Setembro nem tinha acabado e seis escolas de samba do Grupo Especial já haviam escolhido seu samba-enredo para 2025 — cerca de um mês antes do habitual. Uma delas, a Paraíso do Tuiuti, tinha até gravado a faixa. O calendário antecipado foi uma das primeiras medidas anunciadas pelo recém-empossado presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), Gabriel David. Aos 27 anos, ele se tornou o mais jovem a ocupar o posto e vem se empenhando em trazer novos ares ao Carnaval.
A ideia ao adiantar o cronograma é ter mais tempo para fazer com que os versos caiam no gosto popular, para que depois tomem a Sapucaí. “A gente já vem, de uns dois anos para cá, intensificando a divulgação dos sambas nas redes e plataformas digitais. Pode parecer um tanto óbvio, mas o Carnaval começou a olhar muito tarde para o atual modelo de propagação de música no mundo”, avalia David, antes diretor de marketing da instituição.
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Em geral, os sambas-enredos têm tempo de vida relativamente curto para parâmetros comerciais, mas alguns conseguem furar a bolha do Carnaval. Um exemplo recente é Pede Caju que Dou… Pé de Caju que Dá, da Mocidade Independente de Padre Miguel, uma das músicas mais ouvidas na categoria Viral Spotify Rio em 2024. “Com uma janela mais ampla, o alcance poderia ser ainda maior”, aposta o presidente da Liesa.
O samba da Mocidade teve como um dos autores o comediante Marcelo Adnet, o que reforça uma tendência na folia carioca de contar com artistas de fora do universo do Carnaval na briga para emplacar suas composições. Outra que se aventurou nessas quadras foi Anitta, uma das criadoras do samba que a Unidos da Tijuca vai desfilar em 2025, Logun-Edé — Santo Menino que Velho Respeita. “É uma honra. O Carnaval corre no meu sangue, faz parte da minha formação. Claro que coloquei muito de mim, da minha força, nessa letra”, conta a cantora.
Para observadores de plantão, a presença de nomes como Adnet e Anitta pode trazer frescor às composições. Um dos parceiros da cantora no samba da Unidos da Tijuca, o cineasta Estevão Ciavatta já tinha relação antiga com esse universo (seu primeiro curta, ainda na Universidade Federal Fluminense, girava em torno do mangueirense Nelson Sargento), mas agora ele faz sua estreia como compositor de samba-enredo.
“No passado, você tinha que ser da ala de compositores de uma escola para concorrer. De uns anos para cá, já dá até para compor para várias ao mesmo tempo, o que permite a quem é de fora do mundo das escolas de samba sonhar em estar dentro delas”, analisa Ciavatta. “O nosso samba era o único que tinha uma mulher entre os autores, e elas são muito bem-vindas”, enfatiza. O número delas no páreo, aliás, vem subindo. Neste ano, foram noventa na disputa — Jojo Todynho entre elas, como uma das autoras de um samba para a Mocidade.
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Esses novos ventos vêm sendo bem assimilados pelos integrantes-raiz. Eles celebram tanto a antecipação da agenda carnavalesca, que permite iniciar os ensaios abertos ao público previamente, como a chegada dos outsiders, sem preconceito. Criado na Unidos de Vila Isabel e mestre de bateria de lá desde 2019, Macaco Branco quer mais é ver os holofotes iluminando as composições para além da avenida. “Isso contribui para que o samba alcance lugares inimagináveis”, avalia.
Ele, que frequentemente ministra workshops de percussão e samba-enredo em outros países — Argentina, Colômbia, México, Portugal e Japão, só para citar alguns exemplos —, conta que, em todos esses lugares, existem escolas de samba. “No Japão, por exemplo, tem uma escola de percussão com músicos que foram alunos do nosso saudoso Mestre Trambique, a Quer Swingar Vem pra Cá, liderada pelo mestre Mashu Miyazawa”, diz, e esclarece: “A bateria tem mais de trinta componentes e toca igualzinho ao ritmo da Vila Isabel. Todos os anos eles vêm para o Brasil, para fazer aulas e o desfile do bloco deles”. A festa momesca, como se vê, extrapola cada vez mais fronteiras.
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