O papel dos games

Para atrair o público jovem, que levou o mercado literário nacional a vendas recordes, a Bienal do Livro aposta em atrações voltadas para essa faixa etária

Por Caio Barretto Briso
Atualizado em 5 jun 2017, 13h51 - Publicado em 28 ago 2013, 17h47
Fotos Reprodução
Fotos Reprodução (Redação Veja rio/)
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O poeta gaúcho Mario Quintana disse certa vez que o livro traz a vantagem de “a gente estar só e ao mesmo tempo acompanhado”. Falecido em 1994, ele não viu a acelerada revolução tecnológica que encurtou distâncias, conectou pessoas e tornou a solidão um comportamento remoto. As redes sociais e outros passatempos digitais vêm ocupando um espaço crescente, em especial na agenda dos jovens. O temor, compreensível, era que essa copiosa oferta de novas diversões pudesse pôr em risco uma atividade vital para a formação do ser humano: o hábito da leitura. Muita gente questionou como era possível, com esse turbilhão de opções, fazer com que a garotada se sentisse compelida a abrir um livro. Mas a resposta tem tudo para surpreender. O mercado literário brasileiro exibe um grande vigor. Nunca se vendeu tanto livro no país, num impulso que vem da emergente classe C e, principalmente, dos jovens em geral. No ano passado, pela primeira vez, a venda de títulos destinados a esse segmento ultrapassou o volume daqueles voltados para os adultos: 47 milhões versus 38 milhões de exemplares. Atentas ao filão, grandes editoras, como Record, Cia. das Letras, Leya, Rocco e Objetiva, investem pesado em selos específicos para essa camada da população. “Nunca a garotada esteve tão presente no universo literário. Na última Bienal, os jovens representaram metade dos visitantes”, diz Sonia Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros e uma das organizadoras da 16ª Bienal do Livro, que começa na próxima quinta (29), no Riocentro, com propósitos ambiciosos. Serão 950 expositores espalhados por uma área de 55?000 metros quadrados, e a expectativa é receber 600?000 pessoas.

Divulgação
Divulgação ()

Desta vez, o encontro se inicia com uma estratégia bem definida: seduzir o leitor juvenil, a fim de consolidar e ampliar esse nicho de mercado, que, de acordo com especialistas, ainda tem muito a crescer. A programação de palestras e convidados deixa clara essa opção (veja o quadro na pág. 34). Entre os 29 autores estrangeiros confirmados figura o americano Corey May, criador de Assassin?s Creed, um jogo virtual que vai de encontro ao raciocínio dos mais céticos segundo o qual os games seriam um inimigo mortal dos livros. Depois de arrebatar uma legião de fãs diante das telas, a saga virou uma série de cinco publicações de ação que se tornaram retumbante êxito comercial. Só no Brasil, já foram vendidos 900?000 exemplares. Na esteira do sucesso vieram outras iniciativas semelhantes, a exemplo de Battlefield, World for Craft e Starcraft. Os próximos da fila são Mass Effect e Total War, lançamentos do selo Galera, do grupo Record. “A cultura da convergência é muito natural para essa geração”, diz João Alegria, professor do curso de mídias digitais na PUC-Rio. “A leitura não é mais o que era antes, e esses jovens são o retrato disso.” Na Bienal carioca, João Alegria assina a concepção do espaço batizado de #acampamento (assim mesmo, com hashtag), um estreante na programação, criado com o intuito de unir o vetusto costume da leitura ? aquele de manusear folhas de papel, lembra? ? a modernas plataformas touchscreen.

ERNANI D?ALMEIDA
ERNANI D?ALMEIDA ()

O fenômeno das publicações inspiradas em games é um desdobramento de um setor que ganhou enorme empuxo com o lançamento da saga Harry Potter, cujo primeiro título chegou às prateleiras em 1997. Uma geração de consumidores mirins foi arrebatada pelo universo mágico de Hogwarts, como mostra uma pesquisa da editora Scholastic, responsável pela série do bruxinho, que revelou que 51% dos leitores com idade entre 5 e 17 anos começaram a cultivar o hábito da leitura a partir dessa obra. O impacto levou as editoras a mirar o público infantojuvenil e a descobrir que histórias de fantasia são uma jazida de ouro. Como decorrência surgiram novos astros das letras, uma categoria em que o carioca Eduardo Spohr, de 37 anos, é um caso exemplar. Seu livro de estreia, A Batalha do Apocalipse, sobre uma guerra entre anjos e demônios que ameaça o futuro da humanidade, foi recusado por diversos selos. Sem esmorecer, ele o lançou na internet e conseguiu vender 4?600 exemplares. O desempenho chamou a atenção de uma editora, que decidiu apostar na história. Em resumo, hoje Spohr lança seu terceiro título na praça, com mais de 600?000 unidades vendidas dos dois primeiros volumes.

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Selmy Yassuda
Selmy Yassuda ()

Há diversos desafios pela frente. Apesar do crescimento das vendas no país, a realidade é que o brasileiro ainda lê pouco. Segundo uma pesquisa divulgada recentemente pelo IBGE, ele dedica em média apenas seis minutos de seu dia a essa atividade. Cabe a editores e autores usar de criatividade para melhorar o quadro. Em linhas gerais, os enredos que cativam os jovens brasileiros se dividem em uns poucos assuntos, tais como a literatura de fantasia, a temática para as adolescentes e as publicações baseadas em jogos virtuais. Com sucesso de venda, o jornalista Laurentino Gomes vem renovando esse espectro de interesses. Ele lança na Bienal 1889, a última parte de sua trilogia oitocentista sobre a história do Brasil. Com capítulos curtos, linguagem esmerada mas acessível e breves perfis dos protagonistas, o autor consegue levar o leitor a uma imersão em episódios como a chegada da família real ao país, o processo da Independência e a Proclamação da República. “Meus leitores mais apaixonados são os jovens. Entrei no Facebook e no Twitter para me comunicar com eles”, conta Laurentino. “Quando se encantam com algo, eles se tornam apóstolos e o acompanham para o resto da vida. Não se pode mais obrigá-los a gostar de Machado de Assis”, diz. “Antes, é preciso que eles gostem de ler.”

Fernando Lemos
Fernando Lemos ()

Bienal do Livro.

De 29 de agosto a 8 de setembro, das 9h às 22h (segunda a sexta) e das 10h às 22h (sábado e domingo). Ingressos, 14 reais (inteira) e 7 reais. Riocentro, Avenida Salvador Allende, 6555, Barra da Tijuca.

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Principais atrações

Confira os destaques da feira, que começa no dia 29. Entre os lançamentos mais aguardados estão:

Dia 31, às 16h

? Ela Disse, Ele Disse ? O Namoro, primeira parceria de Thalita Rebouças e Mauricio de Sousa

Dia 31, às 18h30

? Pequenas Delicadezas ? Conselhos sobre o Amor e a Vida, em que a americana Cheryl Strayed fala de sua aventura ao percorrer uma trilha em seu país

Dia 1º, às 15h30

? 1889, do jornalista Laurentino Gomes, que aborda o período da proclamação da República.

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Estão programados cerca de 100 bate-papos. Eis alguns deles, cercados de grande expectativa:

Dia 31, às 12h

? O americano Nicholas Sparks, criador de best-sellers melífluos

Dia 1º, às 12h

? O também americano Corey May, da série Assassin?s Creed

Dia 7, às 16h30

? O carioca Eduardo Spohr, fenômeno de vendas de literatura de fantasia

Dia 7, às 20h

? No tradicional Café Literário haverá uma homenagem a Vinicius de Moraes, em que a cantora e escritora Adriana Calcanhotto se junta aos poetas Antonio Cícero e Eucanaã Ferraz para discorrer sobre o Poetinha. Já o Placar Literário é um espaço que promete reunir autores e especialistas conectados com o universo do futebol.

? O espaço batizado de #acampamento é uma área multimídia que ficará em funcionamento durante todo o evento. Ali, um iPad vai registrar a leitura de Capitães de Areia, de Jorge Amado, que será dividida em mais de 800 trechos ? cada um deles na voz de um visitante. No final, o trabalho todo ficará disponível em um blog. Para o público infantil, a pedida é o Planeta Ziraldo, com encenações e contação de histórias.

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