Confraternização esportiva favorece a saúde mental
Conversa fiada que acompanha a pelada semanal com os amigos reforça benefícios do esporte comunitário para uma vida saudável
A ciência comprova aquilo que todo peladeiro sabe desde sempre. Resenha é um baita elixir. Põe morango do amor no chinelo.
O joguinho com os amigos – na rua, no condomínio, no clube – não só espanta o sedentarismo, enorme ameaça à saúde. Acompanhado de uma boa prosa, também oxigena a cuca.
Sociabilização favorece a vida saudável, atestam estudos como “Social relationships and health“, de Sheldon Cohen. Histórico ímã interpessoal, o esporte comunitário alia-se à medicina preventiva.
A despretensiosa pelada e sua inseparável conversa fiada revigoram a mente. Melhoram o bem-estar, o humor, a vitalidade cognitiva.
A confraternização esportiva ajuda a prevenir desequilíbrios metabólicos, psicológicos, emocionais. Forma uma vacina contra o estresse crônico, gatilho para infarto, diabetes, depressão etc.
O remédio combina dois hábitos ancestrais: brincar e agrupar-se sob o verniz de interesses comuns culturalmente sedimentados pela imaginação. Constituem um bote salva-vidas no tsunami de ansiedade que inunda a vida contemporânea.
Futebol, vôlei, surfe, corrida, frescobol. Pouco importa a modalidade, contanto que nos integre à brisa lúdica da amarelinha, da chapinha disputada por pés sorridentes no recreio, do queimado na pracinha. Assim nos reencontramos com a infância e com a fantasia, como quem mata a saudade do cheiro de mato, e seguimos adiante.
Turbinada pela linguagem, a habilidade de nos reunirmos sob um pendor imaginativo sustenta a caminhada humana há 70 mil anos. O diagnóstico do historiador Yuval Noah Hahari, descrito em “Sapiens: uma breve história da humanidade”, estende-se às rodas de papo nas peladas semanais.
Esses mecanismos de sobrevivência emanam o magnetismo de um chamado irrecusável. Resistem ao joelho ingrato, à maratona profissional, à polarização política. Ritos cuja importância, frequentemente subestimada, contrapõe-se ao feitio prosaico.
Neles prevalecem o riso, a galhofa, a contação de histórias. Neles levitamos sobre as asperezas, dissonâncias e bigornas cotidianas. Neles nos igualamos aos antepassados que comungavam lendas em torno da fogueira.
“A diferença real entre nós e os chimpanzés é a cola mítica que une grandes quantidades de indivíduos, famílias e grupos. Essa cola nos tornou os mestres da criação”, pondera Hahari. Tal aderência se reproduz no churrasquinho com a turma pós-transpiração.
No tempo pós-industrial, assombrado por crises nervosas e humanitárias, a saúde – física, mental, civilizatória – evoca a imemorial sabedoria de brincar junto, jogar junto, prosear, ouvir o outro, de nos deixarmos enfeitiçar pela imaginação compartilhada. A convivência esportiva mantém acesa a fogueira.
PS: A justificativa científica não imuniza peladeiros compulsivos de queixas e danos associados a exageros. Resenha com pé na jaca costuma deixar múltiplos estragos, ensina a ancestralidade popular.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.