Imagem Blog

Aline Salcedo

Por Aline Salcedo, jornalista e maratonista que corre atrás de boas histórias Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

“Correr não é individual”: lições de Pedro Arieta das pistas para a vida

Mais do que um feito esportivo, o niteroiense protagonizou um gesto que merece ser contado — e que tem tudo a ver com o espírito do carioca

Por Aline Salcedo
Atualizado em 30 abr 2025, 14h15 - Publicado em 28 abr 2025, 11h07
Na maratona mais emblemática do mundo, Pedro Arieta (regata laranja) escolheu algo maior do que o próprio tempo: cruzar a linha de chegada junto. Em vez de ultrapassar outro corredor caído, estendeu a mão. Um gesto simples, mas que sintetiza o verdadeiro espírito do esporte
Pedro Arieta (regata laranja) cruza a linha de chegada da Maratona de Boston ao lado do corredor que ajudou a se levantar do chão a poucos metros da chegada, em um gesto de solidariedade que emocionou o mundo (Arquivo Pessoal/Arquivo pessoal)
Continua após publicidade

Na reta final da Maratona de Boston, na última segunda-feira (21), um corredor desabou a poucos metros da linha de chegada. Atrás dele, o brasileiro Pedro Arieta, 34 anos, tinha tudo para ultrapassá-lo e garantir seu recorde pessoal. Mas parou. Estendeu o braço. Ajudou. E cruzou a linha com o outro nos ombros — feliz da vida. A cena rodou o mundo — e fez de Pedro símbolo de algo raro: gentileza sob pressão, empatia no auge da exaustão.

Engenheiro, pai de João, 3 anos, e morador de Niterói, Pedro estreava em sua primeira Major com a garra de quem não estava ali apenas por performance. A corrida, para ele, é parte da vida. No inspirador bate-papo a seguir, ele reflete sobre corridas, escolhas, sonhos e valores para muito além das medalhas.

“Correr é mais que hobby, é minha terapia”

A preparação para Boston foi tratada com seriedade — e como um novo começo. A decisão de correr a prova mais icônica dos 42 km veio depois de anos de triatlo e duas Maratonas do Rio no currículo. A esposa, Luiza Cravo — terceira brasileira mais bem colocada em Boston este ano — foi incentivo e inspiração. “Foi ela que escolheu, porque Boston é a prova. Coloquei na cabeça que voltaria com tudo. Levei a sério e não perdi nenhum treino. Estava preparado para bater meu recorde pessoal.”

Durante o ciclo de preparação, a corrida deixou de ser apenas física: tornou-se emocional. “Correr é mais que hobby, é minha terapia. É onde gasto minha energia, encontro meu ciclo social e corro ao lado da minha esposa, que também ama o esporte.”

“O que aconteceu ali não foi sobre mim. Foi sobre humanidade”

 

Sobre a cena que correu o mundo pela espontaneidade, mas mais do que qualquer medalha, definiu sua estreia em Boston. Muito religioso, Pedro acredita que nada foi por acaso. “Foi tudo muito rápido. Vi ele caído e parei no instinto. Não pensei. Só fui.” Mas reerguer o corredor não foi nada simples. “Eu tentava levantar ele e ele não reagia. Pensei: ‘e agora?’ Então virei no ouvido dele e falei: levanta, vamos, segura no meu braço. Porque quando a gente está muito mal, precisa acreditar que consegue.

Continua após a publicidade

 

“Correr me equilibra: em menos de uma hora por dia, consigo me reabastecer para todo o resto”

 

Muito além do gesto isolado, Pedro reflete sobre o significado da corrida para sua vida. “A corrida é muito mais coletiva do que parece. A gente treina junto, torce junto, sofre e vibra junto. Fomos feitos para estar em comunidade. Isso vale pra corrida e pra vida”.

Conciliar treinos com trabalho, filhos e vida pessoal é o seu maior desafio — e também a recompensa. “Em menos de uma hora por dia, consigo me reabastecer para todo o resto”, garante ele. No começo, foi sua mulher, Luiza, quem o levou para as pistas. “Um dia, estava estressado e falei que precisava de um novo desafio. Ela me inscreveu numa maratona sem me avisar”, conta, aos risos. Desde então, ele treina com a equipe EZK, de Niterói, e coleciona amizades que construiu correndo. “A corrida cria uma rede de apoio que vai muito além dos quilômetros.

 

“A corrida no Rio vive um momento especial”


Continua após a publicidade

Pedro lembra dos tempos em que praticava triatlo e poucos sabiam o que era. Hoje, ele enxerga que o Rio vive um novo capítulo esportivo, especialmente com a corrida de rua. “A corrida de rua cresceu e tomou uma proporção linda. Hoje as pessoas entendem que é sobre cuidar do corpo e da alma. Para mim, correr é isso: é o que equilibra corpo, alma e espírito. Se um desses pilares falha, a vida sai do ritmo”.

 

Nem todo herói acorda cedo feliz: Pedro Arieta e os bastidores da vida de corredor

Nesta versão adaptada do clássico Questionário de Proust, o maratonista que brilhou em Boston conta como lida com o medo de falhar, o mal humor nos treinos e o sonho de cruzar novas linhas de chegada

1. Qual é o seu maior medo numa maratona? E fora dela? Não terminar. Dentro e fora da maratona, meu maior medo é não completar aquilo que me propus a fazer.

2. Que qualidade mais admira em quem corre ao seu lado? Admiro muito o coração da minha esposa, que corre comigo e tem uma energia incrível.

3. Quem é a pessoa viva que mais te inspira — nas pistas e na vida? Jesus Cristo. Ele está vivão.

Continua após a publicidade

4. Qual é sua maior extravagância como corredor amador? Me inscrever na Maratona de Boston com o dólar a seis reais. Não me arrependo nem um pouco.

5. Em que lugar do mundo você sonha correr? E qual trecho do Rio você não trocaria nem por medalha? Quero correr todas as majors — Londres, Berlim, Tóquio, Nova York, Chicago e Sydney. No Rio, não trocaria a orla de Niterói, especialmente Icaraí, São Francisco e a Fortaleza de Santa Cruz.

6. Qual é o seu mantra secreto nos quilômetros mais duros? Quando o treino fica muito pesado, o bicho pega e eu fico mal-humorado. Mas procuro focar na execução e lembrar do propósito maior.

7. Se pudesse mudar uma única coisa na cena de corrida carioca, qual seria? Expandir as corridas para além dos bairros mais ricos, levando mais eventos para áreas como a Baixada.

8. Como você se sente na largada, no meio da corrida e na chegada? Na largada, nervoso (muito nervoso!); no meio, focado; e na chegada, feliz e comemorando.

Continua após a publicidade

9. O que mudaria em você como atleta? Queria acordar cedo pra treinar sem sofrer — e estou melhorando nisso.

10. Qual é o seu lema — nos treinos e na vida? A gente precisa uns dos outros. Às vezes precisamos pedir ajuda; outras vezes, ser quem estende a mão.

 

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Assinantes da cidade do RJ

A partir de 35,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.