A ideia de se tornar médico já era parte dos planos do carioca descendente de poloneses Daniel Tabak desde a adolescência. Aos 17 anos, a intenção se cristalizou de vez quando, depois de um período de seis meses em um intercâmbio nos Estados Unidos, o jovem desembarcou no Aeroporto Internacional do Rio. Ansioso para reencontrar a família, teve um choque: não reconheceu o próprio pai em meio à aglomeração. Nos meses em que esteve fora do país, o homem forte e corpulento definhou em consequência de um câncer de estômago, desfazendo a figura que ele guardava na lembrança. Imigrante de origem judaica, o comerciante Gerson Lejb Tabak havia passado por duas cirurgias e, nos cinco anos seguintes, seus últimos, enfrentou um duríssimo embate com a doença. O episódio não só marcou profundamente a vida pessoal do jovem Daniel, como foi determinante para confirmar a profissão e a área que seguiria. Hoje, aos 60 anos e 37 de formado, ele é a maior referência em oncologia no Rio e um dos grandes nomes no país. Semanalmente, atende pelo menos sessenta pacientes, entre o consultório e as visitas hospitalares. “É uma especialidade extremamente difícil, pois lida com situações-limite. A cura nem sempre é possível, mas é nossa obrigação lutar pela qualidade de vida”, diz. Poucas áreas da medicina, é fato, transitam com tanta frequência na fronteira entre a vida e a morte. “Há inúmeras histórias dramáticas, mas também existem outras absolutamente fantásticas no que se refere à recuperação do paciente”, resume.
Quando se fala em tratamento contra o câncer no Rio, não raro surge o comentário provocativo de que o melhor remédio é a ponte aérea. A piada recorrente é uma alusão aos hospitais de São Paulo, a exemplo do Israelita Albert Einstein e do Sírio-Libanês, conhecidos por ter os mais modernos centros oncológicos do país. A fama ganha ainda mais força dado o número de personalidades que optam por se tratar na capital paulista. A decisão do governador Luiz Fernando Pezão, que em abril foi diagnosticado com câncer, de permanecer na cidade para um tratamento conduzido por Tabak, no entanto, só confirma o prestígio do médico carioca. Como é sua praxe, o médico foi absolutamente transparente ao revelar a Pezão que ele tinha um linfoma não Hodgkin de células T, um tipo raro, muito agressivo, mas com potencial de cura. “Ele tomou um susto. Mas em vez de se desesperar, quis saber sobre o tratamento, prognósticos e prazos”, lembra. O político passou por seis ciclos de quimioterapia, foi internado três vezes com infecção e está agora em remissão, termo usado para designar a ausência da doença. Em janeiro terá de refazer os exames e se o câncer não se manifestar no prazo de cinco anos será considerado curado. “O Tabak conquistou rapidamente a minha confiança e admiração. É firme, preciso e transmite tanta segurança que você tem vontade de ficar ao seu lado o tempo todo”, comenta Pezão, que em setembro reassumiu o governo do estado na maior crise econômica da sua história.
A combinação de competência, conhecimento técnico e habilidade no trato profissional-paciente é o que faz um médico ser especial. A luta contra o câncer, em que o imponderável vem embutido no diagnóstico, requer ainda doses extras de sensibilidade. Abnegado — não se lembra de ter tirado trinta dias de férias —, o oncologista dedica duas horas diárias ao estudo, com a leitura de artigos sobre o que há de mais avançado na sua área. “Ele mistura conhecimento e inteligência, que, no seu caso, beira a genialidade, com um lado humano ímpar”, descreve o conceituado cardiologista Cláudio Domênico, médico de Pezão que indicou o profissional. “O Tabak cria uma relação afetuosa e real. Acolhe fragilidades, aposta em esperanças e estimula a criação de um vínculo com o amanhã. O médico ideal existe”, exalta a novelista Glória Perez, que, durante a novela Caminho das Índias, em 2009, foi diagnosticada com linfoma não Hodgkin B, um tipo de câncer com o prognóstico mais favorável.
Admirado por pacientes e colegas, Tabak se sentiu incapaz de exercer seu ofício no fim de 2011. Após perder dois pacientes — um jovem de 24 anos com leucemia e uma mulher de 50 com tumor de mama — sucumbiu a um profundo estado de esgotamento, a chamada síndrome de Burnout. “Não há problema algum se as pessoas acreditarem que você é um super-herói. O problema começa quando você passa a se achar um”, diz. Ficou dois meses sem atender — o valor da consulta inicial é 900 reais —, período em que seus pacientes estiveram a cargo dos outros médicos que trabalham em sua clínica, em Botafogo. Como válvula de escape começou a correr seriamente, participou de uma maratona e, dois anos depois, subiu o Monte Kilimanjaro, o ponto mais alto da África. Considerou libertadora a experiência de passar oito dias isolado, caminhar 80 quilômetros e enfrentar temperaturas de até 25 graus negativos. “Percebi que em tudo há limite. Eu que tanto luto para preservar a humanidade dos outros não posso me esquecer de que também sou humano e preciso me cuidar.”
Formado pela UFRJ, Tabak fez parte da residência ali e o restante — assim como a especialização em oncologia e hematologia — nos Estados Unidos, mais precisamente no Jackson Memorial Hospital, em Miami, e no hospital da Washington University, em Saint Louis. “Até hoje ele tem fama de ser o melhor residente que já passou pelo Fundão. É minha primeira opção em oncologia”, diz outro bastião da medicina, o neurocirurgião Paulo Niemeyer. De volta ao Brasil, em 1987, assumiu o Centro Nacional de Transplante de Medula Óssea do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Foi lá, uma das principais unidades de tratamento e pesquisa da doença no país, na Praça da Cruz Vermelha, que conheceu as mazelas da rede pública e enfrentou polêmicas. Em 2003, Tabak, junto de outros profissionais, denunciou a crise no hospital com o caos no sistema de compras, a falta de insumos e a interrupção de cirurgias. No mesmo ano, tornou-se pública a interferência política na fila de transplantes, o famoso pistolão. “Não faz diferença se é o presidente ou o vice que indica. O critério tem de ser a gravidade”, prega. O oncologista deixou o serviço público, respondeu a processos sob a alegação de ter rompido as regras do funcionalismo e foi convocado a depor em uma CPI, em Brasília. Foi absolvido. “Ele pôs a carreira em risco em nome da ética, foi perseguido e teve a vida devassada”, relata o oncologista Jacob Kligerman, ex-diretor do Inca. Seja no hospital público, seja no consultório, Tabak sempre priorizou o doente. É do tipo que acredita que o otimismo e a espiritualidade podem favorecer o tratamento. Costuma dizer que, se Albert Einstein acreditava em milagres, por que ele não poderia crer? “Já testemunhei situações em que o quadro parecia irreversível ou no qual, de alguma forma, não havia possibilidade de recuperação, e ela de fato ocorreu.”
Só neste ano, cerca de 600 000 novos casos de câncer devem surgir no Brasil, quase metade deles na Região Sudeste (veja o quadro na pág. 21). No Rio, quem depende do sistema público sofre com as constantes crises no Inca. Na maioria das vezes, a lei federal que estipulou o prazo máximo de sessenta dias entre o diagnóstico do tumor e o início das terapias pelos serviços públicos não é cumprida. Com alto custo, que pode variar entre 10 000 e 40 000 reais por mês, diversos medicamentos de última geração usados há anos na rede privada não estão disponíveis no SUS. “Hoje, as pessoas que têm câncer estão divididas em duas classes: a das que têm chance à vida e a das que não têm”, revolta-se o médico, que é casado, tem três filhas e dois netos. Embora os hospitais paulistas ainda sejam os principais modelos, é inegável que existe um esforço da rede particular carioca em investir em centros oncológicos. A rede D’Or e o grupo Amil — hospitais Samaritano, Pró-Cardíaco e o Américas Medical City — são exemplos. Com exceção de algumas máquinas de radioterapia, o Rio tem o mesmo aparato de São Paulo, só que pulverizado. Tabak, que coordena o Programa de Terapia Celular da Clínica São Vicente e foi um dos mais jovens doutores eleitos para a Academia Nacional de Medicina, afirma que o tempo e a experiência não o tornaram impassível diante de um caso de câncer. “Não há como não se emocionar e sofrer junto com o paciente”, diz ele, que faz terapia, tem a fotografia como hobby e recentemente incorporou a meditação à sua rotina. Como dizia o clínico William Osler (1849-1919), conhecido como o pai da medicina moderna, o bom médico trata a doença, o grande médico trata o doente. Tabak, por tudo o que se vê, encaixa-se na segunda opção.