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Juliana Paes: “Demorei a entender que era o.k. desagradar.”

Estrelada pela atriz, 'Pedaço de Mim' é a primeira série brasileira a ficar duas semanas consecutivas no primeiro lugar global da Netflix

Por Melina Dalboni
Atualizado em 16 ago 2024, 11h42 - Publicado em 16 ago 2024, 06h08
Juliana Paes
Juliana Paes: "Não temos preconceito de tomar remédio para dor de cabeça, para gripe, dor nas costas, mas ainda temos preconceito de tomar remédio para a cuca funcionar legal" (Instagram/Divulgação)
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Em quase 25 anos de televisão, Juliana Paes esteve em quinze novelas. Considerando os nove meses de duração média de cada produção, pode-se dizer que a atriz ficou mais de onze anos ininterruptos no ar, intercalando protagonistas que fizeram história na teledramaturgia brasileira. Ao romper o contrato de exclusividade com a Globo, em 2022, onde trabalhou durante todo esse tempo, ela não imaginou que alcançaria o mesmo sucesso logo em sua primeira produção para o streaming. Pedaço de Mim, que estrelou para Netflix, é a primeira série brasileira a ficar duas semanas consecutivas no Top 1 global da plataforma, com 22,5 milhões de horas assistidas. Na trama, Juliana interpreta Liana, vítima de violência sexual que engravida de gêmeos de pais diferentes e passa a viver acuada com medo e vergonha. “Sabia que tínhamos um projeto com temas relevantes, com a questão do abuso, do estupro. Ficou claro que estava alinhado com o debate público, mas superou todas as expectativas”, diz a atriz, que acaba de voltar de Los Angeles, onde foi recepcionada pelos executivos internacionais da plataforma. “Estavam todos muito surpresos”, conta. No dia seguinte ao seu retorno, a atriz, já em sua casa no Rio, falou com VEJA RIO sobre sua próxima série, Vidas Bandidas, que estreia em 21 de agosto no Disney+, a importância da terapia e o desafio de criar filhos pré-­adolescentes em tempos de internet e redes sociais.

Assim como Liana, que elaborou aos poucos a violência que sofreu, você já viveu algum tipo de violência que demorou a entender? Vivi algumas situações de violência e de abuso moral, certamente. Na época de modelo, então, muito. Em teste de vídeo e biquíni, é comum pedirem para você virar de um lado e do outro. Mas já aconteceu de esse momento ser muito explorado, de me pedirem para dar várias voltas. Ouvi também muitos comentários machistas e preconceituosos. Aconteceram também abordagens na rua, em que me senti com muito medo. Situações que, anos depois, entendi que foram muito perigosas e eu não fazia ideia.

É verdade que você chegou a perder a libido durante as gravações? Nunca tinha acontecido de uma personagem mexer com a minha parte íntima desse jeito, mas agora aconteceu. Por mais que eu tentasse desligar quando chegava em casa, os pensamentos não desligavam. Alguma parte nossa fica presa nesse lugar. Muda a composição química dos nossos pensamentos. Talvez porque a Liana seja parecida comigo nesse lugar da mulher comum. Também venho de uma família tradicional, também tive uma mãe que tinha sonhos ordinários para a filha. Quando falei que queria ser atriz, minha mãe ficou receosa.

A repercussão de seu primeiro trabalho para o streaming foi uma surpresa? Eu sabia que tínhamos um projeto com assuntos relevantes, com a questão do estupro, do abuso e da violência sexual. Ficou claro que ele estava alinhado com o debate público, o que fez com que a nós acreditássemos que tinha tudo para dar certo, mas superou todas as expectativas. Tínhamos fé na série, mas não imaginávamos que teria esse alcance todo.

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Como foi a viagem a Los Angeles por conta do sucesso de Pedaço de Mim? Tem essa alegria toda do sucesso, mas é uma alegria coletiva também, no sentido da importância que tem levarmos esses projetos brasileiros para o mundo. É importante para a indústria do audiovisual brasileiro como um todo. Mostrar que temos boas histórias, com o nosso olhar e a nossa cultura. A equipe lá fora está muito entusiasmada com a história e com a repercussão. Estavam todos muito surpresos. Isso é muito bom para o streaming brasileiro, temos boas histórias, realização, produção, elenco.

A Liana vive grandes dilemas também com os filhos, se anulando para colocá-los em primeiro lugar. Vivo isso diariamente nas minhas escolhas. Vamos criando um caminho para lidar com a maternidade e as pressões do trabalho concomitantemente. Meu primeiro filho foi muito planejado, em razão do trabalho. Quando o segundo nasceu, em 2013, o diretor Luiz Fernando Carvalho, com quem eu queria muito trabalhar, me convidou para fazer Meu Pedacinho de Chão. Foi superdifícil aquele momento, porque eu escolhi não amamentá-lo com a intensidade que eu gostaria para participar da preparação, que para mim é sempre importante.

Como mãe de dois meninos pré-adolescentes, de 11 e 13 anos, qual o maior desafio que enfrenta? O contato com as redes sociais e com a internet. Por mais cuidadoso que a gente seja, eles estão sempre expostos a algum conteúdo perigoso ou que não é próprio para a idade. Mas impedi-los de ter contato é uma utopia, porque na própria escola os exercícios são orientados através de laptops. Eles vão estar em contato com os gadgets o tempo todo.

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Busca impor limites? Agora mesmo, eu estava falando: “Chega, você já jogou”. Mas não existe um “guia” para educar com redes sociais. Nós somos grandes experimentos em termos de maternar essa geração digital. Não sabemos a métrica. Quanto tempo deixar a criança numa rede social, no joguinho? Como suplantar o prazer desses games? É difícil ser melhor do que um jogo que explode, que dá moedas em troca. Tenho tentado o tempo inteiro. Toda a comunidade de pais e escolas precisa falar sobre isso porque não adianta eu proibir meu filho de jogar e você deixar o seu e o outro deixar ainda mais.

“A nossa geração já entende que é preciso fazer terapia, mas muitas vezes fica adiando até o calo começar a apertar”

O que podemos esperar de Bruna, sua personagem em Vidas Bandidas, que estreia no Disney+? Ela é movida pela raiva e pela vingança e, por isso, ela põe uma violência extrema em prática. Isso é um grande desafio, porque é difícil para mim acessar a raiva e botar para fora.

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Pensa em se dedicar à carreira internacional? Tenho medo, não pelo inglês, que falo muito bem, mas por ficar longe dos meus filhos e perder alguma etapa. Essas escolhas são associadas à questão dos filhos, o que a vida vai proporcionar para eles. Tem que ser bom para todo mundo. Talvez eu esteja voltando a pensar nisso agora, com eles maiores, e com essa possibilidade também de não estar tão presa a um contrato de longo prazo.

Você tem dificuldade de dizer não? É um exercício diário porque fui criada para agradar. Lembro que em uma viagem de família eu estava com um febrão e meu pai falou: “Minha filha, está todo mundo lá fora querendo tirar foto com você, vai lá, eles vão ficar tão felizes”. Aquele era o dia para eu dizer: “Não posso”. Não estava conseguindo nem levantar da cama, mas fui. Demorei a entender que era o.k. desagradar.

A terapia tem ajudado? Muito. Mas não é fácil, porque a minha tendência é dizer sim mesmo quando às vezes é a pior opção para mim.

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O que a motivou a começar a terapia depois dos 40? Somos produto de uma geração de pais que achava que fazer terapia era coisa de alguém que tem algum problema, que não “bate bem”. A nossa geração já entende que é preciso fazer terapia, mas muitas vezes fica adiando até o calo começar a apertar. Comecei a ver que estava ficando tudo muito acelerado, que eu não estava dando conta de elaborar os meus próprios pensamentos, desejos e angústias, e que estava com crises de ansiedade. O nome ansiedade não dá conta de traduzir o distúrbio em si. A terapia me ajudou muito a entender quem sou, onde estou, o que conquistei até aqui. Sou a grande cuidadora da minha família num aspecto mais geral e desde muito cedo. Depois de alguns anos com esta “mochila” nas costas, os medos vão aumentando e virando fantasmas. O excesso de responsabilidade ficou pesado e a terapia me ajudou muito a esvaziar esta mochila.

Como identificou que era ansiedade? Eu demorei a entender. Primeiro, achei que era alguma arritmia cardíaca, porque meus sintomas não tinham a ver com crise de pânico, mas uma batida descompassada no coração. Eu deitava na cama e os pensamentos não paravam. Conversando com amigas e minha irmã, vi que poderia ser ansiedade. A minha foi desencadeada por estresse pós-traumático. Vivi perdas na família muito próximas umas das outras, sem tempo para viver os lutos e com muito trabalho. Precisei diminuir o ritmo, tomar medicação por um tempo. Não temos preconceito de tomar remédio para dor de cabeça, para gripe, dor nas costas, mas ainda temos preconceito de tomar remédio para a cuca funcionar legal.

Não ter o contrato renovado com a Globo em 2022 foi a ruptura que você precisava para sair da zona de conforto? Nunca me senti numa zona de conforto mesmo estando com um contrato na Globo, porque, de uns anos pra cá, eu tive a sorte de poder escolher as coisas que eu queria fazer. Nunca busquei o projeto mais facinho.

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Seu sonho é voltar a ter contrato longo ou se arriscar ainda mais como artista independente? Essa mudança que eu fiz tem a ver com tiros mais curtos. Estava cada vez mais difícil para mim entrar em projetos tão extensos (como as novelas). Isso que estava me angustiando.

Quais os prós e contras de trabalhar no streaming? Tem algo no streaming que é uma liberdade criativa no sentido do que o roteiro propõe e que eu estava sentindo falta. Por outro lado, o streaming ainda está aprendendo a lidar com o tempo dos atores no set, a quantidade de capítulos, é uma carga horária difícil de cumprir se as filmagens forem longas. O conforto e estrutura dos estúdios também precisam ser ajustados. Está se estruturando toda essa dinâmica agora, é como um foguete.

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