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As Ruas do Rio

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Blog sobre as ruas do Rio de Janeiro
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Pelas ruas da Ilha de Paquetá

Um fim de semana em Paquetá: a ilha em que todo mundo vai quando criança, mas esquece de voltar na fase adulta Panorama da Praia Grossa, próxima à estação das barcas, com a emblemática casa rosa que serviu de filmagem para a telenovela “A Moreninha”, na década de 70. por Pedro Paulo Bastos Garça, ave […]

Por Pedro Paulo Bastos
Atualizado em 25 fev 2017, 19h21 - Publicado em 11 jul 2012, 20h00

Um fim de semana em Paquetá: a ilha em que todo mundo vai quando criança, mas esquece de voltar na fase adulta

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Panorama da Praia Grossa, próxima à estação das barcas, com a emblemática casa rosa que serviu de filmagem para a telenovela “A Moreninha”, na década de 70.

por Pedro Paulo Bastos

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Garça, ave comum pelas praias da Ilha
  
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A primeira vez que estive em Paquetá o meu humor estava detestável. Fazia um calor insuportável, a água da Baía de Guanabara imprópria para banho e a fome reinava quase que continuamente. A cestinha de lanche que minha mãe preparara para um possível piquenique acabou rapidamente, já durante a viagem nas barcas, e os restaurantes de lá não eram assim tão abundantes, muito menos ágeis no atendimento. Isso foi há mais de quinze anos, eu era um moleque. Nesse último fim de semana, entretanto, minha família decidiu que passaríamos um fim de semana por lá, na Ilha de Paquetá, para comemorar o aniversário de uma das minhas tias. Ao todo fomos em um grupo de onze pessoas. O objetivo foi comemorar o seu cumpleaños de forma nada tradicional, além de, claro, trazer à tona as mais remotas memórias da ilha que povoou, por algum momento, a infância de nove entre dez cariocas. Sim, esses números eu afirmo com convicção!

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A perspectiva hoje, para mim, foi toda diferente do que a da última vez. O passeio nas barcas, sempre agradável para Niterói – exceto nas horas de rush, em que tudo parece ser um verdadeiro tsunami de gente -, é ainda mais interessante em direção à Ilha de Paquetá. Passar por debaixo da Ponte Rio-Niterói dá uma sensação de pequenez diante daquele monstro semi-aquático. Avistar o Centro do Rio, com seus espigões e com o lindo contorno do morro ao fundo, é uma outra atração para os passageiros. Eles se amontoam na popa para tirar fotos ou simplesmente para sentir o vento na cara. A viagem dura, aproximadamente, setenta minutos. Mar aberto, com uma ou outra ilhota perdida pela baía. Se estiver revolto, a barca dá aquela balançada perfeita para uma soneca não-programada. Ela aporta na Praça Pedro Bruno, no “centro” de Paquetá, em meio ao olhar impaciente e curioso de outros passageiros que esperam para embarcar. Os que chegam, se misturam ao falatório e às risadas naturais propiciadas por um local livre de corre-corre, estresse e poluição.

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A partida da Praça XV pela Baía de Guanabara pelas barcas é um belo passeio. Se não me engano, a barca que faz o percurso para Paquetá é sempre a mesma, com o nome de Itapuca.

Ficamos alojados numa simpática pousada de frente para a Praça Bom Jesus, a poucos passos da estação das barcas. Ela é oficialmente a mais antiga praça de Paquetá. Segundo o livreto Reviver Paquetá, promovido pela Casa de Artes Paquetá, foi na Praça Bom Jesus onde se comemorou pela primeira vez o Dia da Árvore no Brasil, em 1904. Aprofundando-me mais em informações utilitárias sobre o local, é importante enumerar algumas coisinhas sobre lá. Primeiro, vou contar uma anedota, de uma hóspede que chegou a essa pousada questionando como ela fazia para ligar para o Rio de Janeiro. A resposta foi simples, por parte de alguém responsável na recepção: “Do mesmo jeito que o senhor/a senhora costuma fazer. Nós estamos no Rio“. Lá é tão diferente do resto da cidade que esquecemos ou ignoramos o fato de Paquetá ser um bairro do munícipio do Rio, além de ser nome também de uma região administrativa acoplada à Subprefeitura do Centro.

Depois do farto almoço no Paquetá Iate Clube (fica a dica!) e da sobremesa na sorveteria (gostosa e barata, R$ 1,80 a bola) em frente à Praça Pedro Bruno, foi a vez de aproveitar o sábado de sol rodando a ilha da melhor forma: de bicicleta. Eu, meu primo e sua namorada alugamos três magrelas com um rapaz na Rua Comendador Lage (R$ 4 por hora), que ajustou gentilmente todos os apetrechos delas para nós. Eis o momento mais divertido, porque fomos nos embrenhando naquele labirinto de ruas sem asfalto e conhecendo mais de Paquetá. Às vezes tomávamos cuidado com a poeira de terra que pairava pelo ar ocasionada pelos cavalos das charretes. Nossa referência era sempre a orla, que a qualquer manobra que fizéssemos, chegávamos nela. Foi de bicicleta que tivemos o privilégio de assistir ao seu pôr-do-sol, na Praia José Bonifácio. A Ilha do Governador, ao fundo, começava a tornar-se brilhante com as suas numerosas edificações. O céu passava por uma transição fantástica de cores fortes para frias. Do laranja ao rosado, do rosado para o roxo cintilante, e a pelotona de fogo que é o sol, desaparecendo aos poucos, até ficar tudo escuro. 

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As charretes, meio de transporte mais comum em Paquetá, contam com éguas que levam um enfeite florido no cocuruto. Ao lado, a Praça Bom Jesus.

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A bicicleta é o segundo e último meio de transporte existente na ilha. No anoitecer, é a melhor opção para percorrer Paquetá e o seu pôr-do-sol, em diferentes ângulos.

Nos primórdios, Paquetá fora encontrada por acaso por Dom João VI, que usou a ilha para se abrigar de uma tempestade enquanto navegava pela Baía de Guanabara. Desde então, encantou-se com o lugar, passando a usá-lo como “refúgio dos formalismos da Corte”. Séculos depois, Paquetá ainda é vista como um refúgio em meio ao caos da cidade grande. Tem grande apelo turístico por suas belezas naturais, embora seja pouco explorada e investida pela Prefeitura. Aliás, as referências de que a Prefeitura tem agido lá são poucas. O clássico mobiliário urbano carioca, como as placas-pirulito, por exemplo, não são encontradas em lugar algum, muito menos sinalizações turísticas padronizadas. Creio que o elemento mais fácil de se ver ali são as lixeiras alaranjadas da Comlurb. E só. De resto, a arrumação da ilha fica sob a responsabilidade de pequenos empresários locais e da colaboração dos moradores. Talvez seja essa a sensação citada anteriormente, a de se sentir fora do Rio de Janeiro, já que não há uma identidade senão a Baía de Guanabara.
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A sinalização das ruas é feita com blocos
de pedra, remetendo à era dos Flintstones
  
O dia seguinte, domingo, foi chuvoso e consideravelmente frio para os padrões cariocas. Afinal, estávamos à beira da baía. Imagina o vento! A chuvinha fina impediu que cumpríssemos a segunda parte da programação, a de percorrer outras partes de Paquetá, só que como pedestres. Como as ruas são de terra, a mistura com a água da chuva tornou-as um pouco lamacentas. Mas era aquela chuvinha que ia e vinha, chatinha, prontamente resolvida com a compra de capas e guardas-chuva. Eu, desprovido de qualquer manga comprida na bagagem, me infiltrei pela Rua Furquim Werneck onde encontrei uma modesta lojinha de roupas e acessórios. Saí de lá com um casaco dos bons, desses de moleton. No entanto, decidimos seguir um passeio guiado de charrete (R$ 50, cabem até cinco pessoas) por toda a ilha. Duas capas grossas de plástico incolor cobriam as laterais da charrete como proteção contra a ventania.
 

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O Parque dos Tamoios conta com um paisagismo caprichado e um busto de Carlos Gomes, em homenagem ao compositor. A maioria das casas conta com árvores ou jardins floridos.

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À esquerda, a Rua Doutor Lacerda, em direção à Praia José Bonifácio. Em seguida, casa de muro baixinho na Praia das Gaivotas. Observe a placa de trânsito, indicando limite máximo de 20 km/h, embora não circulem automóveis por ali.

A Ilha de Paquetá não tem nada de luxo. Muito menos seu comércio. Tudo é muito simples e enraizado, o que a mantém um lugar bem original e despretensioso. As ruas internas são, do ponto de vista estético, mais pobres, de aspecto mais degradado. Por outro lado, quase toda a orla conta com casas muito bonitas, floridas, cheias de detalhes e história. No passeio de charrete, o rapaz que nos guiou mostrou o significado de cada uma delas. Uma das mais chamativas, o bangalô rosa, na Praia Grossa, serviu de filmagem para as cenas da novela “A Moreninha”, inspirada no romance de Joaquim Manoel de Macedo. Na Praia dos Tamoios, um parque caprichadíssimo em paisagismo é acompanhado por uma série de casas e chácaras espaçosas e bem cuidadas. O mesmo acontece na Praia das Gaivotas, com residências de muro baixinho de pedra e portão de madeira pintada de azul. Subindo a Praia dos Tamoios, percorre-se um atalho meio cavernoso que vai desembocar em frente ao Preventório Dona Amélia, uma antiga construção de Paquetá que serviu para a Liga Brasileira Contra a Tuberculose no início do século XX. O letreiro ainda é o original, e a chácara me chamou muita a atenção pelo aspecto lúgrube, meio mal assombrado. Há muitos urubus sobrevoando Paquetá, ou seja, imagina o panorama.
 
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O pagode chinês, conhecido
também como Chácara da Moreninha
  
A última programação em Paquetá foi um almoço na Casa de Artes Paquetá, na Praia de São Roque. A casa estava mais movimentada na parte da noite, lotada, com música ao vivo. No almoço, quase que como um privilégio, só estávamos nós, o que fez com que a família e os amigos reunidos ficássemos bem à vontade para explorar a incrível arquitetura de lá. O terreno era de propriedade de Ormy Toledo, uma empreendora cultural de Paquetá, que promoveu amplas reformas paisagísticas por ali, com jardins impecáveis. Dos prédios, a Casa de Artes de Paquetá segue uma linha mais colonial, enquanto a chácara dos fundos refaz perfeitamente as linhas de Gaudí (Barcelona!, procure no Google se a memória falhar). No terreno vizinho, a réplica de um pagode chinês, tão lindo quanto o prédio meio catalão, é conhecido como Chácara da Moreninha. Uma curiosidade é que o espaço já foi ponto de encontro de muitos músicos do nosso Brasil, como o Pixinguinha, Orestes Barbosa, Sílvio Caldas, Lamartine Babo, que se reuniam para grandes saraus com a presença de parte da antiga elite política e intelectual do então Distrito Federal.
 

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A Casa de Artes de Paquetá tem um estilo mais colonial, com janelões, enquanto a chácara dos fundos foi inspirada nas curvas artísticas do arquiteto catalão Antoni Gaudí.

No passeio de charrete, consegui ver muita coisa de Paquetá que foi impossível registrar em fotos (pela chuva!) e muito menos nessa crônica, que ficou mais longa do que deveria. Paquetá tem muitas coisas mais a mostrar, muitas curiosidades, muita história. O que me impressionou, após tantos anos, foi como um lugar tão próximo do “Rio” (com aspas, é claro!) consegue ser tão diferente, tão pacato e com uma rotina totalmente paralela. Paquetá pode ser enquadrada como uma periferia do município do Rio, embora totalmente distinta do estereótipo de periferia. Muita gente vive lá e trabalha no “Rio”, muita gente deve sofrer os problemas das barcas, que no dia-a-dia não são tão agradáveis assim, porém, o que não se pode negar é que a qualidade de vida dos subúrbios foi mantida por lá. Não se vê ameaça de nada. Não tem lei seca, não tem semáforo, nem faixa de pedestre. Diz a lenda que policiais não gostam de ser alocados para trabalho na ilha justamente pelos raríssimos casos de criminalidade; tudo muito pacífico. O clima é amistoso por toda a Ilha de Paquetá, mesmo com o cheiro de bosta que os cavalos vão deixando pelo caminho, situação que acaba sendo mais piadista do que inconveniente. Em nome da minha família, posso dizer que passamos um fim de semana enriquecedor culturalmente. Dos bons, dos nada tradicionais.
 

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