A primordial tabelinha entre o clube do peito e a fantasia
Toque de Midas para a indústria esportiva, filiação clubística extravasada nas ruas americanas reforçou a projeção internacional legada pela Copa do Mundo

Ilesos ao tarifaço do Trump, Botafogo, Flamengo e Fluminense voltaram com o bolso cheio dos Estados Unidos. Faturaram, respectivamente, R$ 140 milhões, R$ 151 milhões, R$ 331 milhões.
Os cachês graúdos correspondem à receita do Mundial. Só a venda dos direitos de transmissão e dez patrocínios renderam dois bilhões de dólares à Fifa.
Fora a bolada, os cariocas comemoram a projeção global. As 63 partidas da Copa conectaram, simultaneamente, uma média de 300 milhões de espectadores no streaming.
A vitrine doméstica seguiu o compasso. Flamengo 2 x 4 Bayern, pela Globo, atraiu 4,5 milhões no Rio, calcula o Ibope.
Botafogo e Fluminense também contabilizaram audiências expressivas, assim como o Palmeiras. A agremiação paulista ainda arrematou a quinta melhor média de público em estádio: 48 mil. (A maior foi do Real Madrid: 65 mil.)
Ouro para o marketing, os ganhos à reputação das marcas extrapolaram a visibilidade dos jogos: seus enredos, personagens, resultados, seus heróis espetacularizados pela publicidade. Emanaram, com igual eloquência, dos louvores nas arquibancadas e ruas americanas. Ecos do magnetismo futebolístico.
Devotos inundaram cartões-postais como quem professa um rito carnavalesco. Suspenderam o tempo para invocar a alma coletiva congregada pela paixão comum. Ativaram aquilo que Durkheim chamava de efervescência comunitária. (A associação é apontada pelo sociólogo Ronaldo Helal, coordenador do Laboratório de Estudo em Mídia e Esporte da Uerj, no artigo “Futebol, cultura e cidade”).
Propagados nas redes, aqueles cantos louvavam mais do que o escudo no peito. Festejavam o território mágico do clubismo. Um toque de Midas à indústria esportiva.
Historicamente transmitida pelos pais – ou o irmão mais velho, o padrinho, o tio onipresente –, a filiação clubística firma um pacto com a fantasia. Sua força de herança identitária não a poupa da efemeridade contemporânea, das influências globalizadas e fugazes à palma da mão.
A internacionalização perseguida pelos clubes brasileiros parte desse entrelace visceral – dourado por ídolos, troféus e, acima de tudo, pela triangulação entre a bola, a arte, o encanto. Não basta ajustá-lo à ciranda digital que fragmenta o entretenimento em histórias e experiências personalizadas. É preciso irrigá-lo constantemente.
Estratégias para expandir relações de consumo no embalo da Copa exigem também pragmatismo econômico e político. Boa parte delas – como o alinhamento das nossas competições ao padrão internacional – depende da integração setorial, dificultada pelo vício patrimonialista.
Enquanto demoram a efetivá-la, nossos clubes continuam à margem dos principais mercados. O atraso incide, entre outros impactos, sobre a fragilidade na retenção de talentos.
O pulo do gato não virá sem a consciência de que, sócios num baita negócio, precisam construir um ambiente propício à cooperação e à inovação conjunta. Foge à razão por que a ficha custa tanto a cair.
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Encontro com a memória
O mundo encantado da bola vai escancarar janelas dia 17 de agosto, no Grajaú Tênis Clube. A feira Geral reunirá livros, camisas, cartões e outras preciosidades que contam a história e as histórias do futebol.
Com o apoio do Museu da Pelada, o encontro é organizado pelo colecionador Luís Quedinho. Ele vai expor camisas marcantes dos anos 70 e 80, como as usadas por Zico, Roberto Dinamite, Toninho Cerezo, Rubens Galaxe.

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Fôlego pro futuro
A lua de mel com o mar não corre risco por ora. Campeã na maratona aquática dos Jogos de Tóquio 2021, Ana Marcela Cunha afasta rumores de que pararia de competir. Aos 33 anos, descarta a aposentadoria.
“Vivo minha carreira ano a ano. Este ano é de Mundial, no próximo sonho com o Canal da Mancha”, projeta a atleta-embaixadora do Sesc-RJ. Ela garante que mantém o fôlego para ampliar a coleção em que reluzem o ouro olímpica e 13 medalhas em Mundiais.
Ana Marcela ficou em sexto e em oitavo, respectivamente, nas provas de 10km e 5km do Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos, disputado esta semana, em Singapura. Com a fibra habitual, a nadadora contornou um corte no braço direito sofrido ao raspar numa boia, logo na primeira volta dos 5km, na sexta (18).
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.