Está cada vez mais difícil se divertir no Rio à noite sem gastar muito dinheiro. É o que mostra uma série de episódios comentados nas redes sociais nos últimos dias. Entre interdições, suspensões de licença e outras medidas, a situação coloca de um lado o Poder Público e empresários das áreas de gastronomia e lazer e, do outro, os organizadores dos eventos ao ar livre.
Na sexta (20), mais de 10 PMs do 5º Batalhão interditaram sem maiores explicações a PedeTeresa, roda de samba gratuita que acontece há dois anos na Praça Tiradentes. Houve quem visse na ação um revival da perseguição ao ritmo, comum no começo do século XX e largamente baseada no racismo. No mesmo dia, a prefeitura suspendeu a licença para a apresentação de DJs no Rivalzinho, happy hour de graça que lota desde o ano passado a rua Álvaro Alvim, na Cinelândia. De acordo com as autoridades, os vizinhos vinham reclamando de barulho. Mas a gota d’água veio no domingo (22), quando representantes da superintendência da Zona Sul tentaram cancelar o ensaio do bloco Tambores de Olokun, no Aterro do Flamengo, sem apresentar razões claras para isso. Dessa vez, quem estava na festa não arredou pé e a interdição sem motivo terminou caindo por terra. A sequência de acontecimentos deixou nos moradores da cidade a impressão de que, para desgosto do poeta, as praças (e outros logradouros públicos) não são mais tão do povo como o céu é do condor.
A polêmica continuou no começo desta semana, quando uma nota foi emitida pelo Polo Novo Rio Antigo. No texto, a entidade formada por estabelecimentos comerciais do Centro se coloca contra a realização da PedeTeresa na praça Tiradentes. Os motivos para tal posicionamento são a concorrência desleal dos camelôs que vendem bebida no evento com as 80 casas da região que também tocam samba e a perturbação da área residencial. “Não somos contra rodas de samba, nem contra atrações culturais gratuitas, só acreditamos que esta atração acontece em local e horário inapropriado, ameaçando o funcionamento de empreendimentos responsáveis pela revitalização da região e que pagam impostos altíssimos para se manterem abertas”, argumenta a entidade. No fim da nota, o grupo lembra ainda o fechamento recente por conta da crise de centros de lazer históricos da cidade, como o Bar Semente e a Gafieira Estudantina.
Por sua vez, os organizadores dos eventos ao ar livre também têm seus argumentos. Em sua página no Facebook, o pessoal do PedeTeresa afirmou que a realização da roda de samba acabou com os arrastões que aconteciam na praça 2 anos atrás. Já o Tambores de Olokun lembrou a Constituição Federal, que em seu artigo quinto diz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. “O Tambores de Olokun não concorda com esse modelo de cidade que vem sendo implantado e irá lutar para que a cidade do Rio de Janeiro tenha de volta a sua vitalidade e espontaneidade do carnaval de rua e das manifestações culturais que ocorrem durante todo o ano”, defendeu o bloco em nota divulgada nas redes sociais.
Uma possível solução para o impasse pode ter começado a surgir ontem (23), quando a secretária municipal de cultura Nilcemar Nogueira apresentou ao secretário estadual da pasta André Lazaroni a proposta de criação de quadriláteros culturais. Nesses espaços, seria possível realizar manifestações artísticas sem a necessidade de autorização da prefeitura. Não por acaso, a lista de quadriláteros inclui locais como o Aterro do Flamengo, a Praça Tiradentes e a rua Álvaro Alvim. A expectativa é que a iniciativa seja sancionada via decreto por Crivella até o fim da semana. Independente da solução, o importante é que o descompasso seja resolvido logo, para que cariocas e turistas possam voltar a desfrutar da cidade do jeito que sempre fizeram: felizes, na rua e sem prejudicar ninguém.