Imagem Blog

Daniel Sampaio

Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Continua após publicidade

Conheça a história da Barra da Tijuca

Vamos falar da trajetória desse enorme areal inabitado que se tornou a promessa de um novo Rio de Janeiro

Por Daniel Sampaio Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 23 ago 2024, 11h13 - Publicado em 23 ago 2024, 11h10

A região onde hoje se encontra o bairro da Barra da Tijuca já foi ocupada pelos tupinambás até a chegada dos europeus, no século XVI. Conta-se que a esquadra comandada por Gaspar de Lemos, que saiu de Lisboa em 1501 e “achou” o Rio de Janeiro, navegou quatro léguas a Oeste e encontrou a Barra da Tijuca, que desprezou por não ser propícia a receber nem mesmo pequenas embarcações. Seguiu adiante pela Restinga da Marambaia até achar a Ilha que chamou de Ilha-Grande-dos-Magos (atual Ilha Grande), por ser então 6 de janeiro de 1502.

Diferentemente de outras áreas rurais do Rio de Janeiro, a Baixada de Jacarepaguá não foi explorada pelos jesuítas. Foi sesmaria cedida à família Sá, de Coimbra, após a expulsão dos franceses que culminou na fundação da cidade, em 1565.

Mapa indicando a divisão da Barra da Tijuca no início do período colonial
Mapa indicando a divisão da Barra da Tijuca no início do período colonial (Internet/Reprodução)

O português Salvador Correia de Sá, o “Velho”, primo de Estácio de Sá, militar português que fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, e primo de Mem de Sá, governador-geral do Brasil, foi governador do Rio de Janeiro e recebeu a sesmaria da Baixada de Jacarepaguá no século XVI, além de glebas de terras na atual Tijuca. Com sua morte, em 1594, seus filhos Martim e Gonçalo herdaram essas terras. A metade ocidental da sesmaria ficou com Martim de Sá.

A parte oriental da sesmaria, que era de Gonçalo de Sá, ia do Campinho, passando pelo Tanque e chegando até as lagoas da Tijuca, do Camorim, de Jacarepaguá e do Marapendi, além dos Campos de Sernambetiba. Apesar de essa sesmaria conter a área onde hoje está a Barra da Tijuca, seus engenhos ficavam nos atuais Anil (Engenho d’Água) e Gávea (Rua Faro). Isso se deve ao fato de que a atual Barra sempre foi uma grande área alagadiça, com matas de restinga, impróprias para o cultivo se comparada com Jacarepaguá.

Em 1667, meses antes de seu falecimento, Vitória Correia de Sá, filha de Gonçalo, deixou em testamento um legado aos monges beneditinos: suas terras na Baixada de Jacarepaguá, incluindo a Barra da Tijuca.

Anúncio de classificados vendendo fazenda na Barra
Jornal do Commercio – 3/10/1872 (Hemeroteca da BN/Reprodução)

Com o passar do tempo, os monges beneditinos foram vendendo parte das terras da Barra da Tijuca a particulares, provavelmente pela necessidade de capitalização, em virtude do custeio de suas atividades eclesiásticas. Os donos de algumas dessas propriedades publicaram anúncios nos classificados de jornais do século XIX, revelando uma mudança da cultura canavieira para o café e também o uso de mão de obra escravizada.

Continua após a publicidade

No anúncio abaixo, percebe-se que a Barra da Tijuca era também destino de pessoas escravizadas que conseguiam fugir de seu cativeiro, talvez pelo difícil acesso e pela grande extensão de suas terras, muitas delas desocupadas.

Anúncio de classificados avisando sobre escravo fugido
Diário do Rio de Janeiro – 18/1/1871 (Hemeroteca da BN/Reprodução)

A construção das estradas que levavam da Tijuca (então chamado de Andarahy) até a Barra da Tijuca pelo Alto da Boa Vista (então chamado de Tijuca) remonta à segunda metade do século XIX. Esses melhoramentos conectaram de forma eficiente o elegante bairro da Tijuca à então selvagem Barra da Tijuca, pelo Itanhangá. Finalmente o bairro podia ser acessado de outra maneira que não pelas antigas estradas de Jacarepaguá. Era o começo de uma nova era para a Barra; não mais apenas um longínquo logradouro rural, mas também um destino de lazer e turismo.

Vista das Furnas de Agassiz; ao fundo, a Lagoa da Tijuca – Ferrez, Marc – 1880 circa – Coleção Gilberto Ferrez / IMS

A Barra da Tijuca era destino muito desejado por cariocas que queriam fugir do caos e insalubridade urbana do Rio e respirar ar puro. Isso foi facilitado durante a administração de Pereira Passos (1902-1906), que urbanizou e melhorou antigas estradas da Floresta da Tijuca, como a Estrada de Furnas, e construiu novos logradouros no Alto da Boa Vista, como a Praça Afonso Viseu.

Pereira Passos em visita à Floresta da Tijuca – 19/04/1906 – Coleção Família Passos (Museu da República/IBRAM)

Continua após a publicidade

Em coluna do jornal “Gazeta da Tarde” de 7 de novembro de 1890, descreve-se muito bem a visão daquela época sobre a Barra da Tijuca e arredores:

“Um passeio campestre a esse lugar é delicioso. (…) O visitante que gosta de curiosidades encontra nesse local as melhores paisagens. (…) Infelizmente entre nós ainda não está desenvolvido o gosto pelos piqueniques, pelos passeios campestres que tão necessários são para o corpo e para o espírito. É por isso que vemos muita gente não escolher um domingo ou um feriado para um passeio a esse e a outros pontos desta cidade, onde se pode passar um dia alegre e infiltrar nos pulmões um ar mais puro e oxigenado.”

Barra da Tijuca : terrenos em arruamento – Holland, S. H. – 1930? – custódia: Biblioteca Nacional

A novidade Barra da Tijuca, que passou a ser cada vez mais visitada, rendeu interesses e frutos comerciais. No início do século XX, grande parte das terras da Barra da Tijuca foi vendida à Empresa Saneadora Territorial e Agrícola S.A. (ESTA), que decidiu realizar loteamentos por volta da década de 1930. O lugar escolhido foi a atual região da Barrinha, devido à proximidade com a Estrada do Joá, que havia sido construída em 1929 pelo Prefeito Prado Júnior.

Estrada do Joá no final da década de 1930 – cartão postal

Continua após a publicidade

A segunda metade do século XX trouxe para a Barra da Tijuca (e, consequentemente, para a Baixada de Jacarepaguá) novas possibilidades de expansão e desenvolvimento. A cidade queria e precisava expandir-se rumo ao Oeste.

Itanhangá Golf Club nos anos 1930 – fonte: site do clube

No início da década de 1950, o Itanhangá tornou-se a nova fronteira da expansão imobiliária na Barra. Com o sucesso do Itanhangá Golf Club, inaugurado em 1933, o empreendimento da empresa Sul América Capitalização, “Jardim da Barra”, bem em frente ao clube, tornou-se a sensação do momento. Vejamos um anúncio publicitário de 1951:

A Barra da Tijuca ainda era um vasto areal desabitado nessa época. Os esforços de ocupação da região ainda esbarravam no difícil e limitado acesso, que ainda era feito apenas pela Estrada do Joá e pelo Alto da Boa Vista. Faltava ainda viabilizar um acesso de massa para o novo bairro — algo que só ocorreria nas décadas seguintes.

Barra da Tijuca nos anos 1950 vista da Estrada do Joá. 1951 – Halley Pacheco de Oliveira

Continua após a publicidade

Nos anos 1940, durante a administração do Prefeito Henrique Dodsworth, mais um acesso importante à Barra começou a ser construído: a Estrada Grajaú-Jacarepaguá. Somente no final da década de 1950 a via foi completada, com o final do trecho mais próximo a Jacarepaguá (Estrada dos Três Rios). Começa um “boom” imobiliário e populacional em bairros como Taquara e Freguesia que, assim como a Barra da Tijuca, eram considerados o “Sertão Carioca”, por serem selvagens ou então rurais.

Inauguração do último trecho da Estrada Grajaú-Jacarepaguá – segunda metade dos anos 1950 – Arquivo Nacional

A BARRA CRESCE E APARECE

Em 1969, a cidade precisava expandir-se para oeste e aquele que talvez seria o mais importante acesso à Barra foi criado: a Autoestrada Lagoa-Barra, com o Elevado do Joá. Essa obra terminou em 1971, encurtando as distâncias entre a Barra e a Zona Sul, por meio de uma via expressa de grandes proporções e enorme capacidade.

Construção do Elevado do Joá — peça chave da Autoestrada Lagoa-Barra (1969)

Continua após a publicidade

Durante o mandato do ex-Prefeito do Distrito Federal Francisco Negrão de Lima (1968/1971) como governador da Guanabara, o arquiteto Lúcio Costa desenhou seu plano piloto para a Barra, quase uma década depois da implantação de Brasília, cujo plano piloto também havia sido desenhado pelo famoso urbanista.

Mapa da Barra da Tijuca feito por Lúcio Costa para o Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá | Acervo Pessoal/Edmundo Musa

Uma maquete do “Paraíso Ocupado” uma exibição criada por Osterholt e Uitentuis.

O desenho de Lúcio Costa era um plano modernista, que dividia o bairro em setores, prevendo grandes conjuntos de torres circulares cercadas por parques e jardins. Pouco desse plano se concretizou de fato, com o bairro crescendo de maneira desordenada e vertiginosa. 

 

Anúncio publicitário do lançamento da Torre Ernest Hemingway – fevereiro de 1971

Em 1970, deu-se início à construção da ponte na saída do Túnel do Joá, até hoje o principal canal de acesso de quem chega à Barra pela Zona Sul.

Foto: Arquivo / 9-2-1971 – Acervo O Globo

Com o trajeto já marcado, a Avenida das Américas passou a existir, por decreto, a partir dos anos 50. Fazia parte da BR-101, a tradicional Rio-Santos. Pavimentada nesta década, só recebeu a primeira duplicação em 1976. Outra ampliação nos primeiros seis quilômetros aconteceu em 1994. Hoje, tem 40 km de extensão

Foto: Alberto Jacob / 27-4-1976 – Acervo O Globo

Desde a sua criação, a Barra da Tijuca foi marcada pelo rápido crescimento urbanístico e populacional. Com área praticamente desabitada nos anos 1960, registrava 24.126 habitantes em 1980. Esse número saltou para 63.492 habitantes em 1991. 

Foto: William de Moura / 27-7-1988 – Acervo O Globo

Com a expansão, vieram os problemas, como a falta de saneamento básico e os engarrafamentos quilométricos, a exemplo do registrado na foto, em dezembro de 1989. À época, os atropelamentos eram um dos problemas mais urgentes da Avenida das Américas. O plano Lúcio Costa previa passagens para pedestres sob a pista, o que foi cumprido apenas nos primeiros condomínios, como Nova Ipanema e Novo Leblon.

Foto: Guilherme Pinto / 09-12-1989 -Acervo O Globo

A Barra seguiu crescendo e atraindo enorme interesse do setor imobilário (que lá ergueram diversos condomínios), de importantes empresas que lá instalaram suas sedes, de redes de hotéis, locais de cultura e também de inúmeros centros comerciais. Nos anos 1990, dizia-se que para lá se mudavam os “emergentes”. Sua infrastrutura expandiu, ainda que com problemas graves a serem resolvidos, sobretudo na questão de transportes e meio ambiente. Em 2016, a hoje chamada “Barra Olímpica” (antes parte de Curicica) recebeu os Jogos Rio 2016, um momento em que o bairro esteve na vitrine do mundo inteiro. “Sorria, você está na Barra!”

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 49,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.