O festival vai ao teatro

Rock in Rio ? O Musical, que marca a abertura da Cidade das Artes, transpõe para o palco a atmosfera do megaevento e enfileira sucessos que atravessam gerações

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h15 - Publicado em 19 dez 2012, 17h22
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rock-in-rio-o-musical-01.jpg (Redação Veja rio/)
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O nervosismo entre os atores era compreensível. Pela primeira vez, depois de oito horas diárias de ensaio durante dois meses, a montagem passaria por uma prova de fogo, submetida a um seleto grupo de espectadores. Em duas horas e cinquenta minutos de sessão, os convidados conheceram em primeira mão a saga de Alef, um rapaz que deixou de falar após a morte do pai e só se expressa através da música, e Sophia, filha do organizador de um grande festival de rock que não suporta ouvir um acorde sequer. Esse fio narrativo serve para amarrar as cinquenta canções executadas em cena, a ampla maioria na ponta da língua de diversas gerações. Uma delas, em especial, arrebatou um dos convidados de honra. Assim que ouviu parte do elenco entoar os indefectíveis versos “se a vida começasse agora, e o mundo fosse nosso outra vez…”, o empresário Roberto Medina abaixou a cabeça e chorou. A julgar pela reação geral nessa prévia, Rock in Rio ? O Musical chega à Grande Sala da Cidade das Artes no dia 3 cercado das melhores expectativas. “Não se trata da história real do festival, mas toda a sua essência está presente. Vai ser um estouro”, acredita Medina, idealizador do megaevento que inspira a montagem de agora.

A atração relaciona credenciais que fundamentam o otimismo dos produtores. Orçada em 12 milhões de reais, trata-se da superprodução do gênero mais cara já rea­lizada na cidade. Outro chamariz é o próprio local onde será encenada. O musical marca a inauguração da Grande Sala da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, que faz parte do complexo cultural batizado inicialmente de Cidade da Música. Os números em torno da montagem são grandiosos (veja o quadro na pág. 27). Desde setembro, 260 pessoas trabalham no projeto, entre diretores, atores, costureiras, cenógrafos, técnicos, coreógrafos e preparadores de voz. Quando estiver em cartaz, a montagem envolverá diretamente 100 profissionais. Com a maior boca de cena entre os teatros cariocas ? 25 metros de largura ?, o palco receberá quinze cenários, entre os quais um painel onde serão projetadas imagens marcantes das quatro edições cariocas do festival e outro que vai reproduzir os bastidores da Cidade do Rock. Quem assina a direção é João Fonseca, mesmo profissional que esteve à frente de Tim Maia ? Vale Tudo, fenômeno de público que levou mais de 200?000 pessoas aos teatros Brasil afora. Rock in Rio ? O Musical é o 11º espetáculo produzido pela Aventura, empresa que tem como sócios Aniela Jordan e Luiz Calainho. A ideia de montá-lo partiu do próprio Medina, que contatou a dupla no início do ano passado. Na visão dos produtores, o público será brindado com um repertório eclético (veja o quadro ao lado), que vai da “poeeeeira” de Ivete Sangalo a sucessos de James Taylor, Queen e Guns N?Roses. “Em um musical, normalmente as pessoas conhecem uma ou duas canções”, comenta Calainho. “Nesse, o público vai se identificar do início ao fim, com um desfile de hits.”

[—FI—]

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Transpor um festival de dimensões gigantescas para um palco entre quatro paredes, mantendo-se fiel ao espírito original, é por si só um desafio. Marca carioca que se tornou internacional, o Rock in Rio já foi visto por mais de 6 milhões de espectadores em suas doze edições, sendo quatro por aqui (1985, 1991, 2001 e 2011), cinco em Portugal e três na Espanha. Ao todo, quase 1?000 artistas já se exibiram no evento. Para conceber sua versão teatral, os produtores mergulharam nesse universo, pesquisando vídeos e publicações variadas. Desde o início o objetivo foi desenvolver um enredo que não tivesse o compromisso literal com a experiência vivida por Roberto Medina, mentor do festival há 27 anos. Assim, o autor do texto, Rodrigo Nogueira, encontrou a fórmula ideal na mescla de uma trama de ficção amparada em fatos verídicos. Há menções, por exemplo, ao momento político do país em 1985, na transição do governo militar para a democracia, à profecia de Nostradamus que alertaria para uma tragédia num encontro de jovens na América do Sul e ao faniquito dado pelo cantor Freddie Mercury (1946-1991), que antes de encarar o público exigiu uma garrafa de saquê a exatamente 20 graus. No palco, não faltarão nem mesmo atores encarnando astros do megashow, como Nina Hagen, Elton John e Cazuza. “A história toda é incrível, mas optamos por levar para o palco o seu conceito, que é o poder da música de transformar o mundo”, explica Fonseca.

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Uma peça do vulto de Rock in Rio reflete o patamar que o gênero alcançou no país. O Brasil já é o terceiro maior produtor de musicais do mundo, perdendo apenas para Estados Unidos e Inglaterra ? embora ainda esteja muito atrás na capacidade vocal dos artistas, salvo poucas exceções. Nos últimos anos, não há dúvida, o gênero se consolidou, escancarando as portas para os atores que buscam se especializar nessa modalidade. Nada menos que 3?000 candidatos mandaram currículo para a produção do espetáculo, e cerca de 600 pessoas participaram das audições. Com alguns nomes conhecidos, como Lucinha Lins e Guilherme Leme, o elenco é essencialmente jovem. No papel dos protagonistas estão Hugo Bonemer, 25 anos, de Hair, e Yasmin Gomlevsky, 19, que há dois anos viveu o papel-título em O Diário de Anne Frank.

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A nova atração marca também uma mudança na concepção artística da Aventura, que de cinco anos para cá pôs em cartaz dez superproduções, entre elas O Mágico de Oz, Um Violinista no Telhado e A Noviça Rebelde, todos títulos importados da Broadway. Agora, a ideia é fazer peças nacionais, com histórias, coreografias e temas concebidos aqui. “É a hora de investir em conteúdo brasileiro. O mundo quer consumir nossa cultura”, acredita Aniela. Por sinal, a peça é a primeira da Aventura que não tem a direção da consagrada dupla Claudio Botelho e Charles Möeller. Nos bastidores, comenta-se que a imposição do tema azedou a parceria entre eles e os sócios da produtora. “Optamos por sair por não nos identificarmos com o projeto, mas gosto muito do trabalho do João Fonseca e torço pelo sucesso”, afirma, diplomático, Möeller.

Adaptar para outras molduras eventos musicais que se tornaram o retrato de uma época não é exatamente uma novidade. Realizado no sul da Inglaterra desde a década de 70, o Festival de Glastonbury, um dos mais emblemáticos do mundo, inspirou um documentário em 2006. Assinado por Julien Temple, o mesmo que dirigiu uma fita sobre a banda inglesa Sex Pistols, o filme reúne imagens oficiais e captações amadoras de várias edições. O mais célebre encontro do gênero do século passado, Woodstock também foi retratado nas telas de diversas maneiras. Em 2009, quando se comemoraram quarenta anos da mítica comunhão de jovens em uma fazenda no interior do estado de Nova York, foi lançado o longa Aconteceu em Wood­stock, do diretor taiwanês radicado nos Estados Unidos Ang Lee. Já a peça inspirada no festival carioca é o ponto de partida para transformar o Rock in Rio em uma marca multiplataforma. Alguns filhotes já viraram realidade. No próximo Carnaval, a Mocidade Independente leva para a avenida o enredo Eu Vou de Mocidade com Samba e Rock In Rio ? Por um Mundo Melhor, numa mistura sintetizada no verso “pandeiro, guitarra, suingue perfeito”. Ainda em fevereiro começa a ser rodado um filme que traça uma linha do tempo desde o longínquo (e enlameado) verão de 1985 na Cidade do Rock. Produzida pelo experiente Diler Trindade e com direção do catarinense Roberto Carminati, a fita deve ser lançada em agosto, às vésperas da quinta edição.

Por ora, o foco se volta para esse Rock in Rio entre quatro paredes, que chama atenção não só pelo conteúdo mas também pela instalação onde será encenado. Dez anos após começar a ser erguido, ao custo total de 500 milhões de reais, o Complexo Cultural da Cidade das Artes, enfim, abrirá as portas. O presidente da RioArte, Emilio Kalil, responsável pela gestão do espaço, explica que essa estreia será um soft opening, pois ele só terá sua estrutura completa em funcionamento no decorrer de 2013. Para ocupar a Grande Sala ? um majestoso auditório revestido de freijó, uma madeira nobre ?, os realizadores do espetáculo, como contrapartida, se comprometeram a equipar as bilheterias, montar uma bombonière e uma lojinha, além de ordenar um estacionamento para 300 veículos. Por ali, não é exagero dizer que, depois de quatro anos ocioso, a vida vai começar agora. E nada melhor que os acordes da versão de bolso do festival carioca para celebrar esse nascimento.

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