Ele está pintando e bordando

Festejado aqui e no exterior, Vik Muniz tornou-se um especialista em promover suas obras e a si mesmo. Mas sua produção volumosa e a intensa atividade midiática começam a gerar críticas de marchands, leiloeiros e colecionadores

Por Rafael Teixeira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h36 - Publicado em 30 mar 2012, 16h59
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arte-1.jpg (Redação Veja rio/)
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Nome completo

Vicente José de Oliveira Muniz

Idade

50 anos

Nascimento

São Paulo (SP)

Formação acadêmica

Cursou menos de um ano de publicidade na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. Fez aulas de teatro e cenografia na New School e de literatura e filosofia na New York University, quando morou em Nova York nos anos 80

Onde mora

Radicado no Rio desde 2008, eventualmente passa temporadas em Nova York, onde mantém uma casa

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Família

Vik é casado com Malu Barreto, mãe de sua filha mais nova, Dora, nascida em 6 de março. É também pai de Gaspar, 21 anos, filho de seu primeiro casamento, com a artista plástica Maria Mattos, e de Mina Rosa, 6 anos, da união com Janaina Tschäpe

Com a irreverência habitual, a atriz Regina Casé dedicou boa parte do programa global Esquenta! do último dia 11 a enaltecer o trabalho do artista plástico Vik Muniz. Sentado ao lado dela, ele falou de sua trajetória e da vida sofrida que teve quando criança em um bairro pobre de São Paulo. Em meio aos elogios de praxe, a apresentadora provocou a plateia apontando para o telão com obras do entrevistado: ?Olhem ali aqueles dois quadros da Monalisa. Eles são feitos de quê??. Um garoto de cerca de 8 anos arriscou, com voz estridente: ?De geleeiaa!?. Muniz entrou no embalo: ?Geleia e o que mais??. ?Doooce de leeeite!?, errou o menino. ?Uma dica: é uma coisa que os americanos comem no sanduíche?, facilitou o homenageado. Do auditório, alguém arriscou: ?Pasta de amendoim?. O autor soltou um ?Ahêêê!? que surpreendeu pela euforia. Surgiu então outro Leonardo da Vinci no telão, dessa vez a Santa Ceia. ?Do que é feito esse??, voltou à carga a anfitriã. ?Giz de cera?, disse um rapaz. Não era. ?Calda de chocolate?, arriscou outro. ?Ahêêê!?, disparou, animadíssimo, seu criador.

A cena, que beira o nonsense, em se tratando do mais celebrado artista brasileiro da atualidade, é um retrato preciso do atual momento da carreira de Vik Muniz. Sem demonstrar nenhuma preocupação relacionada à superexposição, ele não tem vergonha de encarnar o papel de pop star da arte brasileira. Convite para criar lenços de seda para uma grife de luxo? É com ele mesmo. Posar em Nova York com sua terceira mulher, a executiva de marketing Malu Barreto, para uma campanha publicitária de um shopping? Ele está dentro. Isso sem contar festas, palestras, solenidades, premiações, escrever um livro de histórias infantis, criar um logotipo para o Fantástico e obras para uma novela. Vik Muniz, de fato, topa todas. ?Ele sem dúvida é um ponto fora da curva e não tem medo de assumir esse lado?, diz o crítico e curador do Museu de Arte Moderna do Rio, Luiz Camillo Osorio. ?Mas está sempre se arriscando, porque toda essa atividade pode ser dispersiva e desviar o foco do que interessa: a arte.?

A questão é que esse comportamento exibicionista, que já lhe rendeu o apelido de Vip Muniz, vem despertando desconfiança e críticas veladas entre marchands, leiloeiros e colecionadores mais tarimbados. Ex-estudante de publicidade que emigrou para Nova York, ele sempre se viu à vontade no papel de chamar atenção para si mesmo. Tornou-se notório seu esforço para divulgar a bem-sucedida retrospectiva realizada no MAM em 2009, quando inundou a cidade de anúncios sobre a exposição. De lá para cá, a autopromoção extrapolou as fronteiras do razoável. O filme Lixo Extraordinário, indicado ao Oscar de melhor documentário no ano passado, que mostra o artista em meio a catadores no aterro sanitário de Jardim Gramacho, é considerado por seus detratores um monumento de egocentrismo. Lançar um precoce catálogo raisonné, ou seja, com sua obra completa, publicação normalmente póstuma, representou um exagero desnecessário. E pôr um conjunto de trabalhos na abertura de Passione foi visto como outro excesso. ?Ele é um predador. Sua imaginação é essencialmente derivativa, publicitária. Usando refugos ou pedras preciosas, pouco importa, essas imagens entregam o raciocínio binário do seu autor?, dispara o piauiense radicado no Rio David Cury, que participou da 29ª Bienal de São Paulo, há dois anos. ?Vender quadros é meu ganha-pão, então eu tenho de me interessar pelo mercado?, defende-se Muniz.

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Mas a evidência mais contundente de que ele botou o pé fora da linha permitida, pintando e bordando além da conta, veio de São Paulo, há duas semanas. A Galeria Fortes Vilaça, considerada a mais importante do Brasil no setor de arte contemporânea, encerrou uma parceria de doze anos. ?A decisão foi consensual e é resultante de um afastamento natural das duas partes?, informou a VEJA RIO a relações-públicas da casa, Amanda Alves. ?Vik vinha demonstrando outros interesses nos últimos anos, enquanto o nosso foco é a arte?, concluiu, lacônica. Ele, por sua vez, diz não ter entendido o motivo alegado para a ruptura. ?É uma postura um tanto conservadora achar que todos os artistas têm de se comportar da mesma forma?, afirmou. Pego um tanto desprevenido, o artista tem recomendado aos interessados em adquirir suas obras que procurem a Sikkema Jenkins and Co., de Nova York, ou a Galerie Xippas, de Paris, que o representam no mercado internacional. Os cariocas, no entanto, podem encontrar trabalhos dele na Graphos: Brasil, em Copacabana, galeria fundada recentemente pelo colecionador Ricardo Duarte. Amigo de Muniz, ele já havia comercializado 32 quadros produzidos a partir da abertura da novela Passione e pelos quais a Fortes Vilaça nunca demonstrou interesse. ?Vik tem uma formação publicitária, vendeu outdoors quando jovem. Ele entende o mercado, e isso ajuda a mantê-lo no topo?, diz Duarte.

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Para quem observa a frieza dos números, a trajetória de Vicente José de Oliveira Muniz, 50 anos e feliz morador da Gávea, é um sucesso absoluto. Seus quadros, na verdade fotografias de imagens produzidas com materiais insólitos, custam em média 40?000 dólares, se comprados diretamente nas galerias. Frequentemente chegam a valer cinco vezes mais em leilões – e a curva é ascendente. O preço médio em pregões cresceu de 33?400 dólares em 2010 para 50?500 dólares no ano passado, segundo dados do site MutualArt, especializado nesse tipo de avaliação. Trata-se de uma valorização 56% acima da que é registrada por seus pares. Tomando-se como base apenas o que foi para o martelo, seus trabalhos arrecadaram no ano passado 3,12 milhões de dólares, 16?000 dólares a mais do que foi conseguido com as obras da carioca Adriana Varejão, outra estrela da constelação brasileira. No entanto, há diferenças cruciais entre os dois. Enquanto ele alcançou sua performance com o arremate de 66 peças, ela obteve soma semelhante com apenas cinco. Existe uma mudança também no perfil de quem anda comprando telas do paulistano. Boa parte delas é adquirida por neófitos no universo da arte, fascinados com sua onipresença midiá­tica. ?Todo aspirante a colecionador começa com um Vik?, explica um leiloeiro que prefere não se identificar. ?Mas, como ele produz muito, qualquer um que queira pode ter uma fotografia sua. Com o tempo, isso pode se revelar um tiro no pé.?

A raridade costuma ser um fator decisivo para emprestar valor a uma obra de arte. Em linhas gerais, essa dinâmica obedece às mesmas leis de qualquer mercado: a grande procura, combinada com a pouca oferta, faz o preço subir. Não por acaso, pintores de produção pequena e grande qualidade artística, a exemplo do holandês Johannes Vermeer (1632-1675), alcançam estratosféricas cifras nos leilões internacionais. Como apenas 34 trabalhos são reconhecidos como de sua autoria, as telas, quando aparecem, são disputadas lance a lance. Em 2004, uma delas chegou a 42 milhões de dólares. A escolha de Vik Muniz pela quantidade, porém, está longe de ser inédita e, certas vezes, é bem-sucedida. Um dos mais prolíficos artistas da história, Andy Warhol (1928-1987) produziu cerca de 10?000 obras, entre polaroides, reproduções e até mesmo guardanapos de papel rabiscados em restaurantes. Apesar do acervo gigantesco, o americano está no panteão das artes do século XX, com quadros caríssimos. Mas hoje a instituição encarregada de administrar seu espólio se vê diante de uma espinhosa missão: invalidar o maior número possível de peças assinadas por ele. Tudo para manter o seu prestígio (e os valores) em alta.

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clique na imagem abaixo e saiba por onde Vik Muniz já transitou além dos quadros

[—FI—]

Dono de boas noções de marketing, Vik Muniz sabe que as estratégias de promoção, por melhores que sejam, não conseguirão cumprir sua função se o produto for ruim. Nas últimas semanas, ele tem se dedicado a preparar uma nova série de fotografias. Entusiasmado, adianta que voltará ao conceito que lhe deu notoriedade, desta vez utilizando aparelhos eletrônicos e carros de luxo no lugar de açúcar mascavo ou calda de chocolate. Para alguns especialistas, isso é um indicador de que ele começa a reduzir seu trabalho a uma fórmula. ?Houve um tempo em que a cristalização em torno de um estilo, um alinhamento a um ?ismo? qualquer, era tida como um valor. Para os padrões de hoje, a pior coisa que pode acontecer a um artista é se repetir?, adverte o crítico Fernando Cocchiarale. Fica difícil ter tanta certeza. Uma máxima frequentemente mencionada no mundo das artes lembra que ?só o tempo dirá se se trata de um grande artista ou não?. No caso de Vik Muniz, porém, começa a ganhar corpo a versão de que, se ele não der uma freada, o tempo pode ser implacável com seu legado.

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