‘Já esperava’: classe artística fala sobre a saída de Regina Duarte

Passividade e falta de autonomia, aliadas à inexperiência como gestora e à entrevista na qual minimizou a Ditadura são apontadas como cruciais para a queda

Por Cleo Guimarães
Atualizado em 20 Maio 2020, 14h53 - Publicado em 20 Maio 2020, 11h31
Cariocas do Ano Regina Duarte
Regina Duarte: secretária de Cultura caiu em desgraça junto aos seus colegas, que se queixam de falta de diálogo e de empatia  (Gianne Carvalho/Reprodução)
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Não foi uma surpresa para a classe artística a saída de Regina Duarte da secretaria da Cultura – seu afastamento foi anunciado na manhã desta quarta-feira (20) pelo presidente Jair Bolsonaro, depois de um processo de fritura que se intensificou nos últimos dias. “Não tenho nada contra ela, mas nunca acreditei que fosse dar certo no  cargo“, diz Flávio Tambellini, diretor de filmes como “Bufo & Spallanzani” e “Malu de bicicleta”. Tambellini se inclui no time dos “descrentes desde o início”, em função da pouca autonomia e da falta de experiência política da atriz.

Uma das autoras do manifesto “Regina Duarte não nos representa”, assinado por mais de 8.500 pessoas na internet, a atriz Mariana Lima considera que, além da “assustadora entrevista” que a secretária deu à CNN (na qual minimizou as torturas e as mortes no período da Ditadura), a inabilidade na gestão da pasta foi um dos pontos cruciais para a indignação que tomou conta de “todo mundo” que trabalha com cultura no Brasil. “Não existiu gestão. Ela não entendia que dinheiro do Ministério da Cultura não é do ministério. É um dinheiro que pertence à sociedade, que foi arrecadado”. Diretor do Museu de Arte Moderna (MAM), Fabio Szwarcwald concorda com Mariana. “Ela caiu de pára-quedas ali. Regina não tinha a menor capacidade de gestão para estar onde estava. O grande erro do governo foi achar que só porque uma pessoa tem muitos anos de carreira artística ela teria capacidade de gerir uma pasta tão complexa como a da Cultura”.

O isolamento da secretária também é citado como um dos motivos para sua derrocada. “Faltou a ela um diálogo com a classe”, afirma o deputado federal e ex-ministro da Cultura Marcelo Calero. “Regina ficou totalmente passiva num momento em que, mais do que nunca, o setor cultural precisava de soluções criativas para o setor”. Calero também bate na tecla da falta de experiência administrativa e de autonomia. “Ela não tinha a menor condição de ocupar este cargo, e além disso, o presidente vê o setor da Cultura como adversário, e isso a prejudicou muito.”

Para o presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio, Eduardo Barata, a entrevista à CNN foi um divisor de águas. “A Regina com quem trabalhei em vários espetáculos não é aquela Regina que vimos na TV. Ela sempre foi amável, mas ali ela demonstrou muita frieza e uma falta de visão histórica e de empatia impressionantes“, afirma. Barata, ao contrário de Flavio Tambellini, tinha esperança de que a secretária tivesse sucesso no cargo. “O fato de não ter ambição política me levou a acreditar que ela queria fazer diferença. Mas a verdade é que ela não é uma gestora, é uma atriz”.

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Autora do questionamento que fez Regina ficar indignada e dar, segundo suas próprias palavras, “um chilique” ao vivo na TV, Maitê Proença diz que “tinha afeto por ela”, e odiou vê-la naquele papel. “Fiquei perplexa em assistir Regina se expor daquela forma, tratando a tortura e assassinatos da ditadura como algo corriqueiro, e por ter banalizado as mortes da Covid, em curva assustadoramente ascendente”.

A partir dali, a imagem de artista e atriz passou a se associar também à imagem de alguém pouco sensível a questões que, para a sociedade como um todo, foi e é doloroso. Essa é a opinião do cientista politico e professor da Uerj e ESPM-RJ, Fábio Vasconcellos. “No lugar da imagem da Regina atriz, responsável pela interpretação de papéis importantes na TV e pouco vinculada a questões políticas ou ideológicas, passou a prevalecer a imagem da Regina que faz pouco caso dos mortos por tortura, do período sombrio da ditadura, ou mesmo de alguém pouco sensível à situação pela qual passa o país nesse momento”, diz.

Débora Bloch diz que não teve ilusões. “Não acreditava ser possível fazer um bom trabalho e colaborar com um governo que defende um pensamento fascista”, afirma a atriz. “Difícil acreditar em alguém que se coloca a serviço do projeto autoritário desse governo. Achei que ela seria mais humana do que se mostrou, mas vi que a aproximação dela não era por uma certa ingenuidade, e sim porque ela se identifica com o fascismo mesmo. Depois dessa entrevista, não ficou a menor dúvida”.

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Para o lugar de Regina foi anunciado o nome do ator Mário Frias. “Se não fosse este momento dramático, eu diria: só rindo”, finaliza Eduardo Barata, da APTR.

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