Artistas e público renovam o vínculo com o teatro durante a pandemia

Mesmo com a permissão de reabertura das salas cariocas em outubro, algumas mantêm-se fechadas. Mas o palco tem encontrado novos lugares e formatos

Por Ericka Levigard
Atualizado em 30 nov 2020, 13h50 - Publicado em 27 nov 2020, 13h52
Teatro vazio, com cortinas fechadas
Teatro e cinema: concursos são, mais do que nunca, um incentivo para os artistas (Pixabay/Reprodução)
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A pandemia recalibrou o vínculo intrínseco, de amor, entre o artista e o público do teatro. Mesmo com a permissão de reabertura das salas cariocas em outubro, algumas mantêm-se fechadas, outras restringem o espaço da plateia, enquanto vários espetáculos seguem no formato online. Embora a relação com o público jamais tenha se perdido, atrizes, atores e audiência ajustam-se a novas formas de encontro, e de aprendizado. A atriz, cantora, bailarina e dubladora Fabi Bang, destaque do teatro musical brasileiro e integrante da encenação digital Dreamcast, conta que precisou se adaptar à falta (temporária) de interação presencial.

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“Foi uma experiência mais fria. Não considerei propriamente teatro, mas um set de gravações. O teatro não existe sem o público. A performance só acontece se houver troca de energia”, ressalta a artista, formada em balé clássico pelo Teatro Municipal do Rio.

A produção estava vinculada ao Fundo Iasmine, criado com a também atriz Myra Ruiz para auxiliar técnicos de teatro desempregados. Segundo Fabi, a campanha ajudou mais de 102 famílias, com a “generosidade e a empatia do público e dos próprios profissionais”. No Dreamcast, artistas do gênero musical gravavam num teatro vazio. A iniciativa desdobrou-se ainda em show num drive-in paulistano. Uma experiência inédita. “Eu me senti num filme da Disney, em que os carros parecem ter vida. Foi muito diferente, porque não tinha a troca de olhares com as pessoas. A gente acaba esquecendo que aquele carro está ali por ter pessoas dentro”, lembra Fabi.

Embora experiências assim construam novos aprendizados e interações, a comunhão com o público é essencial para os artistas. Para tentar compensar as restrições impostas com a pandemia, Fabi montou um curso online para transmitir sua experiência profissional em audições. Uma saída para manter-se profissionalmente ativa e preservar o contato com a audiência.

“Era necessário dividir o meu conhecimento. Precisava fazer isso como uma missão. Meu público não tem consciência do retorno emocional que eu tenho, da realização que isso me proporciona. O curso supriu a ausência presencial, mas de uma forma diferente. O contato individual é muito especial e acaba estreitando o nosso vínculo “, justifica a carioca de 36 anos.

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A valorização do elo presencial não exclui a importância crescente da convivência nas mídias sociais. Protagonistas de sucessos do teatro musical brasileiro de montagens de sucessos do teatro musical, como Kiss Me, Kate, Wicked e A Pequena Sereia, Fabi Bang reúne quase 50 mil seguidores nas redes Filha de artistas, a atriz acredita que a arte é um universo de muitas possibilidades. Mais do que fãs, ela os considera “grandes aliados” do poder transformador da arte.

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Fabi Bang (Divulgação/Divulgação)

O ator e cantor João Pedro Chaseliov, ex-participante do The Voice Kids Brasil, também faz das redes sociais, principalmente o Instagram, um caminho para estreitar a relação com o público, esmorecida nesses tempos restritos. “Na pandemia, fiquei muito mais ativo nas redes sociais. Com o projeto 40 Músicas Durante a Quarentena, postei 40 covers no Instagram”, disse.

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João Pedro Chaseliov (Acervo pessoal/Divulgação)

A experiência o estimulou a produzir vídeos curtos no Tik Tok, plataforma na qual entrou por insistência de amigos. Em quatro meses, o artista de 15 anos alcançou um milhão de seguidores. Hoje tem o dobro.  Um reconhecimento que, diz ele, transformou-se na principal motivação na quarentena. João Pedro reconhece que as redes digitais facilitam a comunicação com seu público, mas ressalva: “Há uma grande diferença entre a interação presencial e a virtual. Quando estou gravando vídeos, eu só vejo a câmera. No teatro, a gente pode olhar para a plateia, dentro do olhinho de cada um, que está brilhando. É incrível. Pela internet, percebemos que as pessoas estão gostando pelos likes, pelos comentários, o que é bem diferente. Sinto falta das pessoas aqui, mandando as vibrações e a energia”.

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A recíproca é verdadeira. A estudante Ellen Melim, frequentadora assídua de peças teatrais, espera recuperar logo a rotina de ir ao teatro pelo menos uma vez por mês, para satisfazer o gosto de “sentir os atores na minha frente”. Apesar do valor presencial, a jovem de 17 anos pondera que as formas remotas de apresentação expandem “as possibilidades de fazer arte” e, assim, a geração de conhecimento. Além disso, acrescenta Ellen, ajudam a suportar as dificuldades decorrentes da crise sanitária: “Isso tem sido de uma importância extrema para manter a saúde mental das pessoas em casa. Sem isso, a vida estaria muito mais caótica ” e destaca que por um lado, o teatro ficou mais acessível.

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Para a estudante, a relação com o público segue primordial: “Se eu assistir a mesma peça dez vezes, ela será diferente em cada uma delas, porque o público não é o mesmo. A energia trocada é outra, influenciando a interpretação. Tudo é uma grande balança em que todos estão tentando equilibrar”, observa.

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A atriz, cantora e professora de teatro e de canto Tatiana Sobral precisou reequilibrar a rotina profissional que lhe rendeu, nos mais de 20 anos de palco, diversos prêmios e indicações em festivais nacionais e internacionais por interpretações em peças e webséries. Ela divide com André Poyart a direção musical do grupo Rio Web Fest, referente ao maior festival de webséries do mundo. O reencontro com o público presencial veio no dia 11 de novembro, numa apresentação na Cidade das Artes. Um reencontro “de arrepiar”: “Quando tive a oportunidade de estar novamente no palco, foi de arrepiar. Até então, nossos ensaios haviam sido virtuais e de casa. Quando a gente se juntou, foi emocionante”.

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Tatiana Sobral (Redes sociais/Reprodução)
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Formada na Escola de Teatro Martins Penna (Unirio), na Escola de Música Villa-Lobos e no Conservatório Brasileiro de Música, Tatiana conjuga, desde 2007, a vida teatral com o universo acadêmico. Ela admite a dificuldade de adaptar ensaios e apresentações aos novos protocolos de segurança: “No ensaio presencial, todos chegaram de máscara. Na hora de cantar, como o som fica abafado, tivemos que tirá-la e colocar o face shield (proteção do rosto), que ficava embaçando. Não abrimos mão dele, e passávamos álcool gel a todo momento”, relata.

Já as apresentações combinaram transmissão ao vivo, pela internet, e uma pequena plateia presencial (ficaram disponíveis só 100 dos 439 lugares do Teatro de Câmara). Tatiana comemora: “Tivemos o privilégio de uma plateia. Ela pode ser reduzida, mas é uma plateia, o que faz toda a diferença”.

Em meio às mudanças e adaptações forçadas pela pandemia, modelos híbridos, como apresentações em drive-in, podem ganhar espaço. Tatiana pondera, entretanto, que “só produções com grande patrocínio conseguem entrar em cartaz neste formato”.

Tatiana Sobral, Fabi Bang, João Pedro Chaseliov e Ellen Melim ilustram a resistência, as incertezas e os desejos que unem artistas e público em torno de novos horizontes culturais. Enquanto aguardam ansiosamente o retorno pleno do clássico ambiente teatral, renovam nos meios digitais o vínculo nuclear, indestrutível, com a arte.

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