Cuidando dos pais e dos filhos, “geração sanduíche” acumula tarefas
Historicamente dedicadas ao cuidado doméstico, as mulheres, geralmente entre 30 e 50 anos, são maioria nessa estatística

Trabalhar, organizar a casa, dar atenção à filha de 5 anos e ainda auxiliar os pais idosos: a rotina de Rejane Manhães, 44 anos, exige um malabarismo diário.
A cenógrafa de formação mora em Del Castilho, dá expediente na Uerj, no Maracanã, e se desloca diariamente até Inhaúma para prestar assistência à mãe, de 74 anos, em tratamento contra um câncer de mama, e ao pai, de 76, que passou por cirurgias nos joelhos. Para tentar simplificar o vaivém, matriculou a filha em uma creche perto da casa dos avós.
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“Eles demonstram muita gratidão e preocupação com o trabalho que me dão, mas a convivência ficou cansativa”, observa Rejane, que no início do ano precisou tirar uma licença para dar conta dos cuidados com os pais. “Conversar com amigos e ouvir relatos de pessoas na mesma situação têm me ajudado a não desmoronar”, desabafa a funcionária pública.
Rejane e um número cada vez maior de pessoas fazem parte da chamada Geração Sanduíche, termo cunhado para descrever quem cuida, ao mesmo tempo, dos filhos e dos pais. Esse novo arranjo familiar é impulsionado pelo aumento da expectativa de vida e por mudanças nas estruturas sociais.
Historicamente dedicadas ao cuidado doméstico, as mulheres, geralmente entre 30 e 50 anos, são maioria nessa estatística, especialmente as de classes mais baixas. Uma pesquisa realizada pela prefeitura do Rio em 2022 revelou que 64% dos cuidadores de idosos no município são os próprios filhos, 90% são mulheres e 61% donas de casa.
Além disso, em 87% dos casos, o idoso mora com o seu cuidador. As consequências desse acúmulo de funções são claras. “Ouvimos relatos de entrevistadas que precisaram deixar o trabalho, ou que não conseguem ter um tempo dedicado ao lazer, e ainda as que passaram a ter conflitos com o cônjuge por conta dessa situação”, enumera a assistente social Renata La Rocque, que fez parte da equipe que conduziu o estudo.
“Estamos falando de um público que sobrevive de bicos ou da pensão do idoso e, no geral, não recebe apoio de outros familiares”, acrescenta Renata. Nos casos em que a carreira não é interrompida, há que se abrir mão da vida social ou acumular turnos para atender às demandas familiares constantes.
O peso do cuidado constante nem sempre é visível, mas quem vive esse processo sabe que o impacto emocional pode ser avassalador. “O ato de cuidar costuma ser associado ao amor, à compaixão. Entretanto, também pode ser frustrante, gerando raiva, tristeza e culpa”, diz a terapeuta Júlia Jalbut, autora do livro Uma Casa Que Não Pode Cair, escrito a partir da experiência de acompanhar o adoecimento e a morte dos pais. “Precisamos acolher as luzes e as sombras dessa experiência”, reforça Júlia, que defende a importância de suporte emocional.
Dona de um café em Laranjeiras, o Esperança.eco, Verônica Moreira, 53, enfrentou uma sobrecarga intensa ao cuidar do pai, com câncer de pulmão, enquanto geria o negócio, estudava gastronomia e dava atenção aos dois enteados adolescentes. “Vivia exausta. Bastava entrar num carro de aplicativo para pegar no sono. Se o motorista me levasse para outra cidade, eu nem ia perceber”, lembra ela, ainda lidando com o luto do pai, morto em setembro de 2024. Acompanhando a mãe, de 83 anos, que se mudou para perto, Verônica tenta estabelecer uma rotina equilibrada, com exercícios físicos e terapia.

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Para enfrentar a sobrecarga, a busca individual por apoio emocional não basta. É necessária também a ampliação de políticas públicas e redes de apoio. É o que reforça a professora Heloísa Ferreira, líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Envelhecimento da Uerj (Gepe): “Da mesma maneira que cobramos creches e escolas de qualidade para os nossos filhos, temos que exigir espaços para acolher pessoas idosas, com socialização, cuidado e respeito”.

Atualmente há, na cidade, oito casas de convivência da prefeitura, com oficinas gratuitas, realizadas das 9h às 17h, voltadas à saúde física, mental e emocional dos idosos. “Jacarepaguá, em breve, ganhará um grande centro de atendimento integrado”, adianta o secretário municipal de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, Felipe Michel.
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A pasta também se prepara para lançar o projeto Rio Cuidadoso, voltado à formação e ao aperfeiçoamento de acompanhantes. “Diante do envelhecimento dos cariocas, precisamos construir uma cidade mais amiga dos idosos”, conclui. Uma cidade acolhedora é, sem dúvidas, aquela alinhada às demandas da população.
Socializar é preciso
Bairros com centros de convivência e atividades para idosos
Zona Norte:
Tijuca
Penha
Madureira
Zona Sul:
Botafogo
Gávea
São Conrado
Zona Oeste:
Santa Cruz
Guaratiba
Jacarepaguá
(em breve)