A praça é nossa
Entre chafarizes, bancos e coretos, o carioca recupera o prazer de se divertir pelos bairros da cidade
Passada a Copa do Mundo, deixadas para trás as fan fests oficiais ou não do evento, volta a ser percebido, em variadas partes da cidade, um hábito bastante salutar do carioca: reunir-se em praças públicas, ao ar livre. Trata-se de uma prática antiga, mas que ressurge com novos contornos. A imagem recorrente de idosos em volta de uma mesa de carteado aproveitando os banquinhos e a sombra das árvores apenas pela manhã dá lugar a cenário bem mais agitado. Hoje ganham força os mais jovens, que ali se reúnem, a qualquer hora, até nas madrugadas (o que incomoda muito os moradores da vizinhança), para tocar violão, ver filmes, jogar malabares, declamar poesia ou mesmo improvisar um show de rock.
Exemplo emblemático, a Praça São Salvador, em Laranjeiras, saiu de um certo, por assim dizer, ostracismo, para se tornar um dos palcos abertos de maior efervescência cultural da cidade. Ali, o que há cinco anos começou como um chorinho entre amigos virou espaço para distintas frentes artísticas, inclusive eventos de grupos circenses. É o caso do coletivo Bravos, que tem trupe própria e também já recebeu, no local, convidados do mundo todo.
O atual movimento dos cariocas em direção a essas pracinhas de bairro mostra-se espontâneo, mas geralmente envolve um grupo ? seja ele formal ou não ?, que funciona como um chamariz para os demais frequentadores. É o que vem acontecendo na Praça Luiz de Camões, na Glória. Sempre aos sábados, uma vez por mês, a roda Sambastião comanda a batucada geralmente por uma tarde inteira, reunindo aficionados do ritmo. Formada por um núcleo fixo de oito músicos, a turma, liderada pelo tocador de cuíca e vocalista Marcelo Paxu, já recebeu a visita de ilustres como Monarco, Noca da Portela e Dorina.
Não é apenas na Zona Sul que a tendência se manifesta. Do outro lado da cidade, no Méier, uma pracinha com ares de anfiteatro viu-se redescoberta, em janeiro, como base para eventos de música, cinema e cultura em geral. Coincidentemente, leva o nome de um crítico literário: é a Agripino Grieco, em uma das áreas mais congestionadas da Zona Norte. No fim de semana, com menor circulação de carros no local, entram em cena as atividades do Leão Etíope do Méier, instituição fundada e personificada por Pedro Rajão. O motivo do nome exótico? É que o lugar fica perto da estátua do Lions Clube.
Skatistas na Praça do Ó, na Barra, rappers na Barão de Drumond, em Vila Isabel, instrumentistas na recém-bombada Nelson Mandela, em Botafogo (a novata da turma, surgida em 2011 com as obras de urbanização do metrô), todo mundo tem voz nesses logradouros, geralmente arborizados, com chafarizes e coretos, mas que nem sempre recebem o devido cuidado dos órgãos públicos. Na Gamboa, região que se tornou alvo de intervenções da prefeitura (assim como toda a Zona Portuária) desde que o Rio foi escolhido para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a agitação floresceu depois que a secular Praça da Harmonia foi tirada do limbo. Antes mal iluminada, tida como perigosa, transformou-se em mais um polo catalisador de sambistas e da galera dos blocos de Carnaval.
Ocupar os espaços livres da cidade e dedicá-los ao lazer e às artes é de suma importância, garantem os integrantes dos coletivos ? que também lembram que a atividade costuma render um legado aos logradouros. “Movimentada, nossa praça finalmente ganhou uma lixeira, no mês passado”, comemora Rajão, do Méier. Paxu, de Laranjeiras, observa que a frequência de usuários de drogas vem diminuindo na São Salvador. “O samba contribui para evitar a degradação”, diz. Sobre o costumeiro e polêmico estouro do horário (há que respeitar o silêncio a partir das 10 da noite), a produtora gráfica Carine Drumond, do grupo Bravos, admite: “Mesmo que tudo se encerre na hora combinada, é difícil controlar o burburinho que fica depois”. Nesse caso são necessários bom-senso e respeito aos que vivem ali ao lado. Só assim as praças voltarão a ser, como as praias, uma extensão da casa dos cariocas. ?