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Psiquiatra faz reflexão sobre a morte do carioca da Cracolândia

O caso de Carlos Eduardo Maranhão, internado com a ajuda de amigos do Colégio Santo Inácio, reacende a discussão sobre o uso de drogas

Por  Analice Gigliotti, psiquiatra
9 jun 2017, 18h07
Maranhão em tempos de Santo Inácio: infância e adolescência de um típico garoto de classe alta da Zona Sul (Facebook/Reprodução)
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Sarda morreu do tratamento ou da droga?

Vamos falar abertamente: o usuário de crack é um paciente na UTI. O problema é muito grave. Nesta quinta-feira fomos surpreendidos com a notícia da morte de Carlos Eduardo Maranhão, o  Sarda, um dependente da droga, internado por seus amigos de infância numa clínica do interior do Rio de Janeiro, em uma das ações fraternais mais emocionantes dos últimos tempos.

A coisa não começou aí. Dezoito dias antes o prefeito João Dória decidiu intervir com a polícia para “acabar com a Cracolândia”. A intenção foi boa. A cidade fingia não ver um quadro dramático: pessoas se drogando a céu aberto, vítimas de um tráfico sedento, imiscuindo-se em sexo pago e explícito sem pudor – zumbis afundados em sua doença.

Sarda aparece num vídeo, com alguma lucidez, comparando a ação do prefeito com a de um câncer: “Vai dar metástase. Vão surgir 20 Cracolândias espalhadas pela cidade”. Ele era veementemente contra. Foi aí que seus amigos o viram e resgataram.

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Em São Paulo, intenção era que os dependentes fossem avaliados por um médico que orientaria o tratamento, incluindo a internação compulsória. Quatro em cada cinco paulistas foram favoráveis. O debate, porém, foi e é acalorado.

No paralelo, Sarda era internado, voluntariamente, como a maioria dos usuários de crack é. Com a campanha de mobilização os amigos levantaram 55 mil reais de fundos para o pagamento de seu tratamento.

Não são todos os dependentes de crack que necessitam de internação compulsória. Em verdade, a maioria deles se interna voluntariamente. Esse tipo de internação se reserva aos casos de risco de morte do dependente ou de terceiros (suicídio, contaminação por HIV, violência.., ) ou ainda de depredação de propriedade.

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Sarda, que declaradamente não escovava os dentes há 8 anos, também usava heroína – como a maioria dos usuários de crack utilizam outras drogas.

As ferramentas para o tratamento desses dependentes devem ser tão extremas quanto sua doença. Quando digo extremas, digo estruturantes, multidisciplinares, de cuidado intensivo, não necessariamente compulsórias – mas eventualmente também isso.

Existem milhares de Sardas pelo Brasil, e ele nos deu a oportunidade de refletir.

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Ele nos mostra o quanto o cuidado médico é fundamental, e que ele seja breve e urgente, para avaliar os riscos a saúde.

Ele nos mostra que não podemos deixar esses usuários a mingua, largados pelo poder público, morrendo pouco a pouco.

Precisamos perseguir a abstinência das drogas mais potencialmente lesivas e adictivas  como a heroína e o crack. Essa deve ser a pedra fundamental (é trocadilho mesmo) do tratamento. Não é suficiente, mas é fundamental. Precisamos perseguir isso.

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O tratamento do usuário de crack é uma longa jornada composta de pequenas outras.

Ele se inicia no processo de avaliação médica e psiquiátrica para um bom encaminhamento, seguido de técnicas que possam se adaptar a suas funções cognitivas, muitas vezes prejudicadas.

Saber se o Sarda morreu do tratamento ou da droga? Ele morreu da droga. De muita droga. Isso é incontestável.

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Se o prefeito João Dória estava certo? Ele fez algo. Ele trouxe o debate à tona.

Espera-se agora que ele possa coordenar as ações na cracolandia, de forma a orientar o melhor encaminhamento aos usuários, a partir da avaliação médica, para então encaminhá-los para os diversos recursos, de acordo com os níveis de complexidade de sua doença – suas comorbidades médicas, psiquiátricas, de seus riscos relacionados a abstinência das múltiplas drogas que utilizam, de seu grau de motivação, e seu suporte social. E são muitos. O que não se pode mais é ficar parado.

 Analice Gigliotti, psiquiatra, chefe do Setor de Dependência Química da Santa Casa da Misericórdia e diretora da Clínica Espaço Clif, em Botafogo.

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