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Analice Gigliotti

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Comportamento

Apostas online: o perigo da liberação do jogo ronda novamente

Audiência pública irá discutir, mês que vem, o impacto do jogo no Brasil

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 20 out 2024, 11h23 - Publicado em 18 out 2024, 09h40
Homem olha para o aparelho de celular.
Dependência em jogos de azar: crescimento dos sites de apostas preocupa e será tema de discussão no STF. (Freepik/Reprodução)
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Está agendada para o próximo dia 11 de novembro, uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal acerca da do impacto das apostas online no Brasil. Para além de todas as vertentes financeiras e fiscais, que seguramente serão ouvidas, é fundamental também dar voz aos especialistas em saúde mental, tendo em vista a alta capacidade de causar dependência em seus usuários – desde 1979 a Organização Mundial de Saúde reconhece o Transtorno do Jogo e, desde 2018, a OMS também considera o uso abusivo de jogos eletrônicos uma doença.

Recém-sancionada pelo Governo Federal, a atividade dos sites de apostas é bastante questionável por diversas razões. Recentes escândalos, envolvendo inclusive pessoas famosas, indicam a ligação das bets com manipulação de resultados de jogos esportivos, além de lavagem de dinheiro.

O risco do acesso facilitado e regulamentado a sites de apostas, à distância de apenas um toque no celular, é uma ameaça real à saúde mental da população. Os impactos do jogo patológico são bastante significativos. Quem convive com dependentes sabe o estrago que os jogos de azar são capazes de causar não apenas na vida dependente – social, familiar, financeira, laboral – mas também na vida de sua família.

O grave é que, diante de qualquer gatilho de frustração ou ansiedade, o jogo está logo ali, pronto para “consolar” o usuário. E como acontece com toda droga, quanto mais rápido o efeito da substância, maior sua capacidade de gerar vício. No caso do jogo, como a resposta cerebral é praticamente imediata, a fissura por uma nova experiência leva a uma nova aposta de forma quase sequenciada. Resultado: mais de 22 milhões de brasileiros já apostaram em alguma plataforma de bet, superando até mesmo os investimentos em ações e outros títulos financeiros.

Para agravar ainda mais a situação de quem aposta, os jogos online são fartamente divulgados na televisão, em patrocínios, em diversas mídias e nas redes sociais, por influenciadores digitais, que levam milhares de incautos a apostar (e perder) o que tem e o que não tem. Esta é uma das facetas mais terríveis e tristes do jogo compulsivo: ela arrasta tudo que circunda a vida do jogador.

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É fundamental que o movimento que se organiza para regulamentar o jogo considere duas vertentes:  a prevenção à adição e o tratamento a quem já apresenta diagnóstico de dependência. Diretrizes como restrições de horário e limites de gastos em apostas são essenciais para diminuir os riscos de dependência. Outras iniciativas, como monitoramento e coleta de dados dos apostadores, também colaboram para a prevenção, evitando que se propague uma “epidemia” de transtorno do jogo.

Outro fator a que as autoridades devem estar atentas é na divulgação de sites de apostas entre o público menor de idade. Com o objetivo de ganhar mercado nesse recorte da população e diante da falta de regras claras, as empresas recorrem à publicidade danosa, que lança mão de recursos pouco éticos.

A lei já prevê que parte da arrecadação com apostas deve ser revertida em programas de prevenção e tratamento do transtorno do jogo. No entanto, não vemos iniciativas concretas nesse sentido até o presente momento. Algumas ações possíveis de imediato são a criação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) com finalidade específica para o tratamento do jogo patológico e a melhor capacitação dos profissionais de saúde que lidam com essa adição.

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Há mais quinze anos, montei um dos primeiros Centros de Tratamento de Dependências Comportamentais do Brasil na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Acompanho o tema muito de perto, há bastante tempo, e estou bastante impressionada como a prevalência em adicçao a jogos de azar aumentou e como os quadros têm sido mais graves, especialmente depois da ascensão dos sites de apostas e jogos online. Não estou sozinha neste sentimento. Pessoas ativas na sociedade civil já notaram o tamanho do imbroglio: a imprensa noticiou recentemente que o comunicador e influenciador Felipe Neto, um dos maiores do país, procurou a ministra da da Saúde, Nísia Trindade, se oferecendo para contribuir no combate ao uso abusivo das bets.

Também em função dessa crescente demanda, a Espaço Clif, para cumprir com seu papel social, acaba de organizar o serviço de atendimento “Programa Mudando o Jogo”, tanto para os dependentes quanto para suas famílias. Visando que ele tenha o maior alcance possível e possa ser de utilidade para o maior número de pessoas, como uma prestação de serviço, os preços praticados para esses atendimentos serão acessíveis. Estarão pessoalmente atendendo, além de mim e Aline Berger, os psicólogos Elizabeth Carneiro, Sabrina Presman e Marco Aurelio Nunes. Se desejar participar, envie uma mensagem para o WhatsApp 21 99229-6294.

Mas não é suficiente. É de suma responsabilidade que na audiência de 11 de novembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal estejam atentos aos diversos argumentos que rogam o máximo rigor com as atividades de apostas online no Brasil, em nome da saúde pública dos brasileiros.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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