrados. Mas não é preciso atravessar o majestoso portão de entrada para perceber que há algo de errado no parque. Ainda do lado de fora, a instalação que deveria funcionar como uma espécie de aperitivo das atrações, a Passarela da Fauna, estrutura suspensa sobre um trecho de 22 000 metros quadrados oferece uma imagem deprimente, como mostra a foto nessa página. No ambiente que deveria reproduzir uma savana verdejante, com cervos, antas, capivaras, emas, tartarugas e aves marinhas, o que se vê é um retrato do descaso com que o parque tem sido tratado nos últimos anos. Enquanto os animais tentam se proteger do sol inclemente na pouca sombra propiciada pela passarela, dezenas de urubus tomam o resto da instalação, transformada em um terreno ressequido pontuado por poças de lama. Já seria suficientemente triste se apenas esse ponto do parque estivesse tão maltratado, mas uma vez lá dentro, os exemplos de descaso vão se acumulando. São tantos que, em uma atitude inédita, o Ministério Público Federal, com base em um relatório do Ibama, cobrou da prefeitura uma série de reformas e modificações na semana passada. Caso não seja apresentado um cronograma de obras até o fim do mês, o parque que completa 70 anos na quarta-feira (18), corre risco de fechar. “Esperamos contar com a sensibilidade do prefeito para que isso não aconteça”, diz o procurador Sérgio  Suiama, responsável pelo caso.

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Uma vez ultrapassado o portão do parque, a imponência da alameda central ornada com palmeiras imperiais rapidamente cede espaço ao choque de realidade. Jaulas sem placas de identificação dos bichos, recintos ociosos cobertos de mato, áreas interditadas, como o Viveirão e a Casa Noturna (estrutura que abrigava morcegos), além de instalações em péssimo estado de conservação, vão se sucedendo ao longo do passeio (confira quadro abaixo). Alguns animais chegam a despertar pena, como é o caso de Vitório, simpático lobo-marinho que foi encontrado encalhado em uma praia do Espírito Santo há três anos e chegou muito machucado ao Zoo. Cego de um olho, ele precisa ser medicado com uma vitamina especial pelo resto da vida. Nas duas visitas feitas por Veja Rio, o bicho estava acomodado na parte traseira do recinto onde vive em meio a grades enferrujadas, algumas com pontas capazes de feri-lo. Na área da girafa Zagallo, um dos bichos mais populares do zoo, o abrigo onde o animal deveria se proteger do sol se encontra reduzido a uma armação de madeira, sem a cobertura original que deveria propiciar uma sombra.

O calorão das últimas semanas agrava a situação. Para encontrar refresco, os chimpanzés e outros primatas têm como opção se esconder nos abafados abrigos de cimento, ficar ao sol ou espremer-se junto às paredes em uma estreita área de sombra que existe no terreno. Na primeira visita feita pela reportagem, na sexta-feira, dia 7, com sol a pino, as quedas d’água em várias das jaulas estavam desligadas apesar das altas temperaturas. No dia seguinte, um sábado nublado e chuvoso, dia de maior movimento, todas as cascatinhas estavam em funcionamento. Os banheiros abertos aos visitantes estão em condições precárias, com mictórios quebrados e embrulhados em sacos de lixo. Funcionários indignados com a situação reclamam que o parque sequer tem um ambulatório para o caso de alguma emergência. Outro problema: por ser baixo demais, o muro que separa o parque do Morro da Mangueira já foi ultrapassado mais de uma vez por marginais. À noite, arruaceiros costumam roubar os estoques dos quiosques e tomar banho na piscina dos hipopótamos. De dia, já chegaram a assaltar os visitantes. “Recentemente roubaram o tablet de uma senhora”, conta um funcionário que pediu para não ser identificado. Na área restrita, em que o público não tem acesso, os problemas são mais graves. Segundo o relatório do Ministério Público, o recinto destinado à aclimatação e recuperação de animais apresenta falhas que podem levar a fugas dos bichos alojados ali. E a maneira como o lixo do parque é disposto atrai vetores de doenças como urubus, ratos e moscas que colocam em risco a saúde dos próprios visitantes. 

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Não é preciso ser um grande especialista para perceber que os graves problemas do parque são de origem financeira e de gestão. Segundo o Ibama, a instituição conta com um corpo de funcionários altamente qualificado e dedicado que consegue garantir o bem-estar e integridade física dos animais mesmo nas condições precárias. O órgão federal que vem fiscalizando o parque e cobrando reformas desde 2012 esclareceu, em nota enviada à redação de VEJA RIO, que os problemas “estão especialmente relacionados à manutenção estrutural das instalações, não dependendo diretamente do corpo técnico envolvido, mas da disponibilidade de recursos orçamentários da Prefeitura do Rio de Janeiro”. Mantenedora da Fundação Rio Zoo, a administração municipal informa que ainda está avaliando as cobranças feitas pelo MPF e pelo Ibama para se pronunciar sobre intervenções no parque. Em agosto do ano passado, a Rio Urbe, empresa municipal de obras públicas e de infraestrutura, estimou que uma reforma nos moldes exigidos pelas entidades federais exigiria cerca de 8,5 milhões de reais em investimentos. Procurada, a entidade que administra o parque não se pronunciou sobre o assunto. A prefeitura, entretanto declarou que em 2015, o orçamento anual será reajustado em 20% e passará dos 15 milhões de reais em 2014 para 18 milhões. Técnicos estimam que uma estrutura do porte do zoológico carioca exija um orçamento anual mínimo de 20 milhões de reais.

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Qualquer metrópole com vocação turística e perfil cosmopolita oferece um parque em que adultos e crianças, moradores e visitantes tenham contato com animais, até mesmo como forma de despertar a conscientização para a preservação ambiental. No caso do Rio, quem procura o zoo da Quinta da Boa Vista com esse objetivo sai de lá frustrado. A situação precária do parque torna ainda mais gritante a concepção ultrapassada das áreas de exibição. Enquanto em zoos modernos, onde as espécies podem ser observadas em espaços amplos e com mínima interferência de grades, aqui as barreiras de ferro (quase sempre enferrujado) ainda dão o tom. Muitos bichos vivem em cubículos, sozinhos. Da mesma forma, faltam recursos ambientais, ou seja, elementos (inclusive brinquedos) para os animais se exercitarem e não ficarem ociosos. “É uma questão de saúde tanto física quanto mental do bicho. Há vários que, por causa do tédio, andam de um lado para o outro, ou em círculo”, pontua o biólogo Yuri Domeniconi. “Em parques dos Estados Unidos, os felinos chegam a ser estimulados por aparelhos que movimentam os alimentos pelos recintos para que eles corram atrás”, exemplifica. De férias pela primeira vez na cidade, os chilenos Macarena Varela e Diego Gonzalez saíram insatisfeitos dos passeio pelo Zoo. “Esperávamos encontrar um parque repleto de bichos do Brasil, mas ao chegar aqui acabamos vendo animais tristonhos e ficamos perdidos com a falta de sinalização e mapas de orientação”, reclamou Diego. 

Os primeiros jardins zoológicos abertos à visitação pública remontam ao século XVIII, construídos por reis europeus como demonstração de riqueza e poder. Não à toa, os pioneiros estavam localizados em cidades que sediavam impérios como Viena, Paris e Madri. No século XIX, surgiram as instituições administradas por fundações e sociedades científicas com o objetivo de observação e pesquisa, vertente que se manteve até meados do século passado. A partir dos anos 1990, acabou-se reforçando o caráter de entretenimento desses espaços que passaram a oferecer instalações espetaculares — e entradas a preços salgados, na casa dos 100 reais. Em Nova York, no zoo do Bronx, apenas o espaço destinado aos gorilas consumiu 43 milhões de dólares. Trata-se de um prodígio que recria o ambiente de floresta do Congo com direito a trilha sonora de pássaros típicos da região. O tratamento dispensado aos animais passou a ser alvo de vigilância pública e a provocar a mobilização de adultos e crianças em todo o mundo. Em 2006, um filhote de urso polar que depois seria conhecido como Knut causou uma comoção internacional depois do zoo de Berlim anunciar que o sacrificaria por ter sido rejeitado pela mãe. Frente aos protestos, a decisão foi revertida (o urso morreu cinco anos depois, de um ataque epilético). No ano passado, o destino da girafa Marius provocou uma onda de revolta contra o zoo de Copenhague. Sem espaço para o bicho, o parque decidiu matar o animal e usar seu cadáver para alimentar os leões. No Zoo Rio, que já teve celebridades como macaco Tião e o leão Oscar (confira abaixo), os habitantes atuais como Vitório e Zagallo seguem esquecidos em seu triste confinamento. 

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