Vale a pena fazer de novo

Em meio à escassez de autores, as emissoras recorrem à adaptação de novelas que foram sucesso no passado

Por Carla Knoplech
Atualizado em 5 dez 2016, 15h19 - Publicado em 7 nov 2012, 17h11

As máximas de dois falecidos baluartes da TV se fundem para traduzir com fidelidade uma vertente em alta da teledramaturgia nacional: “Na televisão nada se cria, tudo se copia” (Chacrinha) e “Copiar o bom é melhor que inventar o ruim” (Armando Nogueira). É crescente a aposta das emissoras na reedição de novelas que fizeram sucesso no passado. Nos últimos dois anos, na Globo, na Record ou no SBT, foram ao ar cinco atrações do gênero, entre elas a trama da fogosa Gabriela, baseada no livro de Jorge Amado. O remake, encerrado há duas semanas, teve um hiato de 37 anos em relação à produção original. O mais recente exemplar da safra é Guerra dos Sexos, que em pouco mais de um mês no ar vem obtendo média de 27 pontos de audiência, número razoável para o horário das 7. Adaptada pelo mesmo Silvio de Abreu que esteve à frente da primeira versão, a novela traz uma diferença marcante. Livre da mão pesada da censura que ainda dava as cartas em 1983, o autor desta vez pôde abordar de forma explícita a temática do adultério, antes apenas insinuada (veja o quadro). “Estou reescrevendo todos os diálogos e grande parte das cenas”, revela Abreu. “Hoje, falamos e pensamos de maneira muito diferente. Os diálogos são outros, as gírias também.”

Uma conjunção de fatores contribui para que as atrações requentadas ganhem força. O mais importante é o déficit de dramaturgos talentosos para suprir a demanda crescente das emissoras. No momento, as três principais redes do país têm na grade de programação nada menos que doze horários dedicados às novelas. “Existem muitos autores novos e qualificados escrevendo, mas não na proporção de que a televisão necessita”, diz o empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-vice-presidente de operações da Rede Globo e emérito no assunto. Apesar de a emissora líder de audiência assegurar que o custo de uma novela, seja ela uma narrativa nova ou uma trama adaptada, é o mesmo ? em torno de 700?000 reais o capítulo ?, há benesses inegáveis que pesam a favor do remake. Não há como refutar que começar um trabalho a partir de uma base é bem mais fácil que iniciar tudo do zero. No mínimo, há um atalho na pesquisa de personagens, cenários e figurinos.

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Atestado de qualidade das TVs brasileiras, as novelas muitas vezes têm o dom de mobilizar o país ? o caso mais recente é Avenida Brasil, que em sua reta final virou assunto nacional. São exatamente obras que marcaram época as escolhidas para ser revividas. Trata-se de um tiro certeiro, devido à capacidade que têm esses títulos de atrair não só o espectador nostálgico como também o curioso que não viu a produção original. Não faltam exemplos para justificar a opção. No ar pela primeira vez em 1988 e reprisada quase 22 anos depois, a novela Vale Tudo superou as expectativas mais otimistas e levou o Viva à liderança entre os canais pagos com programação voltada para os adultos. Uma prova de que o saudosismo está em alta. “Vale a pena refazer uma trama, desde que seja um grande clássico”, afirma Boni. Seguindo o raciocínio, nas últimas temporadas entraram na linha de montagem das emissoras títulos emblemáticos de outrora, como Ti-ti-ti, na Globo, e Rebelde, novela adolescente da Record que tem como base uma matriz mexicana.

Além de seduzir a audiência, esse tipo de atração se presta a confrontar épocas, artistas e tecnologias. Dessa forma, tornam-se inevitáveis as comparações entre a produção pioneira e seu clone. Na década de 80, uma novela da Globo podia ter dezenas de locações ao longo de um só dia. A realidade agora é outra, com as gravações concentradas no núcleo de produções do Projac, em Jacarepaguá. Na primeira versão de Guerra dos Sexos, as cenas na loja dos protagonistas eram gravadas em um shopping paulistano. Hoje, o estabelecimento foi todo reproduzido na cidade cenográfica. Um luxo. Nessa ciranda entre o antes e o depois, ninguém sofre tanto com as comparações quanto os atores que encarnam personagens imortalizados na memória do público. É um imenso desafio sair da sombra deles. Foi por esse temor que Cleo Pires se recusou a ser a estrela de Cabocla, que teve sua mãe, Glória Pires, como protagonista em 1979 e foi refeita 25 anos depois. O papel ficou então com Vanessa Giácomo, atriz que involuntariamente enveredou pelos remakes e esteve no elenco das novas versões de Sinhá Moça, Paraíso e Gabriela. “Gosto de boas histórias, independentemente de serem originais ou não”, diz ela.

Não é de hoje que a televisão brasileira recorre às adaptações. A prática remonta aos primórdios da TV no país, na década de 50. “Esse artifício existe desde a época em que as radionovelas eram transformadas em projetos para a televisão”, ressalta Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP. Dentro do formato atual, em que as novelas são gravadas e exibidas em capítulos diários, a pioneira dos remakes foi A Selvagem, da TV Tupi, em 1971, a partir de Alma Cigana, exibida sete anos antes. Pelo jeito, esse tipo de produção está longe de um epílogo. A Globo já anunciou para 2013 uma versão de Saramandaia. Está na pauta também Dancin?Days, outro sucesso dos anos 70. Não será surpresa se daqui a algum tempo a gente der de cara com uma recauchutada Carminha na tela.

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