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Comportamento

Jogo do Tigrinho: o perigo por trás da febre da vez

Facilidade de apostas em sequência põe em risco a saúde mental e financeira dos usuários

Por Analice Gigliotti
5 ago 2024, 11h02
Homem é iluminado pela luz do celular.
Apostas online deixam o usuário a apenas um toque de distância do jogo. (Pixabay/Reprodução)
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A contravenção é uma especialista em simular novas faces para velhos delitos. A mais recente chama-se “Jogo do Tigrinho” que, nada mais é, do que um tipo de cassino online, atividade ilegal no Brasil. O jogo, que simula um caça-níquel, ficou famoso por prometer ganhos fora da curva. De modo geral, as empresas dessas plataformas são clandestinas e estão hospedadas fora do país.

Se a referência é mesmo os cassinos, os usuários deveriam se lembrar que quem sempre ganha é a banca. O jogo é feito para o apostador perder, caso contrário, o negócio não se sustenta. Atendendo a essa lei, há jogadores que contraem altas dívidas, vendem seus bens, pegam dinheiro com agiotas e até tiram a própria vida.

O grave nesses casos é que o cassino está na palma da mão, a apenas um simples toque de distância, podendo jogar em casa, na sala de espera ou no transporte público, por exemplo. O perigoso é que diante de qualquer gatilho de frustração ou ansiedade, o jogo está logo ali, pronto para “consolar” o usuário. No entanto, diferente de outras décadas atrás, hoje não há inocentes nesse ambiente. Todos temos suficiente informação, rodeados de redes sociais que nos bombardeiam e seduzem, o que facilita a adicção. Se a compulsão já é alta mesmo sem a oferta de qualquer lucro, imagina quando a ela se soma a possibilidade duvidosa (e improvável) do dinheiro fácil.

Como acontece em toda droga, quanto mais rápido o efeito da substância, mais viciante ela é. O crack (cocaína fumada), por exemplo, faz efeito mais rápido que a cocaína inalada, e é exatamente por isso que gera mais dependência. Além disso, o crack tem um efeito mais curto que a coca inalada, é por isso que os usuários precisam repetir o consumo com mais frequência, o que facilita a adicção. No caso do jogo, como a resposta cerebral é praticamente imediata, a fissura por uma nova experiência leva a uma nova aposta de forma quase sequenciada, mediante a busca do nosso Centro de Recompensa Cerebral por mais uma rodada de prazer com a liberação da dopamina. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera, desde 2018, o uso abusivo de jogos eletrônicos uma doença, tendo em vista os prejuízos físicos, psicológicos e interrelacionais que o jogo traz.

Para agravar ainda mais a situação de quem aposta, o “Jogo do Tigrinho” foi amplamente divulgado nas redes sociais por influenciadores digitais, que levaram milhares de incautos a apostar (e perder) o que tem e o que não tem. Esta é uma das facetas mais terríveis e tristes do jogo compulsivo: ela arrasta tudo que circunda a vida do jogador. Justamente pelo seu potencial destrutivo, o Ministério da Fazenda publicou na última quinta-feira, 01 de agosto, uma portaria que proíbe a divulgação de propagandas de apostas online que apresentem os jogos como meio de enriquecimento fácil, incluindo as que são feitas por influenciadores.

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Os novos caça-níqueis digitais vem se juntar à febre das apostas esportivas, as “bets”, sites de apostas que derramaram milhões de reais em patrocínios nos clubes e campeonatos e hoje estão presentes em anúncios na beira do campo até o uniforme dos jogadores.

Sob o disfarce de um pretenso conhecimento esportivo, aposta-se muito dinheiro em resultados de jogos sobre os quais não há nenhuma certeza ou previsibilidade. O esporte – atividade tão nobre e que defende a vitória de quem mais a merecer – passa a servir como subterfúgio para jogos de azar, cujo nome fala por si só: se fossem bons, se chamariam jogos de sorte.

Mais do que nunca, é fundamental uma legislação que regule não apenas a presença de sites e plataformas de apostas, mas também como eles podem atuar no Brasil, evitando a adesão de novos usuários e informando-os sobre os riscos implícitos a esta atividade.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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