Victor César Carvalho dos Santos: “A saída é atacar a estrutura econômica”
O secretário estadual de Segurança Pública fala sobre as estratégias que vêm sendo usadas diante do crescimento das áreas dominadas pelo crime organizado no Rio

Após a operação do Bope que resultou na morte do jovem Herus Guimarães Mendes, de 24 anos, e deixou outras cinco pessoas feridas durante uma festa junina no Morro Santo Amaro, no Catete, o secretário estadual de Segurança Pública, Victor César Carvalho dos Santos, volta a ver a atuação truculenta das forças policiais no centro do debate público.
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O outro lado dessa espiral de violência mostra que as mortes de agentes dobraram nos primeiros meses de 2025, em comparação com o mesmo período do ano passado. Diante desse cenário de tensão crescente, acentuado pelo crescimento das áreas dominadas por grupos criminosos, que aumentaram quase 17% em quatro anos, Santos conversou com VEJA RIO sobre os desafios enfrentados desde que assumiu a pasta, no fim de 2023.
Houve erro no planejamento da ação no Santo Amaro? A operação não seguiu os protocolos da Polícia Militar, que incluem avaliação de risco, análise de conveniência e oportunidade, comunicação da cadeia de comando e ó acima de tudo ó a preservação de vidas. Todos os envolvidos estão sendo ouvidos, tiveram as armas recolhidas para perícia e utilizavam câmeras corporais, cujas imagens estão sendo analisadas. A investigação está em andamento, e me solidarizo profundamente com a família do Herus.
O que explica o alto número de mortes em operações? Sempre há uma fase de investigação, que mostra o que será enfrentado, mas os agentes não detêm o controle sobre todas as circunstâncias. O criminoso pode possuir armamento muito pesado ou estar sob o efeito de drogas e atentar contra a vida do policial, que revida e o resultado é esse.
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Mas a própria população relata truculência por parte da polícia… Aquelas pessoas estão subjugadas, seja por um miliciano ou por um traficante. Jamais poderão declarar abertamente o que aconteceu. Quando é para acusar o agente, o morador coloca a cara. Quando tem que falar do bandido, é sempre de forma anônima, com rosto tampado e voz modificada. De quem os cidadãos têm medo?
Por que o crime organizado ainda é o nosso maior desafio na segurança? Devido ao poder bélico. É extraordinária a quantidade de armamento na mão dos bandidos. A gente não tem essa realidade em nenhum outro lugar do Brasil. Em janeiro, a Polícia Militar apreendeu 84 fuzis, enquanto na Bahia, estado muito maior, foram apreendidos 78 ao longo de 2024.
As armas têm mais impacto do que as drogas? A cultura do criminoso carioca é o fuzil, que virou ferramenta de dominação territorial. Os entorpecentes representam apenas 15% do faturamento dessas organizações. A Rocinha é a maior comunidade da América Latina, com 80 000 habitantes, e qual o percentual de usuários? Agora, quantas pessoas consomem água, luz, gás, internet? Tudo isso é explorado, seja pelo tráfco ou pela milícia — e são as armas que mantêm o domínio. Só no Rio a gente vê alguém roubar uma carrocinha de cachorro-quente de fuzil.
O que buscou trazer de diferente na sua gestão? No passado, a tendência era criar o “inimigo número um”, mas esse traficante ou miliciano era preso ou morto em confronto e logo outro entrava. Era como enxugar gelo. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, em 2024, o faturamento do crime organizado no país foi de 348,1 bilhões de reais. Passamos apensar sob a perspectiva de um negócio. A saída é atacar a estrutura econômica.
O que explica o aumento nas infrações do dia a dia, como roubo e furto de celulares? A maioria é praticada por menores. Aí entra um problema da própria legislação: o Degase (Departamento Geral de Ações Sócioeducativas) não tem vagas para receber aqueles que são pegos, então eles voltam para as ruas. Em média, um policial já prendeu o mesmo menor quinze vezes.
Houve também aumento do número de usuários de crack na Zona Sul. Há algum plano junto à secretaria de Saúde? A dependência requer tratamento especializado e não temos aqui a obrigatoriedade da internação. Por mais que haja uma operação, esses nômades vão se deslocando pela cidade como zumbis. Não adianta atacar o efeito e não a causa, que é o vício. O Rio poderia estar fazendo melhor neste sentido.
Existe algum programa voltado para a saúde mental dos policiais? Existem programas de acolhimento, mas se eles admitem alguma questão psicológica, a primeira coisa é o afastamento e a suspensão da arma. Como garantir a segurança depois de tanto se expor? Houve uma demonização e invisibilização da polícia ó as pessoas dão comida e água para alguém que está em situação de rua, mas não dão bom dia para um agente. Sendo que eles saem de casa para proteger e até dar a vida pelos outros, basta estar no lugar errado na hora errada. O policial do Rio não tem segunda chance.
Como estão usando a tecnologia? Há um programa que integra câmeras de videomonitoramento e alertas de sensores públicos e privados ao sistema de atendimento emergencial 190. As cidades estão cada vez mais cheias, e essas ferramentas são fundamentais para otimizar o recurso humano. Nunca teremos um policial em cada esquina. Com a Inteligência Artificial, ganhamos eficiência.
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O uso de câmeras corporais tem se mostrado eficiente? Somos o estado mais avançado nesse sentido, com 15 000 aparelhos, mas não há estudos que comprovem a efetividade disso. Há um custo muito grande, sem falar na falta de privacidade dos agentes, que precisam até ir ao banheiro com elas ligadas. É preciso equilíbrio para que se tenha a melhor utilização, preservando a intimidade dos trabalhadores e também o sigilo que cada caso exige.
Tem algum modelo nacional ou internacional que serve como norte? Em relação à tecnologia, Singapura é um case de sucesso, com a integração de todos os bancos de dados da cidade. Essa é uma de nossas metas.