Cuidando dos pais e dos filhos, “geração sanduíche” acumula tarefas

Historicamente dedicadas ao cuidado doméstico, as mulheres, geralmente entre 30 e 50 anos, são maioria nessa estatística

Por Luiza Maia
18 jul 2025, 06h20
geracao-sanduiche
Geração Sanduíche: rede de apoio ainda é insuficiente (Violeta Stoimenova/Getty Images)
Continua após publicidade

Trabalhar, organizar a casa, dar atenção à filha de 5 anos e ainda auxiliar os pais idosos: a rotina de Rejane Manhães, 44 anos, exige um malabarismo diário.

A cenógrafa de formação mora em Del Castilho, dá expediente na Uerj, no Maracanã, e se desloca diariamente até Inhaúma para prestar assistência à mãe, de 74 anos, em tratamento contra um câncer de mama, e ao pai, de 76, que passou por cirurgias nos joelhos. Para tentar simplificar o vaivém, matriculou a filha em uma creche perto da casa dos avós.

+ “Tento me atualizar para não virar um dinossauro”, diz Maria Clara Gueiros

“Eles demonstram muita gratidão e preocupação com o trabalho que me dão, mas a convivência ficou cansativa”, observa Rejane, que no início do ano precisou tirar uma licença para dar conta dos cuidados com os pais. “Conversar com amigos e ouvir relatos de pessoas na mesma situação têm me ajudado a não desmoronar”, desabafa a funcionária pública.

Rejane e um número cada vez maior de pessoas fazem parte da chamada Geração Sanduíche, termo cunhado para descrever quem cuida, ao mesmo tempo, dos filhos e dos pais. Esse novo arranjo familiar é impulsionado pelo aumento da expectativa de vida e por mudanças nas estruturas sociais.

Historicamente dedicadas ao cuidado doméstico, as mulheres, geralmente entre 30 e 50 anos, são maioria nessa estatística, especialmente as de classes mais baixas. Uma pesquisa realizada pela prefeitura do Rio em 2022 revelou que 64% dos cuidadores de idosos no município são os próprios filhos, 90% são mulheres e 61% donas de casa.

Continua após a publicidade

Além disso, em 87% dos casos, o idoso mora com o seu cuidador. As consequências desse acúmulo de funções são claras. “Ouvimos relatos de entrevistadas que precisaram deixar o trabalho, ou que não conseguem ter um tempo dedicado ao lazer, e ainda as que passaram a ter conflitos com o cônjuge por conta dessa situação”, enumera a assistente social Renata La Rocque, que fez parte da equipe que conduziu o estudo.

“Estamos falando de um público que sobrevive de bicos ou da pensão do idoso e, no geral, não recebe apoio de outros familiares”, acrescenta Renata. Nos casos em que a carreira não é interrompida, há que se abrir mão da vida social ou acumular turnos para atender às demandas familiares constantes.

O peso do cuidado constante nem sempre é visível, mas quem vive esse processo sabe que o impacto emocional pode ser avassalador. “O ato de cuidar costuma ser associado ao amor, à compaixão. Entretanto, também pode ser frustrante, gerando raiva, tristeza e culpa”, diz a terapeuta Júlia Jalbut, autora do livro Uma Casa Que Não Pode Cair, escrito a partir da experiência de acompanhar o adoecimento e a morte dos pais. “Precisamos acolher as luzes e as sombras dessa experiência”, reforça Júlia, que defende a importância de suporte emocional.

Dona de um café em Laranjeiras, o Esperança.eco, Verônica Moreira, 53, enfrentou uma sobrecarga intensa ao cuidar do pai, com câncer de pulmão, enquanto geria o negócio, estudava gastronomia e dava atenção aos dois enteados adolescentes. “Vivia exausta. Bastava entrar num carro de aplicativo para pegar no sono. Se o motorista me levasse para outra cidade, eu nem ia perceber”, lembra ela, ainda lidando com o luto do pai, morto em setembro de 2024. Acompanhando a mãe, de 83 anos, que se mudou para perto, Verônica tenta estabelecer uma rotina equilibrada, com exercícios físicos e terapia.

veronica-moreira
Geração sanduíche: a empresária Verônica Moreira, 53, auxilia a mãe, administra um café em Laranjeiras e cuida dos enteados (./Arquivo pessoal)
Continua após a publicidade

+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui

Para enfrentar a sobrecarga, a busca individual por apoio emocional não basta. É necessária também a ampliação de políticas públicas e redes de apoio. É o que reforça a professora Heloísa Ferreira, líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Envelhecimento da Uerj (Gepe): “Da mesma maneira que cobramos creches e escolas de qualidade para os nossos filhos, temos que exigir espaços para acolher pessoas idosas, com socialização, cuidado e respeito”.

heloisa-ferreira
Questão de necessidade: centros de acolhimento de idosos são tão importantes quanto as creches, defende a professora Heloísa Ferreira, da Uerj (Carol França/Divulgação)

Atualmente há, na cidade, oito casas de convivência da prefeitura, com oficinas gratuitas, realizadas das 9h às 17h, voltadas à saúde física, mental e emocional dos idosos. “Jacarepaguá, em breve, ganhará um grande centro de atendimento integrado”, adianta o secretário municipal de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, Felipe Michel.

+ Promessa do jiu-jitsu, Sofia Azevedo vendeu doces na praia para lutar

Continua após a publicidade

A pasta também se prepara para lançar o projeto Rio Cuidadoso, voltado à formação e ao aperfeiçoamento de acompanhantes. “Diante do envelhecimento dos cariocas, precisamos construir uma cidade mais amiga dos idosos”, conclui. Uma cidade acolhedora é, sem dúvidas, aquela alinhada às demandas da população.

Compartilhe essa matéria via:

Socializar é preciso

Bairros com centros de convivência e atividades para idosos

Zona Norte:

Tijuca

Continua após a publicidade

Penha

Madureira

Zona Sul:

Botafogo

Gávea

São Conrado

Continua após a publicidade

Zona Oeste:

Santa Cruz

Guaratiba

Jacarepaguá

(em breve)

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Assinantes da cidade do RJ

A partir de 35,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.