O bebê cresceu
Homenageado pelo pai, Bebeto, com a comemoração embala-neném na Copa de 1994, o meio-campo Mattheus chega ao time principal do Flamengo com fama de craque
Uma das cenas memoráveis da Copa de 1994 foi a comemoração do gol de Bebeto contra a Holanda, o segundo da vitória de 3 a 2 da seleção, que ali pegaria embalo para interromper o hiato de 24 anos sem o título mundial. Depois de driblar o goleiro De Goeij e empurrar a bola mansamente para a rede, o atacante correu em direção à linha lateral, fazendo com os braços o gesto de quem embala um bebê, acompanhado dos colegas Romário e Mazinho. Tal qual o soco no ar imortalizado por Pelé, a pantomima ganhou o mundo e é repetida até hoje nos gramados. Na ocasião, o camisa 7 brasileiro quis homenagear seu caçula, que nascera dois dias antes numa maternidade carioca. Pois o menino cresceu e agora começa a aparecer. Promovido ao time profissional do Flamengo, o meio-campo Mattheus chega à equipe como a principal promessa das divisões de base do clube nos últimos tempos, com potencial para herdar a camisa 10 que foi de Zico e, vá lá, Ronaldinho Gaúcho. Nas duas últimas partidas, entrou no final. Apesar de ficar apenas quinze minutos em campo e pouco tocar na bola, já deu para sentir o gosto, e toda a pressão, de atuar na agremiação mais popular do país. “A transição é sempre difícil”, reconhece. “Mas a chance surgiu e só depende de mim aproveitá-la.”
Filho mais novo de Bebeto e Denise, que na adolescência foi jogadora de vôlei do rubro-negro, Mattheus de Andrade Gama Oliveira é o único dos três irmãos que se bandeou para o esporte. Roberto Nilton, o mais velho, estuda direito e Stéphannie é uma bela modelo. Prestes a entrar na vida adulta – no próximo sábado completa 18 anos -, ele desde pequeno vem sendo moldado para virar jogador de futebol. Como é comum nessas situações, o pai, que foi um artilheiro consagrado, tenta blindar o herdeiro de comparações. Certas características de fato diferenciam os dois. Ao contrário de Bebeto, Mattheus é armador e bate com a canhota. É também bem mais alto (1,85 metro) e mais forte (75 quilos). De resto, ambos se assemelham muito. “O jeito de chutar é muito parecido com o meu”, deixa escapar o orgulhoso patriarca baiano. A exemplo do pai, Mattheus encarna o típico bom moço: é caseiro, tímido e imune a polêmicas. Nem pensar em tatuagem, brincos ou cabelo moicano. Evangélico, ele gosta de ir com a família aos cultos às quartas e aos domingos, hábito que terá de alterar agora devido aos compromissos do time profissional.
Em geral, seguir os passos de um pai bem-sucedido é uma decisão delicada, pois o jovem terá seu dom confrontado com o do “velho” o tempo inteiro – e nem sempre sairá em vantagem. É necessário ter boa cabeça para suportar as cobranças exatamente no momento de maior insegurança para qualquer um, que é o início de carreira. Alguns descendentes da geração que faturou o tetra vivem esse dilema. Maior símbolo daquela conquista, o agora deputado federal Romário quer levar seu filho Romarinho para fazer testes no Barcelona. O jovem, de 18 anos, tem contrato com o Vasco até maio de 2013 e aguarda uma oportunidade na equipe principal. Seu sobrenome pode aparecer como um fardo, mas ele não determina nem o êxito nem o fracasso nos gramados. O fator preponderante para o sucesso no futebol é o mesmo de qualquer atividade: o talento, somado ao empenho, ao profissionalismo e a uma certa dose de sorte. Vem do clube espanhol um bom exemplo. Cria do Barcelona, Thiago Alcântara, 21 anos, é filho do ex-lateral Mazinho, um dos protagonistas da comemoração embala-neném. Naturalizado espanhol, ele já foi convocado para a seleção de lá e exibe no currículo o campeonato mundial em 2011 pelo clube catalão.
Para evitar qualquer insinuação de favorecimento ao filho, Bebeto conta que adotou a postura de apoiá-lo a distância. Em 2004, Mattheus começou no futebol de salão da Gávea e, dois anos depois, decidiu fazer um teste para o campo. Foi um dos dez selecionados entre os mais de 200 candidatos. Quem compareceu à reunião de apresentação dos escolhidos na Gávea foi a mãe, Denise. Tudo para não escancarar o parentesco do menino com um dos ídolos rubro-negros, que hoje é deputado estadual e integrante do Comitê Organizador Local da Copa de 2014. Aos poucos, o rapaz ganhou destaque e figurou na lista de convocados das seleções nas categorias juvenil e júnior. Entre seus feitos no clube, foi campeão em 2011 da Copa São Paulo, principal competição nacional das divisões de base, e vice-artilheiro do campeonato estadual de juniores deste ano, com 21 gols. “Com a maturidade que ele exibe desde cedo, vai ter uma carreira vencedora”, aposta o comentarista Junior, que acompanha de perto a trajetória de Mattheus. A nova esperança rubro-negra, que assinou contrato válido por três temporadas, mostra desembaraço no que é agora seu habitat. Como é menor de idade, vai para os treinos de carona com o lateral Léo Moura. “Até conseguir demonstrar meu talento, sei que os olhares serão de desconfiança”, admite ele, convicto com relação ao futuro. “Quero que o Bebeto daqui a alguns anos seja visto como o pai do Mattheus.” O desafio é grande.