Menos álcool: 53% dos brasileiros que bebem dizem ter reduzido o consumo
...mas 1 em cada 5 dos que bebem admitem que exageram

O Datafolha acaba de divulgar uma pesquisa que traz conclusões bastante interessantes. Publicada pela Folha de São Paulo e reproduzida em diversos veículos, os números merecem ser compartilhadas por fazer um retrato de como as bebidas alcoólicas estão inseridas nos hábitos de consumo e o quanto fazem parte da vida dos brasileiros. Feita entre os dias 8 e 11 de abril, com 1.912 entrevistados em 113 municípios de todas as regiões do Brasil, o instituto concluiu que a população brasileira está dividida quando o tema é consumo de bebidas alcoólicas: 51% confirmam consumir a substância, enquanto 49% não o fazem.
O dado de que metade da população é abstemia não chega a ser uma novidade. Isso é sabido desde 2017, quando foi publicado o 2º Lenad (levantamento produzido pela Universidade Federal de São Paulo – Unifesp), em 2013. É curioso quando compartilho essa informação com os pacientes. Eles têm dificuldade em acreditar: acreditam que o mundo se resume às pessoas que os cercam e que, assim como eles, bebem.
A novidade é que, no último ano, mais da metade (53%) dos que ingeriram bebidas alcoólicas dizem que o seu consumo diminuiu. Já para 12% houve aumento do consumo e 35% mantiveram o padrão de doses.
Há algum tempo já se observa, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, a redução do consumo de bebidas alcoólicas, especialmente entre os mais jovens. Estados Unidos, Reino Unido e outros países registram queda consistente no consumo de álcool nesta faixa etária. Publicado em 2023, estudo da consultoria Gallup, apontou que, nos EUA, 62% dos adultos de 18 a 35 anos dizem beber, uma diferença de dez pontos percentuais em relação a duas décadas atrás, quando 72% afirmavam ter esse hábito. No Reino Unido, cerca de 30% dos jovens de 18 a 24 anos diz não consumir bebida alcoólica, de acordo com um relatório da Mintel, também de 2023.
O Brasil tem uma média de consumo anual de álcool estimada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 7,7 litros. De acordo com a pesquisa, os brasileiros beberam em média 4,5 doses da substância na semana anterior à pesquisa (uma dose é entendida como uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou espumante, dose de destilado ou drinque). Dentre os que dizem consumir álcool, 10% beberam 11 ou mais doses na semana anterior ao levantamento, 13% consumiu de seis a dez doses, 16%, de três a cinco doses e 19% consumiu até duas doses. Cerca de 36% disseram não ter consumido álcool no período e 5% não responderam.
Com relação à frequência, 3% dos brasileiros que bebem álcool o fazem de cinco a sete dias na semana, 3% de três a quatro vezes em uma semana, 20% o fazem de uma a duas vezes na semana, 10%, uma vez a cada 15 dias e 13% ingerem bebidas alcoólicas uma vez por mês ou menos.
No Brasil, a faixa etária dos 18 aos 34 anos lidera a ingestão de bebidas alcoólicas: 58% das pessoas nesta faixa etária. Na faixa seguinte, dos 35 a 44 anos, o percentual cai para 55%. A queda se acentua entre os que têm de 45 a 59 anos, dos quais 46% dizem beber. Entre os que têm 60 anos ou mais, 35% dizem ingerir álcool. Já dentre os jovens menores de idade, de 16 a 17 anos, 27% dizem ingerir álcool.
Segundo o levantamento Copo Meio Cheio da empresa de pesquisa Go Magenta, este número só fez crescer com o passar das décadas: 28% da geração X (nascidos entre 1965 e 1980) começou a beber antes dos 18 anos, percentual que subiu para 37% na geração Y (ou millennials, nascidos entre 1981 e 1996) e para 48% na geração Z (nascidos entre 1997 e 2012). Ou seja: a iniciação do contato com o álcool está acontecendo cada vez mais cedo – o que é bastante preocupante para possíveis desenvolvimentos de dependência.
A relação com bebidas alcoólicas também é impactada pelo gênero. Segundo a pesquisa Datafolha, os brasileiros bebem mais do que as brasileiras (58% dos homens, 42% das mulheres). Mesmo entre os que dizem não beber, 61% dos homens já consumiram bebidas alcoólicas, índice que fica em 40% entre as mulheres.
Quanto a frequência, 10% dos homens dizem beber álcool de três a sete dias na semana. Esse número cai para apenas 2% entre as mulheres. A relação se mantém em frequência menor de consumo: homens representam 25% dos que dizem beber uma a duas vezes por semana e mulheres são 16%. Homens tendem mais a enxergar abuso no consumo: 21% deles dizem consumir mais ou muito mais álcool do que deveriam. Entre as mulheres, apenas 14% acreditar exagerar na ingestão.
O raio-X do consumo de álcool apresentado pelo Instituto Datafolha é excelente material para guiar campanhas de prevenção à dependência, especialmente no que tange o comportamento dos jovens.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp (CRM 5249669-2 e RQE 21502); professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.