Nunca foi tão fácil
Aplicativo para celular cai nas graças dos cariocas que querem azarar ou apenas conhecer gente ? mas que esteja por perto
Uma das principais características do mundo atual é o encurtamento das distâncias, uma vez que as novas tecnologias possibilitaram uma integração jamais vista na história da humanidade. Aparentemente, só há vantagens nessa evolução. Porém, tanta modernidade pode causar também algumas saias justas inimagináveis tempos atrás. Exemplo: um (ou uma) carioca conhece alguém muito especial em um bate-papo na internet. Conversa digital vai, conversa digital vem, até que essa pessoa descobre que seu interlocutor, na verdade, é um brasileiro que está radicado na Mongólia, sem previsão de retornar. Uma baita ducha fria. É exatamente por evitar esse tipo de problema que um aplicativo para celular vem ganhando adeptos em larga escala. Trata-se do Tinder (apropriadamente, “material inflamável” em inglês), criado em outubro do ano passado por quatro universitários americanos. Sua grande virtude é unir características de alguns antecessores e disponibilizá-las em um mesmo produto. Para poupar o usuário da decepção de deparar com alguém que esteja distante demais, o aplicativo pede que ele estabeleça um raio de ação antes de iniciar a busca. Dessa forma, ele facilita tremendamente a azaração, seja numa boate, num shopping ou numa academia. “Tenho vários amigos que chegam à noitada e abrem o Tinder para ver as mulheres bonitasque estão por perto”, conta o estudante Henrique Goldenberg, de 23 anos, que, empolgado com a atitude dos colegas, começou a usar o artifício faz duas semanas.
A favor do aplicativo destaca-se também a facilidade de operá-lo, o que envolve uma sequência de procedimentos bem simples (veja o quadro na página ao lado). Depois de baixá-lo gratuitamente, a pessoa seleciona suas preferências entre gênero, idade e a área de cobertura. Embora o dispositivo permita rastrear uma extensão de até 160 quilômetros, fato é que a escolha sempre recai em uma estreita faixa territorial. A partir de então, surge na tela um cardápio de candidatos com as respectivas fotos, bastando um toque para marcar os selecionados. Caso o interesse seja correspondido na outra ponta, de imediato o par é direcionado a um chat privativo. Daí para o encontro face a face pode ser um pulo ? ao pé da letra. “É uma cachaça”, afirma o estudante de medicina Henrique Leber, de 23 anos, que tomou conhecimento do aplicativo por meio de um amigo californiano. Ele não passa um dia sequer sem consultar o dispositivo, e se diz impressionado com o aumento do número de usuários. Em âmbito mundial, o Tinder já teve mais de 1 bilhão de perfis avaliados. No Brasil, onde é alvo de 2?000 downloads diários, ele lidera o ranking dos aplicativos de relacionamento.
A exemplo das novidades cibernéticas, que rapidamente se tornam obsoletas e são ultrapassadas por outra tecnologia, as aproximações propiciadas pelo Tinder geralmente não se estendem por mais de uma noite, muito menos se transformam em uma relação estável. Ele se presta mais a encontros de oportunidade e a flertes que costumam render no máximo um “ficante”. Morador da Tijuca, o corretor Rodrigo Miceli, de 34 anos, exprime bem o caráter descompromissado com que os usuários lidam com o aplicativo. Graças ao mecanismo, ele já saiu com quinze mulheres, mas nada que engrenasse um namoro à vera. Miceli só tem uma queixa a fazer: as fotos exibidas nem sempre reproduzem com fidelidade a imagem da pessoa. “Já fiz um amigo se passar por minha mãe ao telefone só para poder sair educadamente de um encontro”, diverte-se ele ao lembrar.
Na genealogia do Tinder figuram os sites de relacionamento, que surgiram na década de 90, possibilitando que os solitários (ou nem tanto) trocassem mensagens de casa (alguns mais abusados o faziam do trabalho também). Logo o negócio se mostrou um achado. Um dos expoentes nesse ramo, o Par Perfeito, por exemplo, contabilizava em 2011 mais de 5 milhões de adeptos. Aplicativos como o Tinder são um desdobramento desses pioneiros da internet, com uma vantagem primordial em relação a eles: a agilidade que o smartphone proporciona, podendo ser acessado de qualquer lugar e em qualquer situação. “No início fiquei com vergonha de usá-lo, pela exposição que poderia causar. Mas, quando vi que estava todo mundo entrando, relaxei”, diz a publicitária Clara Bandeira, de 22 anos, moradora da Barra. Chefe do setor de psiquiatria da Santa Casa, a doutora Fátima Vasconcellos destaca como ponto positivo do dispositivo a possibilidade de queimar etapas no árduo processo da busca por uma cara-metade. “O que as pessoas puderem usar para se aproximar da outra é válido, desde que feito com cautela e cuidado”, diz. Afinal, como sabiamente versejou Vinicius de Moraes, viver é a arte do encontro.