Um time de craques brasileiros relembra fatos marcantes em Copas
Às vésperas do Mundial da Rússia, onze jogadores que já passaram por times do Rio revelam suas memórias mais relevantes com a camisa da seleção brasileira
Um álbum de todos os brasileiros que já conheceram a glória de vencer a Copa do Mundo com a camisa canarinho teria 94 figurinhas. Nessa exclusiva galeria da fama, 71 personagens ainda estão vivos — e guardam muita história para contar. Às vésperas do início do Mundial na Rússia, VEJA RIO montou um time próprio, com onze craques, para revelar o que eles fizeram nas Copas passadas. O escrete, respeitável, inclui campeões mundiais de 1970 (Rivellino e Gerson), de 1994 (Bebeto, Branco, Jorginho, Ricardo Rocha, Romário e Zinho), o maior artilheiro brasileiro em Copas (Ronaldo Fenômeno, campeão em 1994 e 2002) e dois grandes injustiçados, que não chegaram a levantar a taça. Zico e Júnior jogaram muito, mas não saíram com o título em 1982. As lembranças vão do divertido ao trágico, passando por revelações surpreendentes. Como se sabe, o álbum dos brasileiros na Copa vai ganhar novos cromos, com os 23 atletas que estão a caminho da Rússia. Em preparação desde 21 de maio, os comandados de Tite já embarcaram para a Europa para os treinos e amistosos que precedem a estreia da equipe, no dia 17 de junho, contra a Suíça. No percurso até a final (oxalá!), serão 56 dias de concentração, jogos decisivos e viagens. A pressão é gigante, principalmente quando o retrospecto recente traz traumas até para o torcedor menos apaixonado. Nesse período, o que passa pela cabeça dos jogadores? Como é o clima na concentração? Nossas figurinhas brilhantes contam o que já aconteceu nos depoimentos a seguir. Rola a bola.
O galo da madrugada
Maior artilheiro da história do Maracanã, ídolo supremo dos rubros-negros e presença certa nas listas de melhores jogadores de futebol do planeta, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, defendeu a seleção brasileira em três Copas do Mundo. Até hoje carrega a frustração de não ter levantado o troféu. Mais: em cada participação, protagonizou um lance polêmico que ainda alimenta o debate nas torcidas a favor e contra. Na estreia, em 1978, na Argentina, teve um gol de cabeça anulado contra a Suécia: o árbitro Clive Thomas decidiu encerrar a partida com a bola no ar, antes de o meio-campista empurrá-la para o fundo da rede. “Aquilo foi um sinal de que a Copa do Mundo não era para mim”, diz o jogador, sobre o erro absurdo do juiz. Quatro anos depois, o maestro do inesquecível time de 1982 caiu diante da Itália, nas quartas de final, no jogo conhecido como “A Tragédia do Sarriá” — nome do estádio espanhol onde perdemos por 3 a 2. Zico disputou seu último Mundial em 1986. Meses antes, havia sofrido uma grave lesão no joelho, jogando pelo Flamengo. Às vésperas da Copa do México, não se sentia bem, tanto que madrugava todos os dias. “Na concentração, acordava antes dos outros jogadores para fortalecer o joelho na academia.” Chegou a pedir a Telê Santana para não seguir adiante, mas o técnico não lhe deu ouvidos. O resto é história: Zico perdeu uma penalidade máxima contra a França, que empatou no tempo regulamentar e saiu vitoriosa na cobrança de pênaltis. Aos 65 anos, o craque conclui: “Não respeitei meu coração, que pedia para eu não ir”.
O homem da caixinha
Rápido no ataque, conhecido pelos cruzamentos precisos e bom marcador, Jorge de Amorim Campos, o Jorginho, hoje aos 53 anos, foi o dono da camisa 2 nas Copas do Mundo de 90 e 94. Se dentro de campo a eficiência era o seu forte, fora das quatro linhas o lateral-direito tinha fama de responsável e bom moço. Por isso, o ídolo do Flamengo, do Vasco e do Bayern de Munique acabou sendo escalado pelos companheiros como “tesoureiro” do time do tetracampeonato, em 1994. A regra era clara: quem desobedecesse às determinações estabelecidas deveria pagar multa de 50 reais. “O grupo criou essa rotina porque aprendeu com os erros de 90, a concentração anterior tinha sido uma bagunça e não queríamos que isso se repetisse”, explica. Cioso de seu dever, Jorginho tratou de observar o cumprimento das normas. Uma delas determinava que todos deveriam sair e voltar juntos de treinamentos, jogos e refeições. Todos mesmo. Um belo dia, o técnico Carlos Alberto Parreira e seu assistente, ninguém menos do que o ex-craque Zagallo, infringiram a lei e deixaram o treino antes da hora. Pressionado pelos colegas, o homem da “caixinha” foi cobrar o dinheiro dos dois. “Parreira tinha aquele jeito de paizão, polido, achei que não teria problema”, lembra. Errou feio. O treinador, que havia saído antes para acompanhar uma partida do próximo adversário do Brasil, deu um soco na mesa, esbravejou e respondeu: “Eu mando aqui! Vou e volto na hora que quiser!”. Segundo Jorginho, o episódio foi crucial para a conquista, já que todos conheceram o outro lado do professor. “Vimos que, além de um cara inteligente, tínhamos um comandante de pulso firme. E, claro, depois nos reunimos e deixamos a comissão de fora do acordo”, recorda, aos risos.
Não teve título, mas teve hino
O apelido de maestro cai como uma luva. Paraibano de alma carioca, Leovegildo Lins da Gama Júnior, criado no Rio desde os 5 anos, não demorou a se deixar seduzir pelo samba. Influenciado pelo tio instrumentista Vavá, o garoto desde cedo demonstrou talento no pandeiro — além da habilidade com a bola que o levou a consagradoras conquistas no Flamengo. Na seleção, Júnior não levantou a taça, mas brilhou como lateral-esquerdo do Brasil em 1982, no time que encantou o planeta. Naquela Copa, ele uniu as duas paixões: samba e futebol. A equipe chegou à Espanha como favorita. “A diferença entre aquele time e o de 70 era o Pelé. De resto, os dois plantéis se equivaliam”, afirma o hoje comentarista, aos 63 anos. Pouco antes, atacou de cantor e gravou o tema da torcida brasileira: o compacto com o samba Povo Feliz (mais conhecido como Voa Canarinho), de Memeco e Nonô, estourou, conquistando discos de ouro e de platina. No torneio, com o time embalado, Júnior marcou contra a Argentina (vitória nossa, 3 a 1) seu único gol em Copa do Mundo. “Quando me vi na frente do goleiro Fillol, já estava reconhecendo um som familiar”, lembra. Naquele exato momento, atrás da baliza adversária, a banda do navio Custódio de Mello, da Marinha do Brasil, atacava os primeiros acordes de Voa Canarinho. “Fiz o gol, saí para comemorar e, quando ouvi a torcida cantando junto, comecei a sambar.” A famosa comemoração, a partir daí, tornou-se sua marca registrada.
Cada um com seu parceiro
No clássico último verso do Soneto da Fidelidade, o poeta Vinicius de Moraes deseja que o amor “seja infinito enquanto dure”. A forte união entre Romário e Bebeto durou apenas uma Copa, a de 1994, mas foi suficiente para levar a seleção brasileira a conquistar o título, esperado desde o tri, em 1970. Menos dado a polêmicas do que o companheiro de ataque, o baiano José Roberto Gama de Oliveira, 54 anos, conseguiu a proeza de tornar-se ídolo das torcidas de Flamengo, Vasco e Botafogo. O atacante rápido, com faro de gol, ainda disputou todos os Mundiais da década de 90. No primeiro, na Itália, a dupla brigava por vaga no time titular. “Lazaroni, o técnico, dizia que cada um teria seu parceiro. Ou jogaríamos eu e o baixinho, ou entravam Careca e Muller”, lembra. Contusões prejudicaram os planos da primeira dupla. Romário recuperava-se de uma fratura, não estava cem por cento, e Bebeto machucou-se em um treino, já no torneio. “Quando estava no chão gritando de dor, só lembro do Romário dizendo: “Não sai, é a nossa chance!”, conta. O sonho acabou adiado para 1994, nos Estados Unidos, mas se realizou com sobra. Na campanha do tetra, Romário (cinco gols) e Bebeto (três gols) arrebentaram. “Romário jogou muito, mas eu também poderia ter sido eleito o melhor jogador do Mundial”, garante o baiano.
Maradona confessou
Ao longo de três Copas do Mundo, Cláudio Ibraim Vaz Leal, o Branco, 54 anos, reuniu invejável repertório de causos. Ídolo do Fluminense, o ex-jogador guarda lembranças, umas divertidas, outras dolorosas, como a eliminação de 1986, além de um episódio bizarro: o da “água batizada”. Nas oitavas de final, em 1990, contra a Argentina, o jogador recebeu uma garrafa do massagista Miguel Galíndez, bebeu seu conteúdo e sentiu-se zonzo. “Sabe quando você toma umas, deita e fica tudo rodando? Achei que ia morrer”, diz o lateral, que denunciou a trapaça após o jogo e não recebeu crédito. “Tempos depois, fomos fazer um amistoso contra os argentinos em Recife. As duas delegações dividiram o avião e o zagueiro Oscar Ruggeri me contou que uma das garrafas estava com tampa de cor diferente, para ser dada a algum brasileiro”, conta. O assunto só veio a público em 2004, quando Maradona confessou o feito em seu programa de TV. De volta ao Mundial em 1994, Branco marcou, de falta, o golaço que garantiria a vitória contra a Holanda, em uma das mais difíceis partidas da campanha do tetracampeonato, nos Estados Unidos. Por lá, ele ainda encontrou tempo para se divertir. Em um dia de folga, saiu para passear pela cidade de São Francisco com o zagueiro Ricardo Rocha. A bordo de um Mustang alugado, e com noções rasteiras de inglês, a dupla se enrolou. “Eu dirigia e ele se embananava, dizendo avenue right, não, street left”, conta o motorista Branco. A certa altura, piloto e copiloto entraram na Golden Gate Bridge, mas na contramão. “Veio polícia de tudo quanto é lado, pensei que iam nos levar para a prisão de Alcatraz”, lembra, às gargalhadas.
Artilheiro até nas horas vagas
Eleito o melhor jogador da Copa dos Estados Unidos e autor de gols cruciais na campanha do tetra, Romário quase ficou de fora do Mundial de 94. Menos por questões técnicas do que por incompatibilidade de gênios, o Baixinho andou afastado da equipe do Brasil nas eliminatórias. Na época, diante do risco de um feito inédito — o país não se classificar para uma Copa —, os comandantes Parreira e Zagallo recuaram e convocaram o artilheiro no jogo decisivo. Resultado: em pleno Maracanã, em 19 de julho de 1993, a seleção ganhou do Uruguai por 2 a 0, gols do bad boy, que, hoje, aos 52 anos, alterna partidas de futevôlei no Rio com conversas ao pé do ouvido em Brasília, onde veste o uniforme de senador da República. Num rasgo de humildade, Romário de Souza Faria divide os louros da conquista de 1994 com os companheiros. “Uma cena me marcou muito antes da final. No vestiário, quando estávamos orando abraçados de cabeça baixa, abri o olho e vi garra e união no semblante de todos”, conta. Como se sabe, no entanto, treino é treino, jogo é jogo e folga é outra coisa. Em momento de descanso na competição, Romário conheceu uma torcedora brasileira em um shopping. “Começamos a conversar e fomos passear em um parque perto dali”, relata. Papo vai, papo vem, quando chegou a hora de voltar para a concentração o lugar estava vazio e fechado. O craque foi obrigado a improvisar, como fez tantas vezes na cara do gol. “Vi um carro de polícia do lado de fora, peguei uma pedra e tum, joguei nele”, revela. Da viatura desceram dois policiais, um americano e o outro cubano, dando bronca em inglês e em espanhol. “Não entendia nenhum dos dois, mas consegui voltar para a concentração.”
Aposentadoria adiada
Com lugar de destaque na história do Brasil em Copas, quatro campeonatos disputados, Ronaldo fez sua estreia nos Estados Unidos em 1994. Era uma promessa aos 17 anos, viajou para ganhar experiência e não chegou a jogar. No Mundial seguinte, na França, já tinha status de estrela. Comandou a campanha avassaladora que teve um anticlímax na final: a derrota por 3 a 0 para os donos da casa. Na noite da véspera, o craque sofreu convulsões e era dúvida até entrar em campo, em atuação irreconhecível. Em 2002, no torneio com a tabela dividida em estádios da Coreia do Sul e do Japão, finalmente levantou a taça deixando suor em campo. O pentacampeonato foi uma senhora volta por cima: além do desastre da final anterior, uma séria lesão sofrida em 2000 o afastou dos gramados por um ano e levou muita gente a apostar em sua aposentadoria. Na decisão contra a Alemanha, em 2002, depois de marcar os dois gols da vitória, Ronaldo Nazário de Lima, carioca de Bento Ribeiro, foi substituído pelo técnico Felipão. “Ele me tirou para eu sentir o que estava acontecendo. Sentei no banco e vi um filme dos últimos dois anos. Chorei feito criança”, conta. Hoje, aos 41 anos, ele vai mais longe ainda. “Na Copa de 82, eu, lá em Bento Ribeiro, pintava a rua de verde e amarelo e me imaginava como jogador. Assistia aos jogos na casa de um vizinho que tinha TV grande”, recorda. Aos 30 anos e brigando com a balança, o Fenômeno ainda vestiu a amarelinha em 2006. Fez três gols, chegou aos catorze em Copas e superou Pelé, que marcou doze vezes, como o maior artilheiro do Brasil no torneio.
“É kamikaze, seu burro”
Xerife da zaga, titular absoluto, Ricardo Rocha desabou a vinte minutos do fim do primeiro jogo do Brasil na Copa de 94 — a vitória por 2 a 0 contra a Rússia. “Caí gritando de dor e senti que não dava mais. Foi muito triste”, lembra. Seu papel na conquista do tetra estava apenas começando. A pedidos, o jogador, mesmo sem condições físicas, não foi cortado da equipe pelo técnico Parreira. “O Ricardo comandava as brincadeiras, puxava orações, gritos de guerra. Fazia uma festa, e isso era importante”, lembra o atacante Bebeto. O Brasil avançava, e a cada jogo o becão trazia uma nova mensagem para o time. Na final, claro, o discurso tinha de ser especial. “Pensei a semana toda no que falar, até ensaiei, mas, na hora, resolvi improvisar”, conta Rocha. Pouco antes de pisar no gramado do Rose Bowl, na Califórnia, o time ouviu que o povo brasileiro merecia aquela vitória e todos deveriam dar a vida pelo título. “Foi quando lembrei daqueles pilotos japoneses suicidas que lançavam seus aviões contra o alvo na II Guerra.” Nesse instante veio a bola fora. “Temos que ser iguais aos kawasakis!”, comparou o guru. “É kamikaze, seu burro”, replicou Romário, antes da gargalhada geral. “Fui derrubado, me bateram, mas ninguém perceberia se o Romário não tivesse falado. Era todo mundo burro”, diverte-se ele, hoje aos 55 anos.
A promessa foi cumprida
Os olhos de Zinho ficam marejados quando ele se lembra da campanha do tetra, mas a reação não tem a ver apenas com bola rolando. Em 1970, Crizam César de Oliveira Filho tinha 3 anos e, na final da Copa, estava na casa de um tio com a família. Após a vitória do tri, em meio aos festejos, o menino correu para a rua e se perdeu, deixando para trás um dos sapatinhos. Desesperada, sua mãe rezou agarrada ao calçado e prometeu aos céus que, se o reencontrasse, faria do filho um jogador. Funcionou, mas ela não teve a chance de acompanhar essa trama até o fim. Em setembro de 1993, Zinho foi um dos destaques no decisivo jogo contra o Uruguai, pelas eliminatórias, que garantiu o Brasil na Copa. “Minha mãe estava internada, com problemas cardíacos”, lembra o jogador, que saiu do Maracanã direto para o hospital. “Seus batimentos aceleraram quando orei e falei que tínhamos nos classificado para a Copa. Saí e não se passaram quinze minutos para que os médicos noticiassem o óbito”, lembra o ex-jogador, de 49 anos, fundamental para a conquista da Copa em 1994. Como apostou sua mãe, o pezinho canhoto fez história.
Meu bigode, não
Consagrado por Fluminense e Corinthians, Rivellino foi uma das muitas estrelas do time brasileiro na Copa de 70. Habilidoso, conhecido pelo chute forte, o ex-jogador ficou marcado tanto pelo talento quanto pelo vasto bigode que, por pouco, não ficou no México mesmo: caso o Brasil vencesse, metade dele deveria ser raspada em cumprimento de uma aposta. O caneco veio e os barbeiros entraram em ação. “Ainda no vestiário, o Brito (zagueiro) e o Nocaute Jack (massagista) me imobilizaram. Cercado, gritei pelo Antonio Passos (chefe da delegação) e me soltaram”, lembra. Susto maior veio antes, na concentração em Guanajuato, quando o time foi acordado por uma gritaria. “Fui ver o que era e o Tostão estava deitado com uma mancha de sangue no olho. Tinha sofrido um derrame”, conta. Para felicidade geral da nação, o craque ficou bem. Seu reserva imediato, Dadá Maravilha, ainda tentou cavar uma vaga na final, apelando ao lado supersticioso do técnico Zagallo. “Dario disse ter sonhado que ganharíamos de quatro, com dois gols dele. Zagallo até cogitou, depois pensou: quem ia sair? O Tostão? Não dá”, conta Roberto Rivellino, aos 72 anos.
Um papagaio no tricampeonato
Na seleção brasileira que disputou a Copa de 70, entre Pelé, Rivellino, Carlos Alberto Torres e outras feras, Gerson destacava-se pelos lançamentos longos e precisos, mas também pela oratória abundante. Por essa segunda característica, “o canhotinha de ouro” ganhou do Rei Pelé outro apelido: Papagaio. O ex-jogador revela que a partida mais difícil não foi a última, disputada com a Itália, mas a semifinal contra o Uruguai. “Falavam tanto do fantasma do Maracanazo (a derrota para o Uruguai na final de 1950) que não jogamos absolutamente nada”, reconhece ele. No intervalo veio a bronca. “O que está acontecendo? Por que até agora não jogamos?”, berrou o técnico Zagallo. O time acordou e venceu por 3 a 1. Aos 77 anos, hoje comentarista, Gerson de Oliveira Nunes diz que gostaria mesmo é de ainda estar em campo. “Que saudade. A p… da idade é que atrapalha”.