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Sebastião Salgado: ‘Foto instantânea de celular não tem valor estético’

Um dos fotógrafos mais importantes da atualidade fala à VEJA Rio sobre a Amazônia, políticas de proteção e a arte da fotografia em um mundo tão conectado

Por Renata Magalhães
15 jul 2022, 08h00
Fotografia - Sebastião Salgado chega ao Rio
Sebastião Salgado: exposição Amazônia ganha espaço no Museu do Amanhã a partir de 19 de julho. (Drew Forsyth/Divulgação)
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É chegada a vez do Rio, motivo para celebrar: após percorrer uma rota recheada por alguns dos melhores museus do mundo — o parisiense Museu da Música, o MAXXI, em Roma, e o londrino Museu da Ciência —, a exposição Amazônia, de Sebastião Salgado, ganha espaço no Museu do Amanhã a partir de 19 de julho. Idealizada por Lélia Wanick Salgado, mulher do celebrado fotógrafo, a mostra apresenta 194 imagens, quase todas inéditas. Misturando a beleza da natureza à força dos povos indígenas, em recortes de seu cotidiano, o trabalho é resultado de uma imersão, por sete anos, na região que cobre o norte do Brasil e se estende por mais oito países sul-americanos, nos quais Salgado registrou doze etnias. “A sofisticação cultural desses povos é colossal”, ressalta o profissional de 78 anos, mineiro de Aimorés, que capta com olho certeiro e rara sensibilidade o seu entorno. Um dos fotógrafos mais importantes da atualidade, ele conquistou recentemente o prêmio internacional Infinity Award, pelo conjunto de sua obra. O foco neste ano foi justamente em nomes que atuam pela conscientização sobre a conservação, a Justiça ambiental e as mudanças climáticas. “Esta exposição tem esse objetivo, alimentar o debate sobre o futuro da Floresta Amazônica, uma preocupação global”, afirma Salgado. De Paris, onde vive com a mulher, ele falou sobre seu projeto na região, políticas de proteção e a arte da fotografia em um mundo altamente conectado.

O que o motivou a fazer essa imersão na Amazônia? A fotografia é um espelho da atualidade, ela responde a uma demanda. Meu trabalho é baseado no registro do que está acontecendo na sociedade da qual faço parte. E a Amazônia se tornou uma preocupação planetária. Trata-se de um bioma essencial para a sobrevivência humana que está, infelizmente, sendo devastado.

O que mais o surpreendeu em seu trabalho de campo? Encontrei tribos que isolaram mais de 2 800 plantas medicinais, que têm antibióticos e anti-inflamatórios, coisas que produzimos de forma sintética. Eles criaram tecnologias que nós apenas sofisticamos, são precursores de tudo o que desenvolvemos.

O senhor considera que as políticas de proteção garantidas por lei estão sendo postas em prática? Apesar de todo avanço conquistado nos últimos anos pela Funai, que trabalhou para zelar por boa parte do território amazônico e das terras indígenas, hoje o cenário é muito diferente. A instituição agora atua em prol do agronegócio, com pessoas de confiança do presidente Jair Bolsonaro em posições que antes eram ocupadas por especialistas.

Poderia citar um exemplo? O atual presidente da Funai é um delegado de polícia, sem nenhum preparo para liderar a maior instituição de cunho social das Américas. Mais um reflexo deste governo altamente predatório que está no poder.

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Como esse descaso, ao qual se refere, abriu caminho para as bárbaras mortes do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira? Se fosse em outra época, quando a instituição cumpria o seu papel, a área onde o crime ocorreu estaria protegida, como determina a Constituição. Por isso, o governo federal, responsável pela Funai, é, a meu ver, coautor dos assassinatos.

“Responsável pela Funai, o governo federal é, a meu ver, coautor dos assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira”

Em um momento dominado por celulares, fotos cheias de filtros e amplo uso das redes, qual o espaço para uma arte como a fotografia? Aquela foto instantânea tirada pelo smartphone e publicada a seguir é uma linguagem de comunicação, através da imagem, sim, mas sem valor estético. É completamente diferente da arte da fotografia. Meus registros da Amazônia são um recorte representativo daquele lugar, durante o período em que trabalhei, com a influência de minha ideologia, cultura e herança. É um ponto de vista sobre uma realidade social.

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Em 2021, o senhor se rendeu às redes sociais. Como é sua relação com a tecnologia? Mal sei ligar o computador. Um jornalista que trabalha comigo é quem cuida de tudo.

A chegada de sua exposição ao Rio o inspira a desenvolver algum projeto na cidade? É difícil escolher um só tema. O Rio é um manancial de imagens. Toda vez que venho à cidade, fico na janela do avião vendo as paisagens mais bonitas que conheço. Já visitei mais de 130 países e nenhum se iguala ao nosso.

O que realmente o encanta? Vou sempre ao Pão de Açúcar e ao Corcovado, sem nunca deixar de me espantar com essa coisa única que é o urbano incrustado na natureza.

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Como foi o percurso até descobrir a vocação para a fotografia? Acabei me formando em economia, fiz doutorado e, muitos anos depois, minha mulher comprou uma câmera para fazer fotos dos seus projetos de arquitetura. Foi quando olhei pela primeira vez o mundo através de uma lente e aí minha vida mudou.

Em que sentido? A partir daquele instante, vi que poderia materializar em imagem o que antes só tinha como emoção.

Por que prefere se expressar em preto e branco? Quando comecei, a fotografia era feita em cores muito contrastadas. Elas tomavam uma importância enorme, que me desconcentrava. Nessa abstração do branco e preto, eu me vi em paz para focar no que realmente importava em cada imagem.

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Como desenvolveu o seu olhar para a fotografia? Isso já está comigo desde menino, do interior de Minas Gerais, de Aimorés, onde nasci. Meu pai me levava ao alto das montanhas para ver a chegada das chuvas, um espetáculo lindo. Essas imagens ficaram em mim. Quando faço um registro hoje, tudo isso vem junto, faz parte de uma herança.

A curadoria da exposição é da Lélia Wanick Salgado, sua parceira há sessenta anos. Quais são os desafios do convívio em tempo integral? Minha profissão me fez viajar muito, enquanto ela seguia sua vida, até que vinham nossos encontros, carregados de felicidade. Tivemos um filho com síndrome de Down que nos ensinou a ver o mundo de outra forma. Além de minha companheira, ela é minha sócia em tudo. Claro que quebramos o pau, brigamos como todo casal, mas ela é a mulher mais cheia de energia que já conheci — 75 anos e bateria novinha. Minha pilha já está bem mais gasta.

Depois de tantos anos e inúmeras honrarias recebidas por seu trabalho, esses reconhecimentos ainda têm significado? Nos últimos seis meses, recebi três grandes homenagens. Isso ainda me toca, sim, pois atrás de cada uma delas há uma grande história. A minha.

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