O centenário do poetinha

Enredo da União da Ilha para este Carnaval dá início às comemorações dos 100 anos de nascimento de Vinicius de Moraes

Por Thaís Meinicke
Atualizado em 5 jun 2017, 14h11 - Publicado em 6 fev 2013, 17h01
foto Wagner Berber
Vinicius de Moraes: Poetinha nos deixou há exatos 40 anos (Wagner Berber/Reprodução)
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Acostumado a enaltecer as belezas da Zona Sul carioca em verso e prosa, Vinicius de Moraes (1913-1980) certa vez declarou: “Não direi nunca que os mares têm para mim o encanto tranquilo do mar da Ilha do Governador, onde, em Cocotá, fui, durante minhas férias, o menino mais feliz e mais descarado do mundo”. Em meio a brincadeiras e fugas noturnas para as areias da praia, foi lá que, na entrada para a adolescência, ele deu seu primeiro beijo, em uma moça chamada Marina, irmã de seus amigos Mário e Quincas. Depois veio Rosário, uma mulata com quem, sob a luz verde da Lua, o garoto de 15 anos dizia ter tido sua iniciação sexual. As duas, assim como o próprio bairro, viraram título de poema e abriram as portas para uma extensa produção, que nunca deixou de ter o amor como um de seus pilares. Inspirada nessa relação íntima com aquela parte da cidade, a escola de samba União da Ilha abre as homenagens ao poetinha, como era carinhosamente chamado, no ano em que ele completaria 100 anos. “Queremos mostrar outro lado dele que, por várias razões, acaba esquecido”, diz o carnavalesco da agremiação, Alex de Souza, sobre o enredo Vinicius no Plural – Paixão, Poesia e Carnaval.

Além de compositor reconhecido internacionalmente – Garota de Ipanema é a segunda canção mais executada da história, atrás apenas de Yesterday, dos Beatles -, Vinicius foi autor de uma obra multifacetada. Não à toa, essa versatilidade está servindo de inspiração para vários eventos culturais na temporada de seu centenário. Um dos mais aguardados é a montagem na Broadway do musical Orfeu Negro, baseado na peça em que recriou a tragédia grega de Orfeu e Eurídice em uma favela carioca. Encenado pela primeira vez em 1956, com cenografia do arquiteto Oscar Niemeyer, Orfeu da Conceição, além de ter sido um marco na cultura brasileira por levar apenas atores negros ao palco do Theatro Municipal, marcou o início da parceria musical entre Vinicius e Tom Jobim. Com estreia prevista para novembro, a versão internacional terá adaptação e direção, a convite do produtor americano Stephen C. Byrd, de Claudio Botelho e Charles Möeller, a gabaritada dupla das grandes produções nacionais. “Como a peça original não tem estrutura de musical, estamos adaptando-a para esse formato e incluindo canções do próprio Vinicius, mas a essência da história continuará a mesma”, explica Botelho sobre a trama que encantou até o presidente dos Estados Unidos – em sua autobiografia, Barack Obama recorda com carinho o dia em que assistiu ao filme na companhia da mãe.

Na seara mais conhecida do poeta e diplomata, conforme muitas vezes se apresentava, as homenagens são muitas. A GEO Eventos, responsável pelas comemorações oficiais, prepara uma série de ações que se estenderão de outubro de 2013, mês do aniversário do autor de Soneto de Fidelidade, até o ano seguinte. A largada será dada com um grande show em que astros da MPB interpretarão suas músicas mais conhecidas. A homenagem prossegue com uma exposição audiovisual que começa em São Paulo, no Museu da Língua Portuguesa, e depois vem para o Rio, em local a ser definido. “Será uma mostra que vai juntar não só músicas mas também publicações, ví­deos, fotografias e documentos pes­soais”, conta o cineasta e curador do projeto Miguel Faria Jr. Para os fãs mais apaixonados, duas boas notícias. No ciclo de festividades, estão previstos uma nova montagem do espetáculo infantil Arca de Noé, cujas letras estão gravadas na memória de brasileiros de todas as idades, e o lançamento de uma caixa de discos que reúne toda a sua produção disponível nos arquivos da Universal, em que foram gravados alguns de seus mais emblemáticos hinos sentimentais.

É incontestável a contribuição de Vinicius de Moraes para a cena cultural brasileira do século XX. Escreveu poemas, livros, peças, letras e participou de filmes. Foi amigo de Mário de Andrade e Manuel Bandeira, compôs com Tom, Pixinguinha, Baden Powell, Antonio Maria, Chico Buar­que e outros. Seu último parceiro foi Toquinho, 33 anos mais novo. Um dos seus segredos era justamente se renovar, de tempos em tempos, interagindo fortemente, ora com as gerações anteriores, ora com as novas. “É uma trajetória muito rica. Por isso, vale a pena resgatar essa história e mostrar o papel dele para a construção do nosso tempo”, diz Fred Coelho, pesquisador e professor de literatura da PUC-Rio. Responsável pela coordenação de conteúdo do site viniciusdemoraes.com.br, o acadêmico prepara, com a família, um presente para o público: a disponibilização completa da sua obra. Ela deve incluir uma raridade. Trata-se do manuscrito da letra de Chega de Saudade, o samba-canção que deu início ao movimento da bossa nova sob os acordes de João Gilberto em 1958. “Todo o trabalho do meu pai estará no site, em sua forma original e à disposição de todos. Foi um pedido dele”, explica Maria de Moraes. A bênção, poetinha.

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